LECIONÁRIO ANO C

padre jorge

Sermão do 1º Domingo do Advento

Reverendo Jorge Aquino

(Zacarias 14:4-9; I Tessalonicenses 3:9-13; Lucas 21: 25-31)

TEMA: A oração de Paulo pela Igreja (I Tessalonicenses 3:9-13).

Introdução: Hoje toda a igreja comemora o início de mais um ano celebrando o primeiro domingo do Advento. Mas esta quadra é uma quadra especial porque nossos olhos estão voltados para duas realidades: uma no passado, o Advento, e a outra no futuro, a parousia. O termo Advento vem do latim “adventos” e significa “chegada”, enquanto “Parousia” é um termo grego e também significa “chegada” ou “vinda”. A diferença, é que enquanto o Advento nos fala da chegada de uma criança que nasceria em Belém da Judéia, a “Parousia” é um termo utilizado para a chegada de um Rei ou Imperador. A Igreja se encontra exatamente no centro entre o passado e o futuro. Ela é o sinal do Reino que já está no meio de nós, mas que ainda não se manifestou plenamente.

Elucidação: Sabendo estar vivendo neste período que antecede a parousia, Paulo sugere que a igreja cresça sempre em santidade. Paulo havia acabado de se encontrar com Timóteo que trazia boas notícias acerca da fé e das condições em que se encontrava aquela igreja. Em razão disso, Paulo começa seu texto perguntando a si mesmo acerca de que tipo de “ação de graças” (grego: eukariatian) ele poderia dar a Deus pela igreja em Tessalônica. Para responder esse texto ele compõe uma oração que é composta de pelo menos três momentos:

I. UM DESEJO DE REENCONTRÁ-LOS (v. 9, 10)

  1. Orando dia e noite. Expressa a constância da oração de Paulo pela igreja em Tessalônia. Paulo mais a frente (5:17) vai ensinar a igreja sobre a necessidade de que o cristão deveria orar sem cessar. Ele, é o primeiro a dar o exemplo.
  2. Com máximo empenho. Expressa a intensidade da oração de Paulo por aquela igreja. Paulo usa a palavra (uperekperissou) que significa “superabundantemente”. Sem a preposição que dá intensidade, a palavra “perissou” significa “abundar” ou “transbordar”. Com a preposição intensificativa “uper”, ele quer dar uma conotação de extrema intensidade no seu desejo de orar e de rever aquela igreja. O Dr. Herschel Hobbs nos diz que “O seu cálice de oração estava cheio até a borda e trasbordava por todos os lados”. Seu desejo era encontrar uma palavra que pudesse expressar o que seu coração desejava, por mais difícil que isso fosse.
  3. Para vos ver pessoalmente. Embora já estivesse enviado Timóteo para instruir à comunidade, ainda havia em seu coração um enorme amor por aquela igreja que o fazia desejar ardentemente encontra-los novamente e rever a cada um deles.
  4. Para reparar as deficiências de vossa fé. A palavra usada por Paulo aqui “katartisai” é um termo cirúrgico utilizado para “juntar os osso quebrados”, mas também pode ser vista no concerto das redes de pescadores (Mc 1:19) e pode muito bem ser traduzida por “restaurar”, “equipar” ou “dar o que está faltado”. Hobbs cita as palavras de Bailey para quem “suprir significa colocar em condições operacionais”, mas também pode significar “tornar completo”. Paulo que reencontrar aquela igreja para concluir seu trabalho de formação cristã.

Aplicação: Paulo reconhece que ainda há muito o que ensinar àquela igreja. E de fato ele escreve uma segunda epístola para ajudar aos mais necessitados de conhecimento. Mas seu desejo é estar presente para ensinar pessoalmente sobre as grandes questões que povoam a mente da igreja. Da mesma forma Deus deu à sua Igreja doutores para ensinar e impedir o surgimento e proliferação de heresias em meio à sua comunidade. Estas pessoas devem ser dignas de honra e respeitadas.

II. UM DESEJO PARA QUE ELES CRESÇAM (v. 12)

  1. Paulo quer que eles cresçam. A ideia de crescer traz consigo a noção de atingimento da maturidade e da vida adulta. É o abandono de uma vida infantil.
  2. Aumentar o amor de uns para com outros. Paulo quer que eles “aumentem” ou “estravassem” de amor uns para com os outros. Esse é o sentido da palavra que ele usa, novamente, “perisseu”. Paulo deseja que o caminho do amor seja trilhado sem reservas e sem limitações. Cada um deve estar vivendo uma vida de pleno amor para com o outro. Hobbs nos diz que “os pagãos podem amar uns aos outros. Mas o amor cristão deve estender-se a todos – cristãos e não-cristãos, indiferentemente”. Este amor não é natural, ele é uma graça dada por Deus em seu poder transformador.
  3. Assim como o de Paulo para com eles. Não houve no coração de Paulo qualquer receio em ser utilizado como padrão para o tipo de amor que ele deseja que os irmãos de Tessalônica sintam uns para com os outros. Por isso ele diz que esse amor deve ser semelhante ao que ele sente por aquela igreja.

Aplicação: O desejo de Paulo para que aquela igreja crescesse no conhecimento é notório. Paulo dedica boa parte do capitulo 4 para explicar o que ocorrerá quando o Senhor vier nos ares. E Jesus, no texto de Lucas 21, também deseja avisar seus apóstolos. Por isso ele diz: “Assim também, quando vires acontecerem estas coisas sabeis que está próximo o Reino de Deus” (Lc 21: 31).

III. UM DESEJO QUE ELES SEJAM CONFIRMADOS (v. 13)

  1. No vosso coração. Significa torna-los firme e dar o adequado sustento.
  2. Em santidade. A santificação é um processo que começa quando encontramos a Cristo e que se desenvolve até desabrochar como ápice desse ciclo vital, quando encontrarmos o Senhor. Apesar disso, quem já iniciou esse processo é chamado nas Escrituras de “Santo” (I Co 1:2).
  3. Isento de culpa. Quando encontramos e recebemos a Cristo como Senhor de nossa vida, somos justificados diante de Deus e isentos de Culpa. Escrevendo aos Romanos (8:1) Paulo diz: “Portanto, agora nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus, que não andam segundo a carne, mas segundo o Espírito”.
  4. Diante de Deus. Quando Jesus morreu na cruz, as Escrituras nos dizem que o véu do templo se rasgou de alto à baixo, nos revelando aquilo que nenhum mortal – exceto o sumo sacerdote uma vez por ano – poderia ver, o Santo dos Santos. Agora, em santidade e isento de culpas, podemos chegar diante de Deus em sua vinda.
  5. Na vinda de Jesus Cristo. Conforme nos ensina Howard Marshall, professor de exegese do Novo Testamento na Escócia, “O propósito ou alvo final da oração de Paulo é que seus convertidos sejam vistos na parousia, como santos. A conexão do pensamento torna claro que isso é realizado mediante o crescimento no amor. Pode-se considerar que o versículo trata, de modo geral, da esperança cristã, completando, assim, a tríade da fé, do amor e da esperança que está no fundo da mente de Paulo aqui”.

Conclusão: O texto de Zacarias descreve a chegada do Messias de uma forma apocalíptica e maravilhosa. Mas quero chamar a atenção para o ultimo versículo do texto que diz: “O Senhor será Rei sobre toda a terra; naquele dia, um só será o Senhor, e um só será seu nome”. Quando ocorrer a parousia todos os “senhores” da terra cairão aos seus pés e reconhecerão que Jesus, não o capital, não o poder, não o latifúndio, não a glória humana, mas Jesus, e somente ele, é o Senhor. Não sabemos quando a parousia ocorrerá, mas nossa oração será sempre: Maranatá!! Ora vem, Senhor, Jesus.

 

Sermão do 2º Domingo do Advento

(Baruc 5:1-9; Filipenses 1: 1-11; Lucas 3: 1-6)

TEMA: Os elementos da oração de Paulo pela Igreja (Filipenses 1: 1-11).

Introdução: Certa vez o eminente pastor batista inglês, Charles Spurgeon, conhecido como o “príncipe dos pregadores” disse sobre a oração: “Sussurros que não podem ser expressos em palavras são frequentes orações que não podem ser recusadas”.

Elucidação: Estamos no segundo domingo do Advento. No texto do primeiro também meditamos em uma oração de Paulo para com a igreja, mas a de Tessalônica. Agora ele começa sua carta para a igreja em Filipos de uma forma absolutamente exuberante. Sua oração representa não apenas o desejo e o carinho que ele tinha para com aquela igreja em especial, mas também quer falar do desejo e do carinho que ele tem para com toda a Igreja de Cristo, que o espera nestes momentos do Advento.

I. UMA SAUDAÇÃO EFUSIVA (v. 1,2)

  1. É uma carta escrita por um servo de Cristo Jesus. Paulo começa descrevendo-se a si mesmo como “servo de Cristo Jesus”. Embora no primeiro versículo Paulo cite também a pessoa de Timóteo ele o faz porque este sempre esteve ligado a seu ministério em Filipos (At 16, Fl 2: 22). Toda a carta, contudo é escrita na primeira pessoa, indicando ser Paulo o único autor. Paulo se apresenta àquela igreja como um “doulos”, ou seja, escravo de Jesus Cristo. Ao utilizar esta palavra Paulo quer destacar tanto o fato de que ele fora comprado pelo sangue de Cristo (I Co 3:23; 7:22) e, portanto pertencemos a Ele, quanto o fato de que um escravo deve plena lealdade a seu Senhor.
  2. É uma carta dirigida a toda a comunidade: “a todos os santos em Cristo Jesus…que vivem em Filipos”. A comunidade de Filipos é chamada por Paulo de “santos”, que em grego é “agiois”. Ele não começa fazendo referência a nenhum membro eminente daquela igreja, justamente porque ele não gosta de partidarismo ou “panelinhas”. Toda a igreja é chamada de “santa”, ou seja, “separada para uso exclusivo” de Deus. Ninguém possui um status de mais santo que ninguém.
  3. É uma carta que inclui os bispos e diáconos. No texto, depois de falar da comunidade ele faz referência aos dois líderes que eram comuns no cristianismo do primeiro século: “bispos e diáconos” ou, no original, “episkopois kai diakonois”. Os bispos naquela época ocupavam a mesma condição dos presbíteros. Somente mais tarde, esta ordem se destacará e se tornará uma ordem à parte. Estes estavam ligados à administração da palavra e dos sacramentos. Os diáconos, provavelmente, eram os encarregados em suprir as necessidades dos mais carentes da comunidade e, eventualmente, também da pregação.

Aplicação: No final do texto de Baruc encontramos uma profecia de extrema relevância: “Deus há de conduzir Israel para a luz de sua glória, por força da justiça e da misericórdia que dele vêm”. Este era também a sensação de Paulo ao iniciar esta carta. Dentro do seu peito batia forte a certeza de que Deus acompanharia a Igreja, santa e serva, em todos os seus caminhos, até a luz de sua glória resplandecer plenamente.

II. UM AGRADECIMENTO SINCERO (v. 3-8)

  1. Por tudo que ele recordava dos filipenses (v. 3). Paulo certamente trazia na sua mente todos os fatos relatados em Atos 16, desde a conversão de Lídia, até a cura da mulher possuída por um espírito, até o momento em que ele fora preso e depois libertado. A lembrança que Paulo tinha dos Filipenses o fazia orar e suplicar constantemente por aquela igreja em todos os momentos.
  2. Pela vossa cooperação no Evangelho (v. 5). O termo grego usado por Paulo aqui é “koinonia” que tem um sentido mais amplo de “compartilhar”, mas que também pode fazer referência às ofertas monetárias que os Filipenses enviaram ao Apóstolo e mesmo à seu exercício de anunciar, em comum, o mesmo Evangelho.
  3. Porque Deus completará a obra iniciada por ele até o Dia de Cristo (v.6). Esta era uma certeza inabalável no coração de Paulo. Deus, que iniciou a “boa obra” no coração daqueles irmãos, a aperfeiçoaria, até o dia de Cristo. Da mesma forma, podemos afirmar que o mesmo Deus aperfeiçoará a obra que ele começou em nós, até o Dia do aparecimento de Jesus; uma clara referência à “parousia” ou seja, à chegada de Cristo como Rei de todas as nações.
  4. Porque eles são participantes com Paulo da graça e das algemas (v.7). Talvez o amor de Paulo pelos Filipenses venha justamente do fato de que eles foram participantes tanto da graça, ou seja, do “favor imerecido” de Deus, mas também das “algemas”, ou seja, do sofrimento.
  5. Porque ele é cheio de saudade para com eles (v. 8). Diz-nos Champlin que neste texto Paulo faz uma espécie de juramento diante de Deus. Segundo este escritor, “Paulo sentia tão grande afeto pelos crentes filipenses que expressões ordinárias não podiam satisfazê-lo”. Paulo usa a palavra “epipotheô”, que é traduzida por “saudade”, mas que quer dizer “ansiar por”, “desejar ardentemente”. Lightfoot nos lebra que a preposição “epi” nos dá a ideia de algo ardente e “com grande desejo”.

