Revdo. Pe Jorge Aquino
Eu estou certo que se você perguntar a qualquer pessoa quanto é um mais um, ele dirá dois. Também acredito que a maioria dos seres humanos são capazes de afirmar que existem animais quadrúpedes em nosso planeta e que eles conseguem distinguir as cores vermelha, verde e amarela em um sinal de trânsito. Mas o grande problema para a filosofia não é, exatamente, se as pessoas podem ou não conhecer os objetos que estão ao seu redor. Como afirmam Geisler e Feinberg, o grande problema da filosofia não é aquilo que cremos, ela está preocupada em “como justificar tal crença. A questão não é aquilo que cremos, mas sim, em que podemos crer com justificativa” (GEISLER & FEINBERG, 1983, p. 67).
Se a filosofia é, de alguma forma, a arte ou a ciência que se surpreende com aquilo que nos cerca, então é correto dizer que estudar o conhecimento é estudar o principal e mais importante tema da filosofia. Este tema é conhecido geralmente por “epistemologia”, uma palavra que tem sua raiz na palavra grega “episteme”, que significa, “conhecer”. No entanto, Stephen Law (2008, p.49) nos diz que existem diversos tipos de conhecimento. Para ele existem o “conhecimento por contato (p.ex.: conheço bem Oxford), enquanto habilidade (sei andar de bicicleta) e conhecimento proposicional (sei que águias são aves). Os dois primeiros tipos são interessantes, mas a filosofia volta-se, sobretudo, para o terceiro: o que é conhecer uma proposição”. Mas o que seria uma proposição? São todas aquelas afirmações que fazemos na vida diária e que as damos por certo, tais como: os peixes podem nadar. Mas temos que compreender que essas nossas convicções ou bem são oriundas de nossa experiência ou bem são o resultado de nossas reflexões. Dentre os mais instigantes pensadores sobre epistemologia estão aqueles que chamamos de céticos. A palavra “cético”, diz Jacqueline Russ (1994, p. 34), vem do grego skeptikos, e diz respeito ao que observa e que reflete. Mais tarde a palavra tomou a conotação daquele que nada pode dizer sobre a verdade. Geralmente podemos classificar o ceticismo em cinco grandes correntes.
O Ceticismo radical ou absoluto. Geralmente os céticos radicais ou absolutos são categorizados em dois grupos: há os que defendem que não possuímos nenhum tipo de conhecimento e os que só aceitam os conhecimentos advindos da experiência imediata, sendo a matemática e a lógica, duas exceções. Em geral os céticos negavam qualquer conhecimento metafísico ou místico, centrando-se nas palavras de Sócrates: “só sei que nada sei”. O principal cético deste primeiro tipo foi Sexto Empírico. Este autor que viveu entre o II e o III século dC era provavelmente um grego, mas nada sabemos sobre onde nasceu, ensinou ou onde morreu. O que sabemos é que ele praticava a medicina e que era um Cético vigoroso. Seu Ceticismo possuía três estágios: a ataraxia, que apresentava uma série de alegações contraditórias sobre o mesmo assunto. Tais alegações eram feitas para demonstrar que uma afirmação poderia ser contradita. Geisler e Feinberg (1983, p. 69) nos dão o exemplo da torre: “uma torre vista à distância é quadrada. Mas a mesma torre vista de perto é redonda”. Ora se ela é quadrada e redonda ao mesmo tempo, temos duas afirmações opostas acerca do mesmo objeto.
O segundo estágio do Ceticismo de Sexto Empírico era chamado de epochê, no qual ele suspendia qualquer espécie de julgamento. Ao invés de afirmar ou negar qualquer coisa sobre o objeto, devemos alegar que todas as afirmações sobre o assunto são inconsistentes e suspender o julgamento sobre o tema.
Finalmente, chegamos à terceira fase do pensamento de Sexto Empírico que é chamado de ataraxia. Neste estágio a pessoa encontraria um estado de imperturbabilidade, de felicidade e de paz de espírito. Mas isso só poderia ocorrer se o sujeito conseguir abrir mão de toda espécie de dogmatismo para seguir às inclinações naturais e as leis da sociedade. Como se vê, o Ceticismo não seria apenas uma postura epistemológica, mas “prometia uma consequência prática – a felicidade e a paz de espírito nas atividades diárias” (GEISLER & FEINBERG, 1983, p. 69).
