PROTÁGORAS E O PRAGMATISMO

protagoras

Rev. Padre Jorge Aquino

Um dos maiores representantes da filosofia pré-socrática foi o famoso sofista Protágoras. Nascido em Abdera, na Trácia, em 481 a.C., ainda jovem mudou-se para Atenas onde angariou um grande número de discípulos, particularmente entre os jovens ricos que desejavam seguir uma carreira política. Protágoras é um daqueles contado entre os que seriam chamados de sofistas, ou seja, aqueles “professores itinerantes que prosperaram em Atenas no século V e no início do século VI a. C. O termo ‘sofista’ deu origem às palavras ‘sofisma’, ou argumento enganoso, e ‘sofisticado’, com a conotação de ‘falsa intelectualidade’; mas a palavra grega sophistes denotava apenas o mestre de uma arte, um especialista hábil, ou um sábio” (ROHMANN, 2000, p. 372).

Protágoras também foi muito valorizado por políticos como Péricles, que o encarregou de redigir a legislação para a colônia de Turi, em 444 a.C. Sobre sua morte pouco sabemos, exceto que deve ter ocorrido antes do fim do 5º século.

Sobre Protágoras o que temos é advindo de duas fontes: um texto que ele próprio escreveu, chamado As Antilogias, da qual temos apenas poucos relatos, e o testemunho de Platão que lhe dedicou um de seus maiores diálogos (Protágoras), conservando seu pensamento, e no Teeteto, onde Protágoras aparece como um das personagens.

No que diz respeito à doutrina do conhecimento de Protágoras, ou à sua gnosiologia, podemos perceber que ele recebeu uma certa influência de Heráclito ao reagir contra um mundo “dado” e “estável” onde as coisas são o que são e não existem mudanças. Por isso, não seria errado afirmar que seu pensamento gnosiológico pode ser resumida em sua famosa frase: “O homem é a medida de todas as coisas; das que são, enquanto são, e das que não são, enquanto não são” (PROTÁGORAS Apud PLATÃO, In MONDIN, 1985, p. 41), que no grego original, teria sua primeira parte escrita da seguinte forma: Pânton chremáton metron estin ánthropos. O verdadeiro significado desta expressão, contudo, ainda é bastante controvertido entre os filósofos. Para Mondim (1985, p. 41), por exemplo, enquanto no Teeteto “Protágoras entende por homem o indivíduo”, levando-nos a compreender que o verdadeiro conhecimento variaria de homem para homem, “no Protágoras ele parece entender por homem não o indivíduo, mas a humanidade em geral” (MONDIN, 1985, p. 41). Em ambos os casos, contudo, estamos diante de um pensamento relativista que seria absoluto, no primeiro caso, e mais moderado no segundo. Em todo caso, para ele, não existe uma verdade absoluta.

Com o seu famoso princípio, enunciado acima – também chamado de princípio do homo mensura -, ele pretendia, afirmam Giovanni Reale e Dario Antiseri, “negar a existência de um critério absoluto que discrimine ser e não-ser, verdadeiro e falso. O único critério é somente o homem, o homem individual: ‘Tal como cada coisa aparece para mim, tal ela é para mim; tal como aparece para ti, tal é para ti’. Este vento que está soprando, por exemplo, é frio ou quente? Segundo o critério de Protágoras, a resposta é a seguinte: ‘Para quem está com frio, é frio; para quem não está, não é’. Então, sendo assim, ninguém está no erro, mas todos estão com a verdade (a sua verdade)” (REALE & ANTISERI, 1990, p. 76, 77).

A importância de Protágoras dentro do ambiente político de Atenas é bastante significativa e demonstrada pelo fato de que “No século V a.C., Atenas tornou-se uma cidade-estado importante e próspera e, sob a liderança de Péricles (445-429 a.C.), entrou em sua ‘Era de Ouro’ de erudição e cultura. Isso atraiu pessoas de toda a Grécia – e, para aqueles que conheciam e sabiam interpretar a lei, havia vantagens. (…) Não havia advogados, mas uma reconhecida classe de conselheiros logo se desenvolveu. Nesse grupo estava Protágoras” (VÁRIOS, 2011, p. 42). Ter alguém que ensinasse a arte da retórica e da persuasão, seria muito significativo.

Conforme ensina Diógenes Laércio (In REALE, 1993, p. 202), Protágoras afirmava nas Antígonas que “em torno a cada coisa existem dois raciocínios que se contrapõem entre si”. Em outras palavras, acerca de qualquer coisa é possível dizer e contradizer, invocando razões que se anulam reciprocamente. Na Retórica, Aristóteles conclui dizendo que Protágoras ensinava a “tornar mais forte o argumento mais frágil” (ARISTÓTELES, In REALE, 1993, p. 202, n.8). E é seguindo nesse sentido que podemos deduzir ou reconstruir seu objetivo. Assim Escreve Léon Robin em seu texto Storia del pensiero grego: “Posto que o seu objetivo é o de armar o aluno para todos os conflitos de pensamento ou de ação dos quais a vida social pode ser a ocasião, o seu método será, portanto, essencialmente antilogia ou a controvérsia, a oposição das várias teses possíveis sobre determinados temas ou hipóteses, convenientemente definidas ou catalogadas; trata-se de ensinar a criticar e a discutir, a organizar um torneio de razões e contra razões” (ROBIN, In REALE, 1993, p. 202, n.9). Por isso Protágoras dá muito valor à arte da retórica, ou seja, da “faculdade de ver teòricamente o que, em cada caso, pode ser capaz de gerar a persuasão” (sic) (ARISTÓTELES, 1959, p. 24).