Aplicação: O último versículo da leitura do evangelho de hoje é significativo. Depois de falar do surgimento e do ministério de João o Batista, Lucas faz referência à profecia de Isaías ressaltando ao final que “toda a carne verá a salvação de Deus” (Lc 3: 6). Aquela igreja em Filipos é um exemplo de toda a Igreja Universal de Cristo espalhada pelos quatro cantos da terra. Por isso, certamente é possível orar a Deus e fazer o mesmo agradecimento que Paulo fez, sabendo que o Corpo de Cristo, que é a Igreja, está cumprindo seu papel no plano de Deus. 

III. ALGUNS PEDIDOS (v. 9-11)

  1. Para que o amor aumente (v. 9). Não que Paulo estivesse dizendo que não havia amor, “agapê”, naquela igreja, mas que esse sentimento deveria ser sempre renovado e crescer mais a cada momento. Afinal, para Paulo esse é o “caminho sobremodo excelente” (I Co 12:31). O amor é o oposto do egocentrismo.
  2. Para aprovardes as coisas excelentes (v. 10). Uma possível tradução deste texto seria: “aproveis as coisas excelentes”. Moffatt entende que Paulo estava interessado em que eles desenvolvessem “uma sensibilidade ao que é vital”. O fato é que, provar essas coisas excelentes ou “coisas que diferem” traria aos cristãos a capacidade de serem mais sinceros e inculpáveis diante de Deus.
  3. Para que sejam cheios do fruto da justiça (V. 11). Comentando este texto, Ray Robbins nos diz que a “justiça não é considerada como os frutos em si, mas como a produtora dos fruto ou a colheita que se produz através de Jesus Cristo”. Desta forma entendemos que a justiça não é apenas nossa posição diante de Deus (justos), mas aponta para um compromisso com valores que implicam na mudança e na transformação dos reinos deste mundo, no reinado do Rei Jesus.

Conclusão: Certa vez o pensador francês Victor Hugo afirmou: “Há pensamentos que são orações. Há momentos nos quais, seja qual for a posição do corpo, a alma está de joelhos”. A oração feita por Paulo, e que acabamos de comentar, foi escrita em uma prisão. Não importa se em Éfeso ou em Roma (os estudiosos discordam entre si). Mas o fato é que, mesmo em uma situação de prisão com prováveis cadeias ou algemas, ele não cessava de orar por aquela igreja de Deus. E esta oração feita por Paulo pelos filipenses, também inclui a todos nós.

 

Sermão do 3º Domingo do Advento

(Sofonias 3:14-20; Filipenses 4: 4-7; Lucas 3: 7-18)

TEMA: A verdadeira alegria (Filipenses 4: 4-7).

Introdução: Lamentavelmente vivemos em um mundo que associa a felicidade ao consumismo e à futilidade. Principalmente neste período que se aproxima do Natal de Jesus, as indústrias querem nos fazer pensar que se não possuirmos esse ou aquele objeto, não seremos felizes. É nesse momento que entra em cena o símbolo maior do consumismo e da futilidade: o “papai Noel”, que roubou o papel daquele que deveria ser celebrado nesse dia: Jesus Cristo.

Elucidação: Conforme nos ensina o padre Contieri, escrevendo de dentro de sua cela “Paulo convida os Filipenses a se alegrarem, pois o Senhor está próximo. Efetivamente, no Natal o Verbo de Deus não somente não somente se fez próximo de nós, mas se fez um de nós. Devemos nos alegrar pela encarnação do Verbo eterno de Deus e por sua proximidade”. A alegria é o centro da carta, mas é claro que ela também fala de ansiedade, discórdia e desunião. Mas é a alegria ou o regozijo (uma palavra que no original significa: “eu vos recomendo a Deus”) no Senhor.

I. SE FUNDAMENTA EM DEUS (v. 4)

  1. A alegria é o tema desta carta. Não importam as circunstâncias em que Paulo ou a igreja em Filipos se encontrava, todos nós devemos nos alegrar. Paulo escreve esta carda de dentro de sua cela na prisão. A exortação de Paulo é repetida duas vezes para dar ênfase à alegria que deve prevalecer sobre todas as dificuldades.
  2. A alegria não se fundamenta nas circunstâncias. Não importa as circunstâncias que estamos enfrentando, o texto diz, duas vezes, “no Senhor”, porque Ele é o fundamento de nossa alegria. A palavra usada por Paulo é um verbo que está na vós imperativa (kairete) insistindo para que nos alegremos e nos regozijemos nEle.

Aplicação: Na leitura de Sofonias o povo de Deus é convidado a cantar e a se rejubilar porque o Senhor não apenas nos perdoou de todos os nossos pecados, mas também nos livrou de nossos inimigos. O Rei está no meio de nós, por isso, não temos que temer. Diz as Escrituras: “Se o Senhor é por nos quem será contra nós?” (Rm 8: 31). Nele, somos mais que vencedores.

II. PRODUZ GENTILEZA PARA COM O PRÓXIMO (v. 5)

  1. Nossa moderação deve ser conhecida por todos. Não há uma tradução adequada para a palavra epieikés, que embora seja aqui traduzida por “moderação”, também pode significar “mansidão”, “cuidado”, “paciência” ou “graciosidade”. Scott nos diz que esta palavra “indica imparcialidade, a disposição de dar e receber, ao invés de defender rigidamente os próprios direitos”. Talvez por isso, a palavra gentileza seja aquela que deva caracterizar o caráter do cristão frente à sociedade não cristã e diante dos irmãos.
  2. Perto está o Senhor. Paulo está revelando uma sensação real existente na igreja primitiva: a expectativa viva da volta do Senhor, ou seja, para eles a Parousia, ou seja, o segundo Advento de Cristo, era uma realidade eminente. Estamos, pois, falando de uma proximidade temporal.

Aplicação: A ética é extremamente influenciada pela escatologia. Quando cremos que o Senhor está perto, nossa inclinação estará em preparar sua chegada, em recebe-lo. Estes terão sempre em sua boca a oração: “Maranata”, ora vem, Senhor Jesus!

III. NÃO SE INQUIETA COM NADA (v. 6)

  1. Não andeis ansiosos. Paulo usa a palavra “merimnate” para descrever uma pessoa que fica “indevidamente preocupado”, ou seja, ele está indo além do ideal estoico que pregava a “apatia” frente aos problemas. Ele sabe que o que realmente tem o poder de nos atingir não são as circunstâncias mas nossa reação emocional frente a ela.
  2. Por coisa alguma. Para Paulo, “coisa alguma” não apenas contrasta com nossas orações que devem abranger a tudo, mas também significa que não devemos ficar vulneráveis à coisa alguma em razão de nossa ansiedade.
  3. Antes. Temos aqui uma palavra significativa porque nos chama a atenção para ou outra realidade que não costumamos observar. Enquanto normalmente nos entregaríamos ao desespero e à depressão, Paulo, nos indica que há uma saída para a angustia, e ela está na oração.
  4. Orem sempre a Deus, com oração e súplica, com ação de graças. Os dois substantivos “oração” e “súplica” implicam “oração em geral” e “pedidos específicos”. Por isso a nossa oração acalma toda a tempestade. Ela deve ser feita com “ação de graças”; Paulo usa a expressão “eucaristia” indicando que devemos orar já com gratidão pelo que temos e pela nossa vida em nosso coração.

Aplicação: Jesus nos ensinou a não viver ansiosos por coisa alguma. Para ele nosso valor excede aos dos pássaros e aos dos lírios do campo. Portanto, não devemos andar preocupados com a nossa vida; com o que comeremos ou com o que nos vestiremos, pois o Senhor cuidará de nós (Mt 6: 25).

IV. REDUNDA EM PLENA PAZ (v. 7)

  1. É a paz de Deus. Deus responde imediatamente à nossa oração ansiosa nos preenchendo de sua paz. Paulo se refere a algo que não pode ser compreendido por quem não tem uma relação pessoal com Deus. Segundo Frank Stagg, “A paz de Deus é uma fortaleza, a proteger-nos contra todas as ameaças. Isso não significa que ela faz concessões; ela é desfrutada enquanto estamos em guerra contra o mal”.
  2. Que excede todo entendimento. A paz que Deus pode nos conceder é absolutamente incapaz de ser compreendida por quem não o conhece. Paulo usa a palavra “nous”, que quer dizer “mente”, para indicar que o homem natural não tem acesso ou não tem poder para compreender com sua mente natural.
  3. Que guardará. Esta palavra, segundo Rienecker e Rogerrs, (frourêsei) é originalmente um termo militar que representa os soldados em guarda, e faz referência à vigilância de uma cidade, do lado de dentro do portão, como um posto de controle de quem entra e sai da cidade.
  4. Nossos corações e mentes. O nosso “coração” (kardias) é visto como o “centro de cada pessosa”, de onde surgem os pensamentos, sentimentos e vontade. A “mente” (noêmata) nos fala do espaço onde acontece os processos intelectuais e as reações emotivas. A ideia é que a paz trazida por Deus nos envolverá por inteiro.
  5. Em Cristo Jesus. Nada disso poderia ser possível sem comunhão e união com Cristo Jesus. Estar em Cristo é estar dentro da esfera de intervenção onde Deus pode interferir em nossa vida de tal forma que nem a prisão será capaz de nos deprimir ou angustiar.

Conclusão: Aqueles que estão em Cristo Jesus manifestam um comportamento e valores diferentes daqueles que se “conformaram”, ou tomaram a forma, desse mundo. Na leitura do Evangelho de Lucas João nos ensina a praticar a justiça e a misericórdia. Converter-se a Cristo significa vencer o egoísmo e compartilhar os bens com os necessitados, por amor. Esses valores do Reino de Deus devem superar a mensagem pelo consumo egoísta e pela futilidade que marca a nossa sociedade. A verdadeira alegria não é o resultado do acúmulo de bens, mas da entrega completa e real de nossa vida ao Cristo vivo que em breve voltará.

 

Sermão do 4º Domingo do Advento

(Miqueias 5:1-4; Hebreus 10: 5-10; Lucas 1: 39-45)

TEMA: O sacrifício final do Messias (Hebreus 10: 5-10).

Introdução: Quando iniciamos o estudo da teologia, um das primeiras verdades que aprendemos é que a revelação de Deus à humanidade não se dá forma total e plena, mas gradativa e progressiva. Esta verdade é claramente vista na forma como a Igreja interpretou o Antigo Testamento. Ela o fez à luz do evento “Cristo”, transformando-o em chave hermenêutica para ler todo o Antigo Testamento. Um dos temas mais claros que vemos neste texto é a substituição dos sacrifícios de animais, comum na antiga aliança, pelo sacrifício único e definitivo realizado por Cristo na cruz, assumindo ser o “Cordeiro de Deus” que tira os pecados do homem.

Elucidação: O autor está fazendo referência, neste texto à liturgia judaica que é apta para reviver a experiência do pecado mas é incapaz de libertar o homem de sua alienação fundamental, que é, justamente o pecado. Donald Guthrie nos diz que “O contraste entre a sombra (skian) e a imagem real (eikonai) corresponde ao contraste entre a antiga e a nova aliança, a antiga e a nova abordagem a Deus”.

Este tema estava no plano de Deus quando da encarnação do Verbo no ventre da virgem Maria e vir habitar entre nós. No Advento comemoramos a chegada do Filho de Deus para nos trazer o caminho da salvação para todos nós, pecadores.