Além de Sexto Empírico um outro Cético famoso foi David Hume (1711-1776). Como vivia em um contexto muito mais otimista, Hume, embora negasse qualquer possibilidade de conhecimento empírico do tipo “o Sol vai surgir amanhã”, dizendo ser isso apenas uma probabilidade fundada em nosso hábito, e não uma realidade necessária, o que o levava a reduzir toda espécie de raciocínio indutivo à uma generalização desnecessária, ele concedia padrões probabilistas para crenças que transcendem as experiências imediatas.
O Ceticismo mitigado. Este tipo de Ceticismo, embora negasse as alegações empíricas, admitiam alguns tipos limitados de conhecimento. O mais conhecido filósofo deste grupo é Emanuel Kant (1724-1804). Como ele mesmo afirma, foi despertado de seu “sono dogmático” após as leituras que fez de Hume e seus opositores. Ele concordou que a argumentação de Hume contra o conhecimento metafísico era forte, mas ele compreendeu que era preciso se utilizar da “fisiologia do entendimento” de Locke, para se chegar a um meio-termo. Conforme asseveram Geisler e Feinberg (1983, p. 71), Kant “Combinou um ceticismo absoluto acerca do conhecimento metafísico, com um otimismo de que o conhecimento universal, necessário (a priori) acerca das condições da experiência realmente existe. A crença de Kant tinha relacionamento com aquilo que chamou de ‘revolução copernicana’ na filosofia. Assim como Copérnico (1473-1543) tinha transformado o ponto de vista cosmológico do homem (demonstrou que o sol, e não a terra, é o centro do sistema solar), assim também Kant transformou o ponto de vista epistemológico do homem. Kant afirmou que o conhecedor não se conforma ao objeto conhecido – o que se pensava anteriormente (Locke e seus seguidores criam que o objeto estava ‘lá’ e o observador meramente reagia às suas qualidades objetivas). Pelo contrário, disse Kant, o objeto conhecido conforma-se ao conhecedor. Postulou-se que, para alguma coisa ser um objeto possível do conhecimento, tinha de conforma-se com a mente”. Desta forma Kant acreditava que era, sim, possível ter um conhecimento a priori (ou pela razão pura) do mundo que nos cerca examinando as condições de possibilidade de nossa consciência. Como afirma Stephen Law (2008, p. 296) “Ele admitiu que o que conhecemos é determinado pela natureza do nosso aparelho sensorial e cognitivo. Em outras palavras, embora se inicie com a experiência, o conhecimento requer ordenação pela mente humana”. Mas que estrutura é essa? Kant percebeu que toda experiência que temos do mundo que nos cerca é espaço-temporal. Ou seja, ele estabeleceu o espaço e o tempo como condições a priori de nossas experiências sensoriais e, desta forma, como estruturas necessárias que impomos à experiência. O passo seguinte foi procurar isolar categorias gerais do pensamento que nos permitem organizar as informações que obtemos pelos sentidos. Essas categorias são: substância (uma vez que as coisas são feitas de substância material) e causa e efeito (já que os eventos se relacionam condicionalmente). Deste modo, diz Stephen Law (2008, p. 296, 297) “Kant supera o ceticismo de Hume, mostrando que podemos adquirir conhecimento do mundo tal como aparece para nós”. Mas isso significa que estamos presos às aparências e não ao mundo real (que Kant chama de noumena), acerca do qual nada se pode dizer com precisão.
O Ceticismo limitado. Neste tipo de ceticismo, alguns tipos de alegações de conhecimento, como os metafísicos e teológicos. Nisso ele se parece com o ceticismo mitigado. A obra mais famosa que defende essa tese que se tornou dominante na década de 1930 foi Language, Truth and Logic, da lavra de A.J. Ayer (1910-1970). Ligado ao Positivismo Lógico, a metafísica seria totalmente eliminada por meio da análise linguística. Para um positivista a grande questão é como discernir qual é a declaração genuína da realidade da que não é. Para se resolver esse problema os positivistas usam o chamado “princípio da verificação”. Explicando esse princípio, Geisler e Feinberg (1983, p. 72) assim se expressam: “o âmago do princípio da verificação é este: Qualquer declaração para a qual não podemos declarar as condições que contariam em prol de sua verdade ou contra ela, não é uma declaração acerca da realidade e, portanto, não pode ser conhecimento”. A metafísica, por exemplo, não é apenas falsa, para Ayer, ela não faz sentido algum.