Existe, por certo, uma evidente relação entre as teses relativistas de Protágoras e o pragmatismo. José Renato Salatiel, nos informa que, “Em sua formulação original, feita por Charles Sanders Peirce (1839-1914) em 1877-78 e reformulada em 1905, o pragmatismo é um método filosófico cuja máxima sustenta que o significado de um conceito (uma palavra, uma frase, um texto ou um discurso) consiste nas consequências práticas concebíveis de sua aplicação” (SALATIEL, http://educacao.uol.com.br/disciplinas/filosofia/pragmatismo-1-uma-filosofia-para-a-vida.htm). Destas palavras, poderíamos dizer que haveria uma certa influência utilitarista sobre o pragmatismo, mas esse seria um tema para outro texto.

O fato é que em Protágoras o homem surge, sim, como uma forma de “metron”, ou “medida” que estabelece o certo e o errado. Mas, perguntamos agora, e quando às demais questões da vida? Segundo Reale (1993, p. 206) “se o homem (cada homem como ser ciente e perceptivo) é medida do verdadeiro e do falso, não é, ao contrário, medida do útil ou do prejudicial. (…) enquanto o homem é medida com relação à verdade e à falsidade, é medido com relação à utilidade: parece, pois, que ao útil deve-se reconhecer uma validade objetiva (embora não absoluta). O bem e o mal são, respectivamente, o útil e o prejudicial; o melhor e o pior são o mais útil e o mais prejudicial”.

Desta citação parece-nos que temos uma confirmação da relação entre sua gnosiologia, seu pragmatismo e seu utilitarismo. No entanto, parece que a relação entre seu relativismo gnosiológico e seu pragmatismo utilitarista dependeria de uma série de correlações específicas. Uma demonstração dessa correlações pode ser encontrada no Teeteto, onde Platão entabula um diálogo entre Sócrates e Protágoras acerca das “coisas boas”, no qual Protágoras assim se expressa: “Eu conheço muitas coisas que são nocivas aos homens: alimentos, bebidas, remédios e muitíssimas outras que também são úteis; outras, ao invés, não são nem úteis nem prejudiciais aos homens, mas o são aos cavalos, e outras que o são só aos bois ou aos cães; outras, enfim, que não são úteis a nenhum animal, mas o são às plantas. (…) O bom é algo tão variado e multiforme que, mesmo no caso citado [sobre o óleo], enquanto é boa para o homem, para as partes externas do seu corpo, a mesma coisa é danosíssima para as internas” (PLATÃO, In REALE, 1993, p. 206, 207).

Ao que parece, portanto, o conceito de bom ou de útil está relacionado a uma série de circunstâncias individuais e específicas que não nos permite dizer que o que é bom ou útil para uma pessoa possa ser bom ou útil para outra pessoa, para um animal ou para uma planta. Mesmo o que é bom e útil para uma pessoa, pode ser apenas bom e útil para a pele do homem e não para seus intestinos.

Saindo da esfera do indivíduo e caminhando na direção da sociedade ou da cidade (polis) o homem sábio ou retórico será, dessa forma, aquele que conhecer “o bem e o útil à cidade e faz com que este pareça como justo à cidade (o justo não é, portanto, o verdadeiro, mas o útil público), e educa consequentemente aos cidadãos” (REALE, 1993, p. 207). Ora, parece-nos claro que não apenas Protágoras eleva o sábio à condição de supremacia, como também que foram suas as teses que influenciaram Platão sobre a necessidade de uma República governada por filósofos.

Mas este sábio, que governaria a cidade, teria sua sapiência formada à parte da verdade ontológica. Muito ao revés, na base de sua sapiência não se encontra a ontologia, mas o empirismo, ou, para falarmos de uma forma mais moderna, a fenomenologia. Desta forma, assim como quem determina que o que é útil à planta é o agricultor e o que é o útil para o homem é o médico, em relação a cidade quem determina o que é útil é o sofista, embora não saiba “dizer em relação a que o sofista pode proceder a esta determinação” (REALE, 1993, p. 208).

Decerto que uma comunidade de cidadãos sapientes seria muito mais próspera e desejável do que uma em que apenas uma pequena classe de pessoas sábias decidisse o que seria útil e bom. Portanto, encerro dizendo que se a base da verdade está no aspecto empírico e não no ontológico, a verdade de uma comunidade pode ser diferente da verdade de uma outra. O mesmo pode ser dito às sociedade em um mundo cada vez mais plural.

 

Referências bibliográficas:

ARISTÓTELES, Arte retórica e arte poética. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1959

MONDIN, Battista. Curso de filosofia. Vol 1. São Paulo: Edições Paulinas, 1985

REALE, Giovanni & ANTISERI, Dario. História da filosofia. Vol 1. São Paulo: Edições Paulinas, 1990.

REALE, Giovanni. História da filosofia antiga. Vol 1. São Paulo: Loyola, 1993

ROHMANN, Chris. O livro das idéias. Rio de Janeiro: Campus, 2000

VÁRIOS. O livro da filosofia. São Paulo: Globo, 2011

SALATIEL, José Renato. Pragmatismo: Uma filosofia par a vida. http://educacao.uol.com.br/disciplinas/filosofia/pragmatismo-1-uma-filosofia-para-a-vida.htm. Acessado em 09/07/2016.

Deixe um comentário