I. DEUS NUNCA SE SATISFEZ COM SACRIFÍCIOS (v. 5, 6)

  1. Pelo que: Com esta fraseologia o autor quer deixar claro que os sacrifícios estabelecidos no Antigo testamento já não satisfaziam mais à Deus porque os sacrificantes foram incapazes de perceber o que havia por trás da imagem e se prenderam à ela. O autor usa a palavra (dio) como uma forma de ligação imediata com a insuficiência das ofertas veterotestamentárias.
  2. Não te deleitas-te em holocausto e oblações. Toda a lógica de acesso à Deus estava baseada em sacrifícios e oblações à Deus feito com animais. Mas o autor é claro quando diz que o Senhor não se deleitar nisso. Quando lemos as Escrituras vemos que existem aqui quatro palavras que descrevem as ofertas levíticas: sacrifícios (thysia), ofertas (prosphora), holocausto (holokautomata) e as ofertas pelos pecados (peri hamertias). Todas elas caducaram e se tornaram nulas frente ao sacrifício perfeito realizado por Cristo na cruz, na condição de “cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”.
  3. Mas um corpo me preparas-te: Sinal de que deveria haver, segundo o autor, uma substituição entre os sacrifícios, no que diz respeito à natureza. Aquilo que a lei não poderia fazer por meio do sacrifício de animais foi feito pelo sacrifício de Cristo, simultaneamente sacerdote e sacrifício. Na lógica do autor, Ele precisava de um corpo plenamente humano para representar plenamente a humanidade e precisava ser perfeito para representar perfeitamente a humanidade em seu sacrifício. Por isso a palavra usada para “preparar” foi katartizõ, que indica que cada uma de suas partes separadas deveriam ser ajuntadas para formar um todo.

Aplicação: No texto de Miquéias temos a profecia acerca do nascimento do Messias e da instauração de seu reino. Ele nascerá em Belém, uma pequena cidade e insignificante cidade ao sul do centro do poder político e religioso. Mas mesmo vindo da periferia ele traria uma enorme transformação na forma de aproximação entre o homem e Deus. O Cristo seria o instaurador de uma nova realidade na esfera litúrgica e salvífica.

II. POR ISSO O CRISTO VEIO FAZER SUA VONTADE (v. 7, 8)

  1. Eis-me aqui: Segundo Donald Guthrie, estas palavras “expressam um fato consumado, não uma predição, e traduzem as palavras do salmista na própria vida” principalmente ressaltada no Evangelho de João. Para o autor é claro que o Cristo se apresenta voluntariamente para ser o substituto daquele sistema sacrificial com a finalidade de estabelecer um outro projeto, definitivo e final para a salvação da humanidade.
  2. Para fazer a tua vontade. Cristo veio ao mundo, segundo o autor, para ser o protagonista e o grande sumo sacerdote que com seu próprio corpo oferece à Deus um sacrifício muito superior, já que é o sacrifício de um homem pela humanidade e, porque é o sacrifício de um homem perfeito.
  3. Vez que Deus não se deleita em holocaustos e oblações. Neste texto o autor deixa claro que o sistema sacrificial era imperfeito e transitório, deixando claro que ele deveria apontar para outro sacrifício, o de Cristo, que não foi compreendido pelos judeus. Aliás, deste o Antigo Testamento que o Senhor já dissera que não se agradava de holocaustos e sacrifícios, mas em um coração contrito e humilde.

Aplicação: Assim como o Cristo veio realizar a vontade de Deus, ele também nos convida a nos unir nesse novo projeto de uma nova aliança. A primeira pessoa a dizer “sim” ao Senhor foi Maria, que no texto de Lucas, é descrita como “bendita entre as mulheres”. Maria nos dá o exemplo de completa entrega e submissão à vontade de Deus.

III. SUBSTITUIR A LÓGICA DA NOSSA RELAÇÃO COM DEUS (v. 9, 10)

  1. Ele tira o primeiro. Cristo, para o autor de Hebreus, veio ao mundo, absolutamente ciente da incapacidade do sistema sacrificial do Antigo Testamento. Aquele era um sistema caduco e obsoleto que não poderia ir ao cerne da questão que separava o homem de Deus.
  2. Ele estabelece o segundo. Naquilo em que a lei falhou em fazer, o Cristo realizou em sua plenitude e de uma vez por todas.
  3. Ele estabelece, dessa forma, a santificação de seus filhos. As palavras do autor são significativas quando diz que pela oferta de seu corpo, Cristo santificou, pelo seu corpo, todo seu povo, de “uma vez para sempre”. Ou seja, ele aboliu os antigos sacrifícios temporários e repetitivos e estabeleceu um sacrifício eterno para santificar seu povo.

Conclusão: Em Cristo temos uma nova realidade cúltica e salvífica. Não são mais necessários sacrifícios de animais nem outras formas de aproximação entre o homem e Deus. Quando, ao morrer na cruz, vemos o véu do templo se rasgar de alto à baixo, estamos vendo uma nova realidade: todos nós, agora, temos acesso direto ao Pai por meio de Cristo. Na Crus, Cristo anulou os sacrifícios, as indulgências, os pagamentos e a transformação da religião em uma forma de lucro para alguns. É preciso sempre lembrar da novidade que Cristo trouxe para que nunca permitamos as distorções que já assistimos na história.

 

 

Sermão da Vigília do Natal

(Isaías 9:2-4, 6,7; Tito 2:11-14; Lucas 2: 1-14)

TEMA: A manifestação da graça de Deus (Tito 2:11-14).

Introdução: Eu preciso confessar que o período do Natal é um momento que me deixa bastante frustrado com nossa sociedade. Parece que a cada ano que passa o verdadeiro sentido do Natal vai sendo modificado e transmutado nos corações e nas mentes das pessoas que fazem nossa sociedade. A cada ano o menino Jesus vai sendo cada vez mais esquecido e o papai Noel vai assumindo o poder; ao invés de fazermos juntos, em família, o presépio, todas as atenções se voltam para montar a árvore de Natal e, ao contrário de pensarmos em partilha e fraternidade, pesamos em consumo e presentes. Mas, esperar o que de uma sociedade consumista e pós-cristã?

Elucidação: No texto que destacamos para nossa reflexão hoje, vemos uma carta escrita por Paulo ao seu amigo Tito. Ele escreveu esta carta a algumas comunidades que estavam misturando as verdades do Evangelho com teses advindas dos judaizantes e exigindo a prática de certos gestos e a guarda de certos dias, para se poder alcançar a salvação. Era preciso relembrar àquela comunidade em Creta, que a salvação havia sito trazida ao mundo por Cristo e, para tanto, Paulo, lá pelo ano 64 ou 65, escreve esta carta ao seu delegado pessoal, para ressaltar, neste que é o texto central da carta, pelo menos três verdades sobre a manifestação da graça de Deus.

I. TROUXE SALVAÇÃO A TODOS OS HOMENS (v. 11)

  1. Foi uma manifestação. A ideia de “manifestação” está associada à de epifania ou à de teofania. Na primeira temos uma grande verdade ou uma luz que nos é dada, e que nos é comunicada “vinda do alto” (epi, significa, de cima). Esta é justamente a palavra que é usada aqui por Paulo: epefanê. Na segunda palavra, também temos uma manifestação (fania, do grego fânero), mas ela nos é dada pelo próprio Deus.
  2. Foi uma manifestação da graça. A palavra “graça” vem do grego “karis” e significa “um favor imerecido”. A graça é algo que você recebe sem ter feito nada para merecê-lo. Ao vir ao mundo Nosso Senhor inaugurou um momento de graça, onde as pessoas são recebidas no Reino de Deus, não em razão de algum sacrifício que fizeram, mas apenas e tão somente, porque receberam pela fé o presente de Deus.
  3. Foi uma manifestação da graça de Deus. Somente Deus poderia agir dessa maneira. Em todas as outras manifestações religiosas sempre existe uma espécie de barganha na qual o homem faz algo que o torna “digno” de receber o que Deus tem para nos dar. Não é assim no cristianismo. Deus, gratuitamente, não apenas nos dá, mas, sobretudo, se dá, se doa por nós, por causa de seu amor. Champlin nos lembra que “No original grego é usado e genitivo possessivo, porque o favor lhe pertence; mas também ‘vem dele’”.

Aplicação: Parece que muita gente não entende a óbvia contradição entre a graça que perdoa e a doutrina tão divulgada do karma. Ora, o que é o karma? É a doutrina que afirma que você terá que receber o retorno de tudo o que fez em sua vida. Você mesmo terá que pagar, em uma outra vida, os erros que cometeu nessa. Esta tese não pode coexistir com a graça e com o perdão de Deus. Se Deus, diante de um pecador arrependido, perdoa TODOS os seus pecados, porque ele terá que voltar em outra vida para pagar tudo outra vez? Amigo, você terá que escolher entre a graça e o karma. Mas não dá pra conviver com as duas simultaneamente.

II. TROUXE O ENSINAMENTO DE UMA NOVA FORMA DE VIVER (v. 12)

  1. A graça ensina. Paulo começa esse versículo usando a palavra “educando-nos”, oriundo do verbo grego “paideuo” que significa “educar” ou “disciplinar”. Quando a graça se manifesta em alguém, ela o educa e o disciplina a agir de uma forma diferente.
  2. Renunciar a impiedade. Aquele que já foi atingido pela graça de Deus deve renunciar ou abandonar a prática do pecado. Isso não significa que ele jamais cometa um erro, mas que em seu coração ele já renunciou (arneomai) ou repudiou toda espécie de erro, principalmente à impiedade (asabéia), que aponta para uma vida pagã.
  3. Renunciar às paixões mundanas. Aquele que foi atingido pela graça de Deus, além de renunciar à impiedade, mas também às “paixões mundanas” (epithumías sôfronôs). Quando uma pessoa continua inclinada às mesmas paixões ou desejos que tinham antes de “conhecer a graça de Deus”, isso apenas indica que essa pessoa nunca foi tocada pelo Espírito Santo.
  4. Viver de forma sóbria, justa e pia. Aquele que foi tocado pelo Espírito Santo e pela graça de Deus sua vida é marcada por uma vida justa (dikaiôs) e piedosa (eusebôs). A justiça deve ser o padrão de comportamento daquele que foi justificado por Cristo, e a piedade revela que esta pessoa tem uma boa (eu) reverência (sebos) para com Deus. Em resumo, ele demonstra reverência em sua vida.

Aplicação: O texto do evangelho de hoje descreve o nascimento de Jesus, fazendo referência à chegada da Sagrada Família até Belém da Judéia e a ausência de lugar para que a jovem Maria pudesse dar à luz a seu filho. O texto diz que “não havia lugar para eles nas estalagens” (lc 2: 7). Mas será que há lugar em seu coração para que a Sagrada Família possa pousar e Jesus possa nascer?

III. TROUXE A REVELAÇÃO ACERCA DA PESSOA DE CRISTO (v. 13, 14)

  1. Que devemos aguardá-lo. Segundo alguns exegetas, estas palavras podem fazer parte de um hino ou fórmula litúrgica cristã primitiva. No texto original em grego Paulo usa a palavra “prosdechomenoi”, que é o particípio presente de “prosdechoma”, uma palavra grega que se traduz por “esperar” ou “dar boas-vindas”.
  2. Como quem espera uma bem-aventurada esperança. A ideia de Paulo é que a esperança da volta de Cristo nos dá uma enorme felicidade espiritual. Conforme ensina o sacerdote e teólogo anglicano J.N.D. Kelly (1909-1997) e ex diretor do St Edmund Hall em Oxford, este versículo “contém uma expressão calorosa da expectativa escatológica da Igreja primitiva, que aguardava impacientemente a segunda vinda do Senhor à destra de Deus. Para o escritor esta expectativa é ainda vívida e real”.
  3. O aparecimento da glória. Eis que Paulo apresenta agora o objeto da esperança cristã: a “manifestação da glória”, ou como Paulo escreve originalmente: “epifaneian tês dóksês”. Aqui Paulo destaca a manifestação ou revelação espiritual do Cristo no último dia, quando ele virá em toda a sua glória.
  4. Do grande Deus e Salvador Jesus Cristo. Quando lemos o texto no original vemos que Paulo se refere à: “tou megalou Theou kai sôtêros”. Diferentemente do que defendem alguns pensadores que mais tardes seriam conhecidos por “arianos”, a ausência no grego do artigo definido antes de salvador, associado à frequente referência em fontes pagãs de um “Deus e Salvador”, sugerindo que Paulo poderia está sendo irônico com seus adversários, usando uma fraseologia pagã para descrever a crença primitiva da divindade de Cristo. Conforme o grande Reformador João Calvino (1509-1564), os arianos podem ser refutados com poucas palavras, já que, “Paulo, havendo falado da revelação da glória do ‘grande Deus’, imediatamente faz referência a ‘Cristo’, a fim de nos informar que essa revelação da glória será em Sua pessoa; como se dissesse que, quando Cristo se manifestar, então nos será revelada a grandeza da gloria divina”.