O Ceticismo metodológico. Este tipo de ceticismo também é chamado de Cartesiano por estar ligado à figura do filósofo francês René Descartes (1596-1650). Durante o século XVII o ceticismo trilhou caminhos bem diferentes daquele mais tradicional. Para ele “Deve-se duvidar de tudo para se poder chegar a algum princípio de que é impossível duvidar” (GILES, 1993, p. 19). Em Descartes o ceticismo não dizia respeito à conclusão de um argumento, mas a um método por meio do qual todas as dúvidas poderiam ser vencidas. Ele afirmou em seu texto Discurso do Método, ser possível chegar a atingir toda e qualquer verdade, de forma clara e distinta, por meio do método que criara. A ferramenta utilizada para fazer com que pudéssemos chegar até à verdade certa e indubitável foi a dúvida metódica, ou seja, o ceticismo. Ele pretendia aplicar sua dúvida a todos os objetos e crenças para demonstrar que tudo não passava de sonhos. Voltando-se para fora ele percebeu que tudo poderia ser questionado. Mas voltando-se para si, ele viu que até poderia duvidar que tinha um corpo com braços e pernas, ou seja, ele até poderia estar sendo enganado por sua percepção ou mesmo por um demônio, mas o que não poderia jamais duvidar é que ele estava duvidando. E se pensava, forçosamente, existia. Por isso afirmou: “Penso, logo, existo” (cogito, ergo sum). Por meio da utilização do seu método, o homem, finalmente poderia chegar a conhecer de forma clara e distinta todas as verdades.
O Irracionalismo. A última forma de ceticismo que poderíamos citar também é chamada de irracionalismo. Este movimento filosófico está associado à figura de Albert Camus, que por seu turno, se fundamentou tanto no existencialismo fideísta de Kierkegaard, quanto no existencialista niilista de Nietzsche. Enquanto Camus aceita o ceticismo fideísta de Kierkegaard e rejeita toda forma racionalista de explicar o mundo e Deus, ele também rejeita o “pulo para dentro da fé” e se junta à Nietzsche na crença da morte de Deus e, portanto, na condição humana de um povo que vive em busca de sentido e significado em um mundo essencialmente absurdo.
Uma crítica. Uma crítica que se pode fazer ao ceticismo nos vem da pena de Santo Agostinho, que era um cético antes de tornar-se cristão. Para ele o ceticismo é inconsistente. E ele usa dois argumentos para demonstrar isso. Primeiro ele diz que a afirmação do cético de que não se pode saber coisa alguma é, em si mesmo, uma alegação sobre o conhecimento. Se sua alegação for falsa, então não temos com que nos preocupar. Mas, se for verdadeira, então ela será contraditória em si mesma, já que, como ele mesmo diz, não podemos saber coisa alguma.
A segunda crítica feita por Agostinho supõe que o cético retruque, dizendo que não estamos entendendo adequadamente quando diz que não podemos saber coisa alguma, como quem fala de saber se algo é verdadeiro ou falso. Se assim for, diz Agostinho, sua argumentação é igualmente inconsistente. Pois sua alegação, sendo ainda sobre o conhecimento, nos leva a acreditar que para todas as afirmações, jamais poderemos saber se elas são falsas ou verdadeiras. Logo, o que ele afirma é igualmente inconsistente, já que não sabemos se é verdadeiro.
Ademais, John Pollock demonstra que o ceticismo contraria o Bom-Senso. Imagine o seguinte argumento:
Premissa 1: Sinto água caindo na minha cabeça.
Premissa 2: Meus amigos dizem que está chovendo.
Premissa 3: O jornal de hoje diz que choveu.
Premissa 4: O noticiário da TV diz que está chovendo.
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Conclusão: Está chovendo hoje.
Ora, a alegação do cético é que todas as premissas são verídicas mas que a conclusão é falsa. Para Pollock a argumentação cética deveria ser, no mínimo, considerada uma reductio ad absurdum, pois parte da tese de que se a conclusão está errada enquanto as premissas estão certas, não está havendo bom-senso no pensamento.
Particularmente, como cristão, me inclino para o tipo de ceticismo defendido por Kierkegaard que, no fundo, foi uma revolta contra toda a tentativa de sistematizar a vida, a história e o próprio Deus. Somente a fé, ou como Kierkegaard chama, o “salto da fé” pode nos libertar das amarras do racionalismo que, na minha opinião, é pior que o ceticismo, porque é arrogante.
Referência Bibliográfica:
GEISLER, Norman L. & FEINBERG, Paul D. Introdução à filosofia: uma perspectiva cristã. São Paulo: Vida Nova, 1983
GILES, Thomas R. Dicionário de filosofia. São Paulo: EPU, 1993
GRAY, John. Filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 1998
RUSS, Jacqueline. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Scipione, 1994