Conclusão: No texto de Isaías 9 encontramos uma linda profecia sobre a vinda do Messias que pode ser interpretada tanto em relação à sua primeira vinda, no Natal, quanto à sua segunda vinda, no Advento. O texto nos diz que o povo que andava nas trevas verá uma grande luz e que sua alegria seria multiplicada. Isto ocorreria porque “um menino nos nasceu, um filho nos foi dado; e o governo estará sobre seus ombros; e seu nome será: Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Pai Eterno, Príncipe da Paz” (Is 9: 6). Aquele que encontra verdadeiramente o menino Jesus em sua manjedoura, muda sua perspectiva de vida, transferindo-a desde esta realidade vazia e superficial na qual vivemos e passando a buscar os valores que o fazem voltar para a realização final, ou seja, para a manifestação gloriosa de Jesus Cristo no Advento, ou seja, em sua segunda vinda. Sua vida já mudou de perspectiva? Você já foi capaz de superar a busca desenfreada pelo consumismo e por tudo o que é vil, superficial e fútil por valores eternos e divinos, trazidos pelo Reino instituído pela sagrada criança que nasceu na periferia do mundo em uma pobre estrebaria?

 

1º Domingo depois do Natal

(Isaías 61:10-62:3; Gálatas 3:23-25, 4:4-7; João 1:1-18)

TEMA: Vivamos libertos da lei (Gálatas 3:23-25).

Introdução: Surpreendentemente muitas pessoas acreditam que ser fiel à sua religião significa ter que se submeter a uma série de mandamentos e normas que dizem respeito a quase todos os aspectos de sua vida. O mais surpreendente de tudo é que, quanto mais as pessoas se submetem, menos elas precisam pensar e menos têm que enfrentar a angústia de ter que escolher. Desta forma, o cumprimento cego das normas as tonam pessoas menos ansiosas, embora, mais aprisionadas.

Elucidação: O texto de Paulo aos Gálatas, foi escrito para enfrentar a heresia dos judaizantes que, além da fé em Cristo, ensinavam ser necessário guardar os mandamentos e as obrigações instituídas por Moisés. Para Paulo, a lei tinha uma função: nos mostrar que éramos incapazes de cumpri-la e apontar para o único que a satisfez: Jesus Cristo. Se depositarmos nossa fé nEle, seremos justificados. Portanto, há três verdades que este texto revela:

I. ANTES DA FÉ ESTÁVAMOS ENCARCERADOS PELA LEI (v. 23)

  1. A lei nos colocava sob tutela. Quando Paulo disse que estávamos sob a “tutela” da lei ele usou a palavra “phroureô” que apontava para uma proteção com guardas militares. Stott nos diz que “quando aplicada a uma cidade, era usada tanto no sentido de manter os inimigos fora como de guardar os habitantes dentro dela”. Desta forma, a lei, qual uma guarda militar, nos mantinha sob tutela.
  2. A lei nos encarcerou. O segundo verbo que Paulo usa é “sungcleiô” que é traduzido por “encarcerar” ou “encerrar”. A ideia é de “engaiolar” ou de “apanhar”, assim como os apóstolos “apanharam” grande quantidade de peixes” em Lucas 5: 6. Desta forma, os dois verbos faziam menção de que, antes do nascimento de Cristo a lei e os mandamentos nos mantinham em uma prisão de tal forma que não pudéssemos escapar. A tradução da Bíblia na Linguagem de hoje diz: “A lei nos guardou como prisioneiros”.

Aplicação: No texto do profeta Isaías já podemos ver um dia o povo de Deus se alegraria por vestir-se com vestidos de salvação e cobrir-se com um manto de justiça. Além disso, essa nova realidade seria estendida à todas as nações, pois todas elas verão Sua justiça e todos os reis a glória do Senhor.

II. A LEI NOS LEVOU À FÉ (v. 24)

  1. A lei nos serviu de aio. Quando Paulo utilizou a palavra “aio” ele se serviu do termo grego “paidagôgós”, de onde nos vem a palavra “pedagogo”. O que não sabemos, conforme ensinam Storniolo e Balancin, é que “no mundo grego-romano, o pedagogo era um escravo severo que tinha como tarefa vigiar, admoestar e castigar o comportamento das crianças de uma família”. E ela cumpriu esse trabalho nos mostrando o quão pecadores somos.
  2. A lei nos conduziu até Cristo. Eis o papel da lei, nos mostrar que o homem era incapaz de salvar-se a si próprio por meio do cumprimento das exigências da lei. A lei nos mostrava que éramos incapazes de cumpri-la cabalmente e, desta forma, nos dizia ser necessário um outro caminho para se chegar à salvação. Por isso ela aponta para aquele que em tudo cumpriu a lei em nosso lugar. Ademais, os aios guiavam apenas crianças. Aqueles que já alcançaram a maturidade em Cristo, não precisam mais de guias.

Aplicação: No primeiro capítulo do Evangelho de hoje, João nos diz que Jesus veio para os seus, mas que os seus não o receberam. Todos, porém o que receberem, seriam transformados em filhos de Deus (Jo 1: 12), e encerra, “a saber, aos que creram em seu nome”. Na Nova Aliança não nos tornamos filhos porque cumprimos obrigações, mas porque recebemos a Cristo pela fé em nossos corações.

III. A FÉ NOS LIVROU DA LEI (v. 25)

  1. Já não estamos mais debaixo do aio. O aio ou o guia, só servia para orientar as crianças e guia-las enquanto frequentava a escola. Agora, na nova realidade trazida pelo nascimento de Cristo, vivemos em uma Nova Aliança que nos libertou das garras da lei. Por isso a palavra usada por Paulo (ypó) nos diz que não estamos mais “subordinados” ao aio. Nossa realidade agora é totalmente diferente.
  2. Estamos agora ligados à fé. Quando Paulo escreve este versículo ele coloca o artigo antes da palavra “fé”. Por isso, quando ele escreve “tês pisteôs” ele não está se referindo a uma fé qualquer, ou num sentido geral, como no caso de Abraão. Mas num tipo específico de fé centralizada em Cristo. Nossa fé em Cristo nos livra da exigência de ter que cumprir mandamentos para sermos salvos. Somos salvos por meio da nossa fé em Cristo.

Conclusão:

A grande lição dos textos deste primeiro domingo depois do Natal é que, com a vinda do Cristo, entra em cena, também, uma Nova Realidade onde a fé substitui o mero cumprimento de regras e normas. Na Nova Aliança nossa justificação diante de Deus se dá por meio da fé e não do cumprimento de normas. Não são mais exigidas a compra de indulgências ou qualquer tipo de sacrifício corporal ou espiritual. Deus nos dá de graça, o que a lei era incapaz de dar, a condição de sermos Filhos de Deus.

 

Sermão do Domingo da Epifania

(Isaías 60:1-6,9; Efésios 3: 1-12; Mateus 3: 1-12)

TEMA: O mistério da Epifania (Efésios 3: 1-12).

Introdução: Hoje é um dia especial no calendário cristão. Celebramos hoje a festa da Epifania, que significa “manifestação de cima. No dia de hoje, celebramos a manifestação da graça de Deus na todas as nações prefiguradas nos reis magos que vieram adorar ao menino Jesus. Segundo o entendimento paulino estamos diante de um grande mistério (mysterion) que finalmente se revela à humanidade: Deus, em Cristo, nos faz a todos, um.

Elucidação: Esta é uma carta muito especial. Primeiro porque como ela mesmo diz, Paulo estava preso em Roma quando a escreveu. Estamos, pois, diante do que poderíamos chamar de seu testamento espiritual para a Igreja. C. H. Dodd a chama de “a coroa do paulinismo”. Pois bem, o prisioneiro de Cristo estava agora realizando seu último serviço; aquele que ninguém mais poderia realizar. Em segundo lugar, este texto é importante porque nele não aparece a expressão “em Éfeso”, no seu início, nos principais manuscritos, nem mesmo no famoso P46, ou em autores posteriores. Indicando que estamos diante de uma carta circular escrita às igrejas de uma região bem maior: a Ásia Menor. Pois bem, Paulo tem uma grande manifestação à fazer à Igreja com essa carta. Pensando nisso, e olhando para o texto de hoje podemos encontrar, pelo menos três verdades:

I. SEU INSTRUMENTO DE ELUCIDAÇÃO: PAULO (v. 3-5)

  1. Segundo uma revelação. Quando Paulo escreve (kata apokalypsin) ele está fazendo referência ao véu que lhe foi retirado da face no dia em encontrou-se frente à frente com o Cristo, no caminho de Damasco. Foi lá que ele recebeu seu chamado para ser o “Apóstolos aos Gentios”.
  2. Lhe foi dado um mistério. Com a palavra (mystêrion), Paulo quer dizer que está prestes a revelar algo que estava oculto e que agora seria, finalmente, revelado ao povo de Deus.
  3. Segundo sua compreensão. A palavra synesin significa entendimento, astúcia, compreensão, etc., e é importante porque aponta para a “impressão” feita de forma mística pelo Espírito Santo na mente do Apóstolo.
  4. Oculta às gerações antigas. Este mistério do qual fala Paulo, não foi dado a conhecer (egnôsisthê) às gerações passadas. Isto ocorre porque a revelação de Deus é gradativa e progressiva. Ou seja, Deus vai se revelando aos poucos, durante toda a história, que é o palco de sua revelação. Mas agora, no Espírito, é revelado aos santos Apóstolos e profetas.

Aplicação: No texto do Evangelho de hoje vemos o cumprimento da profecia de Isaías na pessoa de João Batista, aquele que apresentaria o Cristo aos judeus, “preparando o caminho do Senhor”. Em Paulo, e na Igreja, encontramos aqueles que têm a responsabilidade de fazer com que a mensagem do evangelho siga adiante, atingindo a todas as pessoas. Você está disposto a se submeter a esse chamado de Deus?

II. O CONTEÚDO FINALMENTE REVELADO (v. 6)

  1. Os gentios são co-herdeiros. A primeira grande verdade revelada por Paulo é que os gentios são agora, co-herdeiros (sygklêronoma) do povo de Deus. Em outras palavras, desde agora, haverá uma plena unidade entre todos os remidos que superará qualquer barreira de sexo, etnia, cor, ou condição social. A vontade de Deus é a total unidade de todos os seus filhos em Cristo, fazendo-nos a todos, herdeiros de tudo.
  2. Membros do mesmo corpo. Quando Paulo diz que somos todos agora membros do mesmo corpo (syssôma), ele quer dizer que a Igreja, o corpo místico de Cristo, inclui, agora, todos os remidos, independente de sua denominação religiosa ou etnia. Só há uma Igreja de Cristo, assim como só há uma noiva do Cordeiro. Nenhuma denominação poderá trazer para si a condição de única igreja de Deus.
  3. Co-participantes da promessa. Já que todos estamos em Cristo, todos agora participamos da promessa de salvação. Paulo usa a palavra symmétokos que era usada pelos antigos para indicar aqueles que eram “proprietários” de um mesmo imóvel. Em Cristo todas as promessas estão disponíveis a todo o seu povo. Todas as bênçãos espirituais em Cristo, estão à nossa disposição, incluindo a restauração final.
  4. Por meio do Evangelho. Para Paulo o instrumento da realização e do cumprimento desse mistério era o evangelho anunciado por Jesus. Não somos mais salvos pelas nossa obras, pelos nossos méritos ou por qualquer forma de barganha, mas pela graça de Deus revelada no evangelho da salvação.

Aplicação: A profecia de Isaías é absolutamente clara quando nos ensina que “as nações caminharão para a luz do Senhor e os reis para sua aurora” (Is 60: 3). Neste texto o profeta fala de como Deus estenderá sua salvação às nações e as abençoará. Não podemos, por isso, sonegar a pregação do evangelho a ninguém. 

III. SUA APLICAÇÃO CONCRETA: A IGREJA (v. 10-12)

  1. Onde a multiforme sabedoria de Deus se manifesta. Esta “multiforme sabedoria” (polypoikilos sofia) é a forma por meio da qual Deus conseguiu reconciliar realidades e instâncias anteriormente irreconciliáveis, tanto vertical, quanto horizontalmente.
  2. Segundo um eterno propósito. Este “eterno propósito das eras” é “eterno” (aiônôn) porque já existia desde toda eternidade na mente de Deus. Eis a maravilhosa verdade de que já éramos objeto de seu amor desde toda eternidade!
  3. Que nos dá ousadia com confiança pela fé. A palavra “ousadia” (parresia) significa coragem, confiança e destemor. É a mesma palavra usada em Hb 10:19 que nos incentiva a a ter ousadia para entrar no Santo dos Santos, pelo sangue de Jesus.

Conclusão: Neste texto de Paulo aprendemos que o “mistério” é o projeto de Deus realizado em Cristo e que manifesta que seu plano abarcava muito mais do que apenas o povo de Israel. Agora, a grandeza da misericórdia de Deus é exposta na Igreja onde judeus e gentios são chamados a pertencer ao mesmo povo. Quando a tradição nos diz que além dos pastores, os Reis magos também vieram para adorar o mestre e hora-lo por meio de presentes, ela queria dizer que a manifestação do alto (epi-fania) estava à disposição de todas as nações da terra.

 

 

Sermão do 1º Domingo da Epifania

(Batismo do Senhor)

(Isaías 42: 1-9; Atos 10: 34-38; Lucas 3: 15,16,21,22)

TEMA: Verdades sobre o Batismo do Senhor (Atos 10: 38).

Introdução: Muitas pessoas possuem uma interpretação extremamente equivocada sobre o batismo. Para elas, ele é apenas um evento social no qual a criança receberá alguns presentes e passará pelo “rito de passagem” que o faz deixar de ser pagão. Mas o batismo é muito mais que isso. É um compromisso público com Deus, com sua Igreja e com o Evangelho. E mais, é uma afirmação de que, como cristão, renunciará a todo o mal, cumprirá seus deveres para com a sociedade, anunciando o Evangelho e fazendo o bem a todas as pessoas e servirá ao Senhor assumindo toda as implicações desse seguimento.

Elucidação: No texto que acabemos de ler, Pedro está pregando na casa de um pagão chamado Cornélio que acabara de reconhecer que Jesus era o Senhor. Ao ver isso, ele entende que Deus não faz acepções de pessoas e pronuncia um discurso no qual ele faz uma forte referência ao batismo do Senhor. Ao fazer isso, ele está querendo fundamentar pelo menos três verdades sobre o batismo do Senhor:

I. NELE DEUS FEZ DE JESUS, O CRISTO.

  1. Ao fazer os céus se abrirem. O texto de Lucas (3:21) nos informa que quando Jesus fora batizado no rio Jordão, por João Batista, os céus se abriram. Quase podemos ver as palavras de clamor do profeta Isaías dizendo: “Oh! Se fendesses os céus, e os montes tremessem à tua presença” (Is 64:1). Agora, os céus estão abertos diante de todos os que estavam naquele momento esperando ou assistindo João Batizar no rio Jordão poderiam ver os céus abertos.
  2. Ao reconhece-lo publicamente como Filho. No texto de Lucas (3: 22) Deus se pronuncia dizendo: “Tu és o meu filho amado; em ti me comprazo”. Todos os presentes ouviram essa declaração.
  3. Ao ungi-lo. No texto grego original Lucas usa a palavra echrisen para dizer que Jesus foi ungido. De fato, este verbo significa “ungir com óleo”. Isto era parte de um rito solene que ocorria na posse dos reis e sacerdotes e trazia consigo, tanto a idéia de nomeação quanto a de investidura para se poder desempenhar um ofício.

Aplicação: Será que todos nós, que também fomos batizados, temos consciência que pelo batismo nos tornamos participantes do ministério de Jesus na terra? Ou o que aconteceu conosco foi apenas e tão somente um gesto meramente social?

II. NELE O ESPÍRITO SANTO O CAPACITA.

  1. Vindo sobre ele em forma de pomba. Assim como a pomba veio trazer a notícia de que havia terra seca para Noé e sua família, depois do dilúvio, abrindo a possibilidade de uma nova aliança entre Deus e a humanidade, também agora o Espírito Santo desce para revelar que surge uma nova realidade na qual ele mesmo virá morar em todos os cristãos.
  2. Dando-lhe poder. Segundo Lucas, Jesus recebeu poder (dunamei) para realizar seu ministério na terra, quando de seu batismo. O mesmo poder que veio sobre Jesus também vem sobre todos os cristãos para que se cumprisse o que Jesus falou em Atos 1: 8: “Mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas, tanto em Jerusalém, como em toda Judéia e Samaria, e até os confins da terra”.

Aplicação: Assim como Jesus foi capacitado para exercer seu ministério no batismo, cada cristão também o é. Resta saber se estamos dispostos a assumir nossa missão de cristãos no lugar onde estamos: no nosso trabalho, na nossa rua, ou onde quer que formos.

III. NELE O PROJETO MISSIONÁRIO DE JESUS FOI DESCRITO

  1. Era um projeto amplo. Amplo não apenas porque envolvia todas as pessoas, independente de sua classe social, religião, ou etnia, mas também porque envolvia “ir de lugar em lugar”, ou como escreveu Lucas no original, diêlthen, que significa “ir por toda parte”.
  2. Era um projeto que envolvia o homem por inteiro. Lucas, ao escrever o discurso de Pedro usa três palavras importantes. Primeiro ele diz que o ministério de Jesus incluía “fazer o bem” (euergetôn). Muito provavelmente Lucas está fazendo uma referência ao título de “benfeitor” dado aos reis helenísticos ou Ptolomeus. Em segundo lugar, o ministério de Jesus implicava em curar (iômeros), ou seja, libertar o homem de todas as limitações físicas. Jesus tanto dava visão aos cegos para vissem a realidade como é, como fazia com que eles andassem com suas próprias pernas, sem precisar mais de serem carregados. Finalmente, Lucas nos diz que ele curava todos os “oprimidos do diabo”. A palavra q ue é usada aqui é katadunasteuomenous, que segundo os exegetas, significa: oprimidos, explorados ou dominados por alguém. Assim como no batismo Jesus iniciou seu ministério, também nós, como cristãos batizados, temos a obrigação de fazer o mesmo caminho e assumir o mesmo projeto. Um projeto que abrange a todas as pessoas e que abrange a pessoa toda.

Conclusão: O que encontramos neste texto, assim como nos demais citados na liturgia de hoje, é o programa que todos os cristãos batizados devem assumir. Qual seja: fazer o bem a todas as pessoas, curar suas feridas físicas e espirituais e liberta-las do poder alienador de uma sociedade voltada para o poder e para o consumo. Nosso dever de cristão é o de construir uma nova sociedade voltada para os valores do Reino de Deus e para a vida.

 

 

Sermão do 2º Domingo da Epifania

(Isaías 62: 1-9; I Coríntios 12: 1-11; João 2: 1-11)

TEMA: Igreja: comunidade do serviço mútuo (I Coríntios 12: 1-11).

Introdução: A impressão que tenho, quando vejo algumas a agenda de algumas denominações é que elas não estão muito longe da mesma prática de uma ONG ou de uma instituição de serviço social. Por outro lado, nestas mesmas denominações o grau de falta de amor e de caridade para com os outros é tão notório que as pessoas entram e saem se sequer serem percebidas. Não era esse o plano de Deus para sua Igreja.

Elucidação: No texto da carta de Paulo aos Coríntios, vemos como o autor, depois de fazer uma série de exortações sobre questões pertinentes e urgentes que acometiam àquela igreja, ele agora parte para outro tema: os dons espirituais. E o que ele quer nos mostrar aqui é que a Igreja não deve ver nos dons um motivo para orgulho e sim para o serviço ao próximo. Neste texto Paulo usa três argumentos para apresentar a Igreja como uma de serviço mútuo.

I. NELA, TODOS FORAM DOTADOS DE DONS ESPIRITUAIS (v. 7)

  1. Paulo não quer que sejamos ignorantes sobre esse assunto (v.1). Segundo Paulo, ele não quer que a igreja de Corinto seja “ignorante” (agnoein) sobre este tema tão importante e que estava gerando tanta dificuldade naquela comunidade. A palavra que Paulo usa indica que a igreja precisa ter uma atenção cautelosa sobre esse assunto para não se deixar influenciar de tal forma a se dividir criando facções sobre o assunto, o que estava acontecendo.
  2. Os dons são chamados de manifestações (v.7). Segundo Paulo, todos os cristãos receberam do Espírito Santo alguma espécie de manifestação (fanerôsis), ou seja, instrumentos da manifestação ou da ação do Espírito na comunidade.
  3. Os dons são chamados de “operações” (v. 11). Quando Paulo usa o verbo grego energeo, ele está dizendo que por meio dos dons espirituais Deus está trabalhando, produzindo, efetuado, enfim, realizando seu propósito para com a sua Igreja.

Aplicação: Esta primeira verdade deve nos levar à conclusão de que nada vem de nós mesmos, mas que tudo vem de Deus. Não somos nós, com nossa sabedoria ou força, com nossa inteligência ou capacidade, mas Deus que opera em nós tanto o querer quanto o efetuar. Deus, que nos capacita a ter com que ajudar ao outro com as habilidades que ele nos deu. Uma Igreja assim é semelhante a uma comunidade que vive festejando a vida e não cultuando o ego de cada um.

II. NELA, TODOS OS DONS FORAM DADOS PELA TRINDADE (v. 4-6)

  1. Há diversidade de dons (v.4). Neste versículo Paulo nos diz que existem muitos “dons” (charismatôn), palavra em cuja raiz se encontra a palavra charis e que indica presentes ou capacidades dadas gratuitamente por Deus; mas que dá o seu a cada um é o pai, a primeira pessoa da Santíssima Trindade.
  2. Há diversidade de ministérios (v. 5). Há também, segundo Paulo, uma diversidade de “ministérios” (diakoniôn), palavra que aponta para os serviços de ordem prática e cotidiana; mas eles são distribuídos pelo Filho, a terceira pessoa da Santíssima Trindade.
  3. Há diversidade de operações (v.6). E diz que há uma diversidade de “operações” (energêmatôn), uma palavra que é usada para se referir ao resultado daquilo que é feito ou realizado. Estas “realizações” são obra do Espírito Santo, a terceira pessoa da Santíssima Trindade.

Aplicação: Devemos perceber que Paulo cita deliberadamente cada pessoa da Trindade como doador dos diversos dons, ministérios e operações que a Igreja pode realizar. Mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos. Uma Igreja em que cada um realiza seu papel para o bem de todos nos faz lembrar a felicidade do profeta Isaías ao se referir profeticamente às nações gentílicas que participarão do Reino de Deus dizendo: “As nações hão de ver tua justiça, os reis todos verão o teu triunfo… Como o jovem se casa com uma jovem, assim teu Criador se casará contigo. Mais que um recém-casado, feliz com a esposa, contigo estará feliz o Senhor” (Isaías 62: 1-5). Eis como o profeta descreve a Igreja: uma comunidade de festa e de alegria, como em um casamento. 

III. NELA, RECEBEMOS OS DONS PARA O BEM DE TODOS (v. 7)

  1. Os que citamos aqui fazem parte de uma lista muito maior. Quando Paulo faz a lista dos dons nos quais aparecem a palavra de sabedoria, a palavra da ciência, a fé, os dons de curaras operações de milagres, a profecia, o discernimento de espírito, a variedade de línguas e suas interpretações, temos que compreender que esta lista não se refere a um número fechado. Há outros textos em que Paulo se refere a outros dons, nos fazendo crer que a ação de Deus em sua Igreja não está limitada a apenas estes dons. Em Efésios 4: 11 ele fala, por exemplo, em apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres.
  2. Ninguém é dispensável na comunidade. Lamentavelmente a igreja em Corinto era uma comunidade dividida. Haviam grupos que se julgavam mais espirituais do que outros porque tinham este ou aquele dom. Mas Paulo está querendo nos dizer que todos são importantes e necessários na comunidade, independentemente do dom que tenha recebido de Deus. Cada um tem um papel a desenvolver.
  3. Ser comunidade é precisar uns dos outros e fazer o bem uns aos outros. Quando Paulo diz no versículo 7 que estes dons existem para o “proveito comum” (synferon), ele está querendo nos ensinar que os dons não existem para nosso proveito próprio ou exaltação própria. Os dons tanto promovem o crescimento individual quanto coletivo da Igreja. Por isso ele escreveu que “A meta é que todos juntos nos encontremos unidos na mesma fé e no conhecimento do Filho de Deus, para chegarmos a ser o homem perfeito que, na maturidade do seu desenvolvimento, é a plenitude de Cristo” (Efésios 4: 13).

Conclusão: Na leitura do Evangelho de hoje encontramos o Senhor em uma festa de casamento e realizando seu primeiro milagre. Esta festa é uma metáfora de como deve ser a Igreja do Senhor. Um espaço onde fazemos tudo quanto ele nos ordena, o espaço onde a realidade pode mudar (a água se transformou em vinho) e o espaço da festa do amor que une as pessoas que são, agora, capazes de gerar vida. É deste ambiente de um alegre casamento, diz o cônego Celso Pedro, regado a um bom vinho, que “saem os missionários da alegria, não tristes, pessimistas e negativos”, mais cheios de felicidade a compartilhar com o mundo.

 

 

Sermão do 3º Domingo da Epifania

(Neemias 8:1-10; I Coríntios 12: 12-27; Lucas 4: 14-21)

TEMA: Igreja: Corpo de Cristo (I Coríntios 12: 12: 12-27).

Introdução: Os antigos romanos tinham um ditado que dizia: mens sana in corpore sano. Ou seja, “mente sã em um corpo são”. Lamentavelmente quando olhamos para a Igreja de Jesus em nossa realidade nem vemos uma mente nem um corpo são. Mas essa realidade não é recente. Já na época de Paulo ela existia. E um bom exemplo disso era a Igreja de Corinto.

Elucidação: Paulo quer nesta passagem, mostrar à Igreja de Corinto, por meio da metáfora do corpo humano, que existe uma unidade na diversidade, assim como em um só corpo existem vários órgãos. A razão da diferença é fazer com que o corpo funcione saudável e harmonicamente. Da mesma forma, os dons espirituais devem ser tratados não como motivo de orgulho ou de sentimento de superioridade, mas como ferramentas para se poder servir ao outro com solidariedade. Quando a Igreja entender essa verdade a mente e o corpo da Igreja alcançarão a plena saúde. E é pensando nisso que, refletindo sobre o texto citado, encontramos pelo menos três verdades acerca da Igreja, enquanto Corpo de Cristo.

I. ELA MANIFESTA A UNIDADE (v. 12, 13)

  1. O corpo é um só. Paulo nos diz que, embora tenha muitos membros, somos um só corpo. Não existem várias igrejas de Cristo. É um erro e um escândalo dividir o corpo do Senhor em segmentos e achar que apenas um deve ser adequadamente chamado de “igreja” enquanto os demais são apenas “comunidades eclesiais”. Cristo é um só, logo só há uma Igreja, porque o corpo é um só (tó sôma em estin).
  2. Pois fomos batizados em um só Espírito. O grande argumento de Paulo para demonstrar que em Cristo não mais existem diferenças étnicas (judeus ou gregos) ou sociais (escravos e livres) é que todos nós fomos batizados em um só Espírito, formando esse corpo. Paulo está nos dizendo que todos aqueles que foram batizados, foram introduzidos na esfera do Espírito e gozam de sua graça e de seu poder. O sinal externo dessa realidade é o sacramento do batismo. Não podemos dividir aqueles que estão unidos pelo batismo e pelo Espírito sem que cometamos um sério pecado.

Aplicação: Segundo Storniolo e Balancin, a Igreja é “uma, porque forma o corpo de Cristo, dado que todos receberam o mesmo batismo e o mesmo Espírito, que produzem a comunhão e igualdade fundamental”. Quisera o Senhor que todos os cristãos reagissem como o povo reagiu à leitura da Palavra como ocorreu quando o sacerdote Esdras apresentou a Lei e a leu perante todo o povo. As escrituras nos dizem que todo o povo respondeu levantando as mãos: “Amém! Amém”.

II. ELA MANIFESTA A DIVERSIDADE (v. 14-21)

  1. O corpo tem muitos membros. Agora Paulo argumenta dizendo que nenhuma parte singular pode se julgar o corpo inteiro, mas apenas uma parte dele. Nas palavras de Leon Morris: “Nenhum membro deve equiparar-se ao corpo. Precisa-se de muitos membros para formar um corpo”.
  2. Cada um é necessário. O pé não pode dizer que não participa do corpo porque não é mão, tanto quanto a orelha não pode dizer o mesmo porque não é olho. O que seria do corpo sem os pés, ou sem as mãos, sem os ouvidos ou sem os olhos?
  3. Cada um foi disposto segundo a vontade de Deus. Conforme ensina o Apóstolo, Deus colocou os membros no corpo, cada um deles, como quis. Esta expressão verbal (êthelsen) está na voz ativa, indicando uma vontade exercida diretivamente. A vontade de Deus é produzir a unidade e não a uniformidade. Embora diferentes e ocupando espaços e ações diferentes, todos os que foram batizados em um mesmo Espírito, fazem parte do mesmo corpo.

Aplicação: Não somos nós que escolhemos os dons ou o espaço que ocuparemos na Igreja, é o Senhor. Desta forma, a Igreja evita que alguns queiram exercer apenas determinados dons ou ministérios. Precisamos compreender, no entanto, que as pessoas, segundo Storniolo e Balancin, “são diferentes entre si; cada uma com sua originalidade contribui, de maneira indispensável, para a construção e crescimentos de todos”. Assim como o Cristo se pôs de pé, conforme lemos no Evangelho de hoje, e leu as Escrituras que profetizavam de sua missão, também nós precisamos entender que a missão de Deus é a nossa missão. Portanto a nós também foi dada a responsabilidade de, sob a unção do Espírito Santo, anunciar as Boas-novas aos pobres, proclamar libertação aos cativos, recuperar a vista dos cegos, libertar os oprimidos e proclamar que o ano aceitável do Senhor começou. 

III. ELA MANIFESTA A SOLIDARIEDADE (v. 22-26)

  1. Os que parecem mais fracos são necessários. No original a palavra grega asthenestera aponta para aqueles membros “inferiores”, “desprezados”, “debilitados” ou “delicados”. Segundo Barrett Paulo faz referência aos órgãos mais delicados como os olhos ou os mais invisíveis como o coração. Para Paulo, os órgãos mais humildes não apenas são indispensáveis, mas são tão indispensáveis quanto dos demais. Na Igreja todos são igualmente necessários.
  2. Mesmo os menos dignos são importantes. Paulo usa a palavra atimostera para se referir aos membros menos dignos, como os pés, que pisam o chão e estão acostumados com a sujeira em razão de seu deve. Pois bem, Champlin nos diz que estes serão protegidos com calçados “visto que (…) apesar de serem menos honrosos, é absolutamente necessário que lhes demos uma atenção especial”.
  3. Até os indecorosos são fundamentais. Os indecorosos, no grego a palavra aschenoma se refere às partes do corpo que não são comumente visto em público. Paulo provavelmente está se referindo aos órgãos de reprodução e aos seios. Mas, até estas partes do corpo são tão importantes que nós “as revestimos com especial honra”. Na Igreja esses são aqueles que estão adoecidos, e que precisam de um tratamento muito mais especial. Lamentavelmente se diz que a igreja é o único exército que abandona seus feridos no campo de batalha. Quando Paulo fala em Igreja como corpo, ele quer dizer que mesmo os adoecidos devem ser cuidados com mais dedicação.

Conclusão: Paulo nos diz no verso 25 que não deve haver divisão na Igreja e que todos devemos cuidar uns dos outros. E isto inclui os membros mais fracos, os mais indignos e os indecorosos. Para os biblistas Storniolo e Balancin, “O cimento da vida comunitária é a solidariedade, que faz todos voltarem-se para cada um, principalmente para os mais fracos e necessitados, partilhando os sofrimentos e alegrias”. Somente quando exercitamos a solidariedade, o corpo de Cristo, que é a Igreja, passa a viver de forma saudável e sadia.

 

 

Sermão do 4º Domingo da Epifania

(Jeremias 1: 4-10; I Coríntios 13: 1-13; Lucas 4: 21-30)

TEMA: Igreja: Comunidade do amor (I Coríntios 13: 1-13).

Introdução: Durante um período que antecedeu à Segunda Guerra Mundial, todos os judeus alemães tinham que usar, costurada em suas roupas, a estrela de Davi. Aquele era o sinal de que estávamos diante de um Judeu. Mais tarde ficaria mais fácil identifica-los e prendê-los. Certa vez nosso Senhor Jesus Cristo, conversando com seus discípulos disse: “nisso conhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros” (Jo 13: 35).

Elucidação: A igreja de Corinto estava completamente equivocada no dizia respeito às coisas mais importantes no Reino de Deus. Para eles, que ainda eram extremamente infantis em sua fé, o mais importante era exercitar os dons espirituais. E quanto mais espetacular fosse o dom, mais ele revelaria a espiritualidade de quem o possuía. No entanto, Paulo escreve esse capítulo para revelar que o caminho da prática do amor é muito mais importante para a comunidade do que apenas o exercício dos dons espirituais. Pensando nisso, podemos dizer pelo menos três verdades sobre o amor:

I. ELE É O CAMINHO MAIS EXCELENTE (v. 1-3)

  1. Que o dom de línguas. Por mais que os cristãos em Corinto achassem que esse fosse o principal dos dons, de nada adianta falar em qualquer idioma, mesmo o dos anjos, pois sem amor, isso não passaria de barulho.
  2. Que o dom de profecia. A profecia se refere à revelação e à proclamação da Palavra pelo poder do Espírito Santo para a comunidade, mas nem isso, vale nada se não o fazemos por amor.
  3. Que o conhecimento de todos os mistérios e toda a ciência. No texto original Paulo se refere a tudo o que se pode conhecer, em sua inteireza. Ele fala dos mistérios “mysteria” e da ciência “gnôsis”. Mas logo em seguida diz que, tudo isso, sem amor, nada seria.
  4. Toda fé. Ou seja, ainda que se tenha a capacidade de operar milagres e maravilhas, sem o toque do amor, não tem valor algum. Alguns inclusive, no dia do julgamento vão chegar diante de Jesus dizendo que fizeram milagres em seu nome, mas serão, ignorados e lançados no fogo.
  5. Que todo gesto de caridade. Que surpreendente encontrar alguém capaz de distribuir todos os seus bens com os pobres. Mas se isso for apenas uma forma de barganha para poder entrar no Reino de Deus ou uma forma de “se mostrar” para a sociedade, ela será causa de condenação. A salvação vem da fé, sem as obras, para que ninguém se glorie (Ef 2:9).
  6. Que toda forma de sofrimento. Para Paulo, nem mesmo um gesto de auto flagelo, sem a presença do amor, não tem sentido algum. É preciso amar as pessoas e não “fazer de conta” que se ama.

Aplicação: A primeira grande lição que aprendemos é que o exercício de todos os dons de nada aproveita se eles são exercitados sem a presença do amor. Isso é assim, porque o melhor caminho para a comunidade cristã não se baseia nos dons, mas no amor ao próximo.

II. ELE POSSUI CARATERÍSTICAS SUPERIORES (v. 4-7)

  1. É paciente. Embora muitas traduções da Bíblia traduzam a palavra grega “makrothymei” por “sofredor”, a melhor tradução é “paciente”. O termo, não está apontando para nossa reações frente à algo metafísico ou etéreo, mas a ações concretas e reais realizadas por pessoas igualmente concretas e reais. Como o termo está no presente do indicativo ativo “descreve a ação da pessoa em segurar seus sentimentos durante muito tempo, até que passe à ação ou paixão”.
  2. É benigno. Esta palavra grega, “kresteyetai” é normalmente traduzida como “portar-se como homem de bem”, ou “ser bondoso” ou “prestativo”. Diferente de “makrothymei”, que estava no presente do indicativo ativo, apontando para uma ação que se voltava para o “outro”, “kresteyomai” está no presente médio, indicando que estamos tratando de uma característica que o agente desenvolve dentro de si mesmo, ainda que se voltasse para os outros. Rienecker e Rogers dizem que “kresteyomai” significa “ser útil, ser agradável e gentil, mostrar bondade, alguém que presta serviços a outras pessoas de modo gracioso e bem disposto”.
  3. Não é invejoso. Uma vez que a palavra “zêlos”, encontrada nos dicionários é traduzida por “ebulição, zelo, ardor, rivalidade, emulação ou inveja” a melhor tradução para “ê agapê u zêloi” é: “não arde em ciúmes”, uma vez que a raiz da palavra “zeloi” é a palavra “zeô”, que significa “ferver”. Para o comentarista Leon Morris, “’inveja’ é um verbo ocasionalmente empregado num bom sentido (…); mas geralmente, porém, denota forte paixão de inveja ou coisa parecida. É o sentido que tem aqui, e nos faz lembrar que o amor não se aborrece com o sucesso dos outros”. Muito ao revés, até deseja que isso aconteça na vida da comunidade cristã.
  4. Não se vangloria. Sabemos que no original grego, Paulo usa a palavra “perpereuetai” que vem da raiz “perperos”, que tanto pode ser traduzida por “frívolo”, “ser leviano” e “indiscreto”, como por “jactar-se” ou, finalmente, por “vangloriar-se”. O fato é que quem ama, segundo comenta Leon Moris, não é “cheio de vento” ou “enfatuado”. Outro fato importante é que o fato do verbo estar no presente médio um ato de alguém que atua sobre si mesmo. A ação é de alguém sobre se mesma. Ela “se acha”, “se vangloria”, etc. Para Rienecker e Rogers, a palavra se refere a “alguém que fala muito e age presunçosamente”. Uma comunidade marcada pelo amor não se comporta assim.
  5. Não é soberbo. Quando procuramos pelo verbete “fysioutai” descobrimos que esta palavra vem da raiz “fysioô” que se traduz por “inchar-se de orgulho e de vaidade”. Lamentavelmente, embora aquela fosse uma comunidade cheia de dons e talentos (I Co 1:5), ela não sabia conviver com suas próprias virtudes e por isso o amor era colocado em segundo plano. Lamentavelmente, para os coríntios, mais importante que amar, era ter esse ou aquele dom.
  6. Não é inconveniente. A palavra usadas por Paulo: “kaskemonei”, pode ser traduzida por “indecoroso” ou portar-se “inconvenientemente”. Ela também pode significar “comportar-se indecentemente ou de maneira vergonhosa”. O verdadeiro amor não age assim, muito menos na comunidade dos que se dizem cristãos.
  7. Não é interesseiro. No texto original, Paulo diz: “ou zetei ta eautes”. Segundo Taylor “zetei” significa “procuro, busco, exijo; indago, cogito; requeiro”. Ora, este é um verbo que está no presente do indicativo ativo e na 3ª pessosa do singular. O que indica que Paulo está falando de alguém que tem como prática esta procura e esta exigência pelos seus interesses. A palavra “eautes” nos leva para um pronome reflexo da 3ª pessoa e significa “de si mesmo”, “a si mesmo” ou “seu”, nas palavras de Isidro Pereira. A expressão completa aponta para quem busca aquilo que é seu, aquilo que lhe interessa, sem se importar com os outros. Quem ama sabe que os interesses que mais buscamos é o da comunidae, e não os nossos.
  8. Não é irritadiço. Esta palavra é um verbo que está no indicativo, presente, passivo, na terceira pessoa do singular e pode ser traduzida de várias formas diferentes. Taylor traduz “paroxysmos” por “desavença”, “irritação”. Já Isidro Pereira prefere “excitação”, “impulso”e “irritação”. McKibben, por seu turno, traduz a palavra por “provocação”, “estímulo”, “contenção” e “desavença”. O verdadeiro amor até pode se irritar em alguns momentos, mas a irritação não faz parte de sua prática cotidiana.
  9. Não suspeita mal. A palavra “logizetai”, usada aqui, tem como raiz, um termo que implica em “calcular, contar, refletir, considerar, inferir, deduzir, raciocinar”, etc. Segundo Taylor esta palavra se traduz por “imputo, atribuo; reputo, suspeito; considero, conto com, tenho por ou na conta de; medito, discorro, julgo, penso, entendo, concluo; determino, proponho-me”. Ora todos esses termos nos fazem compreender que o amor não “considerar e registrar”; em outras palavras, aquele que ama “não fica registrando o mal”, ou seja, “não fica estocando ressentimentos” para poder usar mais tarde e “passar na cara” de alguém.
  10. Não se alegra com a injustiça. Enquanto Isidro Pereira traduz “adikia” por “injustiça, falta”, McKibbena traduz por “iniquidade, injustiça, maldade”. Para Paulo as coisas são muito simples. Diz ele em Rm 1:18: “A ira de Deus se revela do céu contra toda impiedade e perversão dos homens que detêm a verdade pela injustiça”. O amor não pode conviver com a prática da injustiça na comunidade dos santos.
  11. Se alegra com a verdade. No original grego a palavra usada por Paulo é “aletheia”. Ela pode ser traduzida por “verdade, veracidade, sinceridade”. A palavra “aletheia”, é utilizada em relação àquela mulher que por 12 anos sofria com uma hemorragia, e que, ao tocar em Jesus e ser curada e desmascarda, diz o texto “Então, a mulher, atemorizada e tremendo, cônscia do que nela se operara, veio, prostrou-se diante dele e declarou-lhe toda a verdade” (Mc 5:33). Quem ama não tem segredos ou o que esconder do seu amado ou dos irmãos.

Aplicação: No texto de Jeremias aprendemos que o povo de Deus foi colocado diante das nações, apesar de se julgar incapaz, para anunciar as palavras que Deus pôs em sua boca. Somente uma comunidade que ama terá a autoridade para anunciar essa Boa-Notícia com autoridade e com poder. 

III. ELE É MUITO MAIS PREFERÍVEL (v. 8-13)

  1. Jamais acaba. Diferentemente das profecias, da ciência e das línguas, o amor jamais acaba: “oudepote piptei”. Ele nunca diminuirá nem chegará ao fim, como ocorrerá com os demais dons, que são transitórios. E será assim porque Deus é amor, portanto seu fundamento.
  2. Profecias, línguas e ciência desaparecerão. Na presença de Deus, estes dons perdem sua razão de ser e serão abandonadas como abandonamos as coisas de criança e passamos a buscar as coisas dos adultos.
  3. Nós conhecemos e profetizamos em parte. Outra grande marca da superioridade desse caminho, o que o torna ainda mais preferível, é que ele nos levará à perfeição. O texto diz que somente quando “o Perfeito” vier conheceremos as coisas como elas de fato são. Tudo o que sabemos sobre Deus é parcial, superficial e sem solidez. Mas um dia nosso conhecimento será pleno, pois o veremos face à face e não como por um espelho.
  4. Ela é o ápice das virtudes teologais: fé, esperança e amor. Comentando este texto, Raymond Brown nos diz que embora os dons, um dia, desaparecerão, permanecerão a fé, a esperança e o amor, porque estes três elementos caracterizarão os cristãos na eternidade. A fé, porque somente os que confiam conhecerão a eterna presença de Deus; porque é fé perseverante nas promessas de Deus e o amor, porque Deus é amor e Ele será “tudo em todos” (I Co 15:28). Pelo amor nos uniremos e venceremos as distâncias que nos separavam.

Conclusão: No texto do Evangelho vemos Jesus pregando na sinagoga em Nazaré, a terra onde ele cresceu. Ele prega a palavra mas é rejeitado pelos presentes. Apesar de todos os sinais que o acompanhavam, sinal do amor e da graça de Deus pelas pessoas mais carentes, ele não é aceito em sua própria terra e é expulso da cidade. Todo aquele que quiser anunciar o Evangelho e a Palavra de Deus, terá que ter como modelo, não aquela sinagoga que rejeita quem fala a Palavra de Deus, mas a pequena comunidade dos discípulos que resiste em andar ao lado de Jesus.

 

 

 Sermão do 5º Domingo da Epifania

(Juízes 6: 11-24; I Coríntios 15: 1-11; Lucas 5: 1-11)

TEMA: Igreja: Comunidade que acredita (I Coríntios 15: 1-11).

Introdução: Contrariando as previsões do ilustre pensador alemão Max Weber, a modernidade não produziu um desencantamento da sociedade, ou seja, uma inclinação para a racionalidade. Muito ao revés, o que vemos é o surgimento de igrejas de todas as matizes e em todos os lugares. Costumo dizer que, em se tratando de igrejas, o Brasil realmente é um terreno que, em se plantando tudo dá. E isto é assim porque nosso povo é naturalmente crente.

Elucidação: No texto que acabamos de ler, encontramos o registro claro de que, desde a igreja primitiva, a crença na morte e ressurreição de Cristo era uma realidade profundamente fundada em interpretações do Antigo Testamento. Com base nisso, podemos certamente, afirmar três verdades sobre a igreja de Corinto, enquanto uma igreja que acredita.

I. QUE REGISTROU SUA FÉ (v. 1-4)

  1. Paulo anunciou o Evangelho aos coríntios. Já sabemos que foi Paulo quem anunciou o Evangelho aos coríntios (Gl 1:11). Mas quando ele usa a palavra euggélisámên, ou seja, o uso do aoristo enfatizava a Boa-Notícia única que ele pregava.
  2. Eles receberam e perseveram nele. O texto continua nos informando que os coríntios “receberam” e “perseveraram” neste evangelho. Ao receberem, eles abriram seu coração à fé em Cristo, e ao perseverarem, estavam dando continuidade à fé que haviam professado.
  3. Por isso ele foram salvos. É interessante perceber que Paulo usa o verbo no tempo presente, dando a impressão que eles “estavam sendo salvos”. Ela é uma realidade presente, mas também é uma realidade contínua ou pontilinear. E isso só ocorre se eles permanecerem no Evangelho conforme anunciado por Paulo. Doutra sorte, creram em vão.
  4. Ele envolve a morte de Cristo por nossos pecados. O Evangelho pregado por Paulo em Corinto, e que era o mesmo que ele havia recebido (parêdôka), era bastante simples: “Cristo morreu por nossos pecados segundo as Escrituras”. Na interpretação Paulina da expiação (ver Rm 5:11) a palavra “pelos” significa “em favor de” e não “em lugar de”, embora muitos exegetas se inclinem nessa direção. Indiscutivelmente, contudo, é ponto pacífico que, na pregação (kerygma) da Igreja primitiva, a expiação já fazia parte.
  5. Ele envolve seu sepultamento e ressurreição. A fé da Igreja primitiva também envolve seu sepultamento e ressurreição. Aliás, os dois verbos – “morreu” e “sepultados”, estão no aoristo, fazendo menção a algo que aconteceu. Mas o verbo “foi ressuscitado” (egêretai), está no pretérito perfeito, indicando que ele ressuscitou e permaneceu ressuscitado dentre os mortos, mostrando uma realidade contínua. Cristo vive!
  6. Tudo “segundo as Escrituras”. Paulo não faz referências aos textos das Escrituras no qual ele quer fundamentar a sua fé e a fé da Igreja primitiva. Para Raymond Brown “Esta expressão pode ser usada não em referência a versículos específicos, mas em uma conexão ampla com as promessas de Deus, no Velho Testamento, de redimir o seu povo”.

Aplicação: O texto de I Coríntios 15: 3,4 representa, segundo alguns exegetas, uma das primeiras formulações dogmáticas da Igreja primitiva. O fato de Paulo usar a palavra parêdôka aponta para a formação de uma tradição que já fazia parte da pregação ou do kerygma desta Igreja incipiente. Não existe igreja sem a fé no que foi morto e ressuscitou. Pode haver igrejas sem bancos, sem templos, ser organização formal e até sem púlpito e coral, mas nunca poderá existir uma igreja sem pessoa que creiam, e que creiam no Cristo redivivo. Crês tu nele?

II. QUE POSSUÍA TESTEMUNHAS OCULARES (v. 5-8)

  1. Apareceu a Cefas e aos doze. Interessante Paulo não fazer referência às mulheres e citar, como primeira testemunha da ressurreição, Pedro. Acredito que Paulo está mais interessado em registrar as três pessoas que o viram pessoalmente (Pedro, Tiago e Paulo) e o colégio apostólico, sem, com isso, desvalorizar as demais pessoas que viram o Senhor redivivo. Aparecer a Pedro foi importante, porque mostra que, mesmo depois de tê-lo negado, ele ainda é convocado à sua devoção (cf. Jo 20: 1-10). “Os doze” é uma referência clara aos Apóstolos.
  2. Depois, a mais de quinhentos irmãos. Nenhum dos Evangelhos registra uma aparição assim, “de uma só vez”. Mas o que importa nos registros evangélicos não é fazer uma redação jornalística, mas com base na fé. É importante o argumento de Paulo ao dizer que muitos destes “ainda vivem”, mesmo quase vinte anos depois do fato. Ele quer registrar o quão marcante foi esse evento.
  3. Apareceu a Tiago. O Tiago a quem Jesus apareceu foi, provavelmente, seu irmão, que passou a assumir um papel de suma importância na Igreja primitiva (ver Atos 15: 13-21). É importante registrar que os Evangelhos também não mencionam essa aparição embora ela esteja presente no texto apócrifo do Evangelho aos Hebreus.
  4. Apareceu também a Paulo: o abortivo. Paulo diz que “por derradeiro” (eschaton), cronologicamente, Ele apareceu a Paulo, no caminho para Damasco, “como a um abortivo”, ou seja, provavelmente Paulo está se referindo a alguma crítica que ele sofre por ter sido o último a ter visto o Senhor. Mas o interessante é que Paulo coloca a aparição de Cristo à ele no mesmo patamar das demais aparições, demonstrando que ele tem, sim, autoridade apostólica. Para resolver esse problema ele escreverá a carta que conhecemos como a II carta aos Coríntios.

Aplicação: Na leitura do Evangelho de hoje vemos Pedro e seus companheiros que haviam pescado à noite inteira sem nada apanhar. Eis que o Senhor se aproxima e ordena que eles jogassem as redes mais uma vez. Pedro retrucou, mas acabou fazendo a vontade do Senhor. O resultado foi maravilhoso! Tantos peixes foram pegos que as redes quase estavam rasgando. Diante desse milagre Pedro disse: “Retira-te de mim, porque sou um pecador”. Ao que Jesus responde que, a partir daquele momento, eles passariam a ser pescadores de homens. Não importa quem sejamos. Deus tem chamado a cada um de nós, individualmente, para fazermos parte de sua missão. Para tanto é imprescindível crer em seu chamado. Dirás “sim” ao seu chamado?

III. QUE ANUNCIAVA A GRAÇA DE DEUS (v. 9-11)

  1. O menor dos Apóstolos. Ao se auto descrever como “o menor dos Apóstolos”, Paulo revelando que se considera indigno porque perseguia a igreja de Deus. Quando ele usa a palavra “indigno”, ele faz uso do termo grego ikanos, que significa “competente” ou “adequado”. Leon Morris nos diz que: “O que Paulo quer dizer é que sua reputação fizera dele o menor de todos eles. Na verdade, nem era digno de ser apóstolo. Paulo sustenta firmemente duas coisas. Uma é a elevada dignidade ligada à sua posição de apóstolo (…). A outra é o seu profundo senso de indignidade pessoal. Ele é o principal dos pecadores (I Tm 1:15). Não é digno de ser apóstolo, pois perseguia a igreja de Deus”.
  2. Mas tornou-se o que é pela graça. No entanto, mesmo sendo “inadequado” para anunciar o Evangelho, coube à Graça de Deus se manifestar por meio dele. Isto significa que não foi em vão e que o fez, e mais, ele se tornou o mais operoso dos apóstolos. Mas o fez movido pela graça. Para Leon Morris, “Conquanto os seus começos não fossem nada promissores, a graça de Deus possibilitou a realização de um maravilhoso volume de trabalho. (…) Não foi o homem, mas, sim, a graça de Deus que fez a obra”.
  3. Não importando por quem seja. Para Paulo, só existe um Evangelho, não importando que o pregue. John Knox disse: “essa é nossa pregação, minha ou deles, como queirais”. O “pregamos” usado por Paulo está no presente contínuo, sinal de que ele o faz habitualmente. E por isso “crestes”, ou seja, Paulo lembra aos coríntios qual é a base de sua fé. Qualquer outro elemento que contrarie o simples Evangelho da cruz deve ser abandonado.

Conclusão: O texto de Juízes é bastante importante para nossa reflexão. Nele o Anjo do Senhor apareceu a Gideão e disse três verdades importantíssimas. Que ele era um homem valoroso (Jz 6:12), que ele havia sido escolhido para livrar o povo de Deus de seus inimigos (Jz 6:14) e que Deus seria com ele (Jz 6:16). Esta foi a palavra de Deus para argumentar contra as palavras de Gideão que se considerava o menor de sua casa, que era a menor em Israel. Pois bem, Gideão achou graça diante de Deus (Jz 6:17) e realizou o trabalho que tinha que fazer. Como igreja, não interessa nosso tamanho ou nossa capacidade financeira. O que importa é estamos dispostos, diante de Deus, a cumprir a missão que ele nos legou e anunciar a fé que cremos: que Jesus Cristo Morreu e ressuscitou, por nossos pecados, conforme diz as Escrituras. Apesar de suas desculpas, ele te chama para anunciar as Boas Notícias da salvação. Atenderás ao seu chamado?

 

 

Sermão do 1º Domingo da Quaresma

(Deuteronômio 26: 5-11; Romanos 10: 8-13; Lucas 4: 1-13)

TEMA: Igreja: Comunidade que anuncia (Romanos 10: 8,9).

Introdução: A salvação sempre foi um tema muito discutido entre os teólogos de todos os séculos. Mas lendo as Escrituras sem os preconceitos que estão por trás dos sistemas teológicos, descobrimos que a salvação é algo extremamente simples. E não apenas isso. Ela está à disposição de toda a humanidade, independente de classe social ou raça. Mas é preciso que a Igreja entenda o que Paulo entendia quando disse: “Essa palavra é a palavra da fé que pregamos”. Precisamos, enquanto seguidores de Jesus, ter a mesma disposição para pregar a mesma “palavra da fé”, porque, afinal, a Igreja é uma comunidade que anuncia.

Elucidação: Neste texto aprendemos que se por um lado Moisés descreve a justiça oriunda da lei na forma da prática de preceitos, Paulo descreve uma outra forma de ser declarado justo diante de Deus. Ele está obviamente substituindo os mandamentos e preceitos da lei pela Fé em Cristo. Ele apela para as Escrituras, que estão perto de nós, para fazer referência à “palavra da fé” que pregava. E que palavra era essa? Ela era composta por três realidades: uma objetiva, uma subjetiva e uma eterna.

I. UMA REALIDADE SUBJETIVA: “Se com sua boca confessares que Jesus é o Senhor”

  1. A Palavra da Fé era uma declaração pública: “Jesus é o Senhor”. Eis a primeira confissão de fé da Igreja! O verdadeiro significado dessa frase não deve ser julgada pela sua concisão. Apesar de breve ela é o resultado de uma expressão espiritual de quem é guiado pelo Espírito Santo, pois somente por meio dele afirmamos que Jesus é o Senhor (I Co 12:3).
  2. Essa declaração já era conhecida de seus contemporâneos. O culto ao imperador romano declarava “César é Senhor!” e todos os que negassem essa “verdade” deveriam morrer. Por outro lado, entre as religiões de mistério, também haviam declarações do tipo: “nosso senhor Osíris”. Paulo conhecia essa realidade que o circundava. E, sabendo disso, aplica-a à Jesus.
  3. Mas Jesus teria a precedência sobre todos. Paulo deixa claro que essa realidade de “deuses” que circundava a fé cristã era real mas afirmava: “Ainda que haja também alguns que se chamam deuses… todavia, para nós há um só Deus, o Pai, de quem são toda as coisas e para quem nós vivemos; e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual existem todas as coisas, e por elas nós também” (I Co 8: 5,6).

Aplicação: Devemos nos lembrar das palavras de Hodge quando escreveu: “Aqueles que se envergonham ou temem confessar a Cristo perante os homens não podem esperar ser salvos. A falta de coragem para confessar é evidência conclusiva da falta de disposição para crer”. Isto nos leva a acreditar que a “confissão” é algo importante para Paulo. Para C.E.B. Cranfield: “Tanto o conteúdo da confissão como o conteúdo da fé são formulados de modos diferentes, no pensamento de Paulo, porém, importam na mesma coisa. Ele não tem a intensão de sugerir que a boca deve confessar algo diferente daquilo que o coração crê. Todavia, ambas as formulações se interpretam reciprocamente, de modo que o que deve ser tanto crido como confessado é o definido com maior precisão”.

II. UMA REALIDADE OBJETIVA: “E em teu coração acreditares que Deus o ressuscitou dos mortos”.

  1. A Palavra da Fé era um evento histórico: A ressurreição. Paulo, escrevendo aos Coríntios já havia registrado que o Cristo ressurreto havia se apresentado à Pedro, Tiago, aos Apóstolos e a mais de 500 pessoas, muitas das quais estavam vivas naquele momento. Essa declaração faz da ressurreição muito mais do que apenas a declaração da fé de uma Igreja, mas a afirmação de um registro histórico. Mas porque a centralidade na ressurreição? Para Calvino: “A expressa menção que Paulo faz da só da ressurreição de Cristo não deve ser motivo para concluir-se que sua morte não fosse de qualquer importância; mas porque por meio de sua ressurreição, ele completou toda a obra de nossa salvação”.
  2. Que exigiria a fé dos crentes. A simples declaração objetiva de que Jesus era Senhor não era suficiente. Era preciso uma realidade subjetiva e de fé que impulsionasse a vida de quem acredita: a ressurreição de Cristo. Afinal é possível dizer de inúmeros indivíduos que ele é senhor, mas somente quem acreditasse em sua ressurreição empenharia sua vida para anunciar essa “palavra da fé”.
  3. Isso envolve toda nossa vida. Embora o texto diga “e em teu coração”, devemos notar que, naquele momento, diferente do nosso – em que o “coração” é apenas a sede das emoções – o “coração” significa o homem por inteiro em sua unidade pessoal.

Aplicação: No texto de Deuteronômio o autor faz uma declaração das grandiosas obras de Deus que agiu poderosamente, salvando o povo da servidão em que se encontrava porque ouviu o clamor e o choro dos oprimidos pelos egípcios. Da mesma forma, nosso Deus continua com seus ouvidos abertos para ouvir aos que o buscam com fé naquele que agiu no passado e que ainda pode agir hoje. 

III. UMA REALIDADE ETERNA: “Serás salvo”

  1. Jesus é nosso salvador. Quando afirmamos que Cristo foi ressuscitado dos mortos estamos dizendo que ele efetivamente realizou o que veio fazer entre nós, ou seja, nos resgatar da esfera do desespero e da escravidão da lei e nos salvar.
  2. A salvação envolve toda a vida. Embora o texto esteja se referindo a algo que ocorrerá no futuro (sôtêsê – está no futuro passivo), pelo contexto, percebemos que a salvação é uma realidade que envolve os três tempos: no passado nossos justificados por Jesus e libertos da condenação do pecado; no presente somos santificados e paulatinamente somos libertos do domínio do pecado e no futuro, seremos glorificados e definitivamente libertos da presença do pecado. Mas o agenda da salvação é sempre o Senhor e nós apenas os alvos de sua ação. Concordando com essa tese vemos C.E.B. Cranfield, que diz: “A promessa ‘serás salvo’ referece à salvação final futura (…) a herança da vida eterna; porém, a salvação futura final reflete a sua glória de volta ao presente para os que confiantemente a esperam, e que estão agora sendo salvos (I Co 1:18)”.
  3. O fundamento profético é claro. No livro de Joel (2:32) onde se fala das vésperas do “grande e terrível dia do Senhor” lemos que o Espírito do Senhor será derramado sobre toda a terra e que “Todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo”. Por isso as constantes referências ao Antigo Testamento. Lembramos das palavras do ilustre Karl Barth quando escreveu: “O homem que isso fizer, que confessar e crer (…) esse viverá pela justiça. (…) Todavia ao enfatizarmos a existencialidade de Jesus como sendo a [existência real] do Senhor, do Ressurrecto, do ‘Credor’ da nossa fé dissemos que a justiça que usufruiremos quando o impossível tornar-se possível, não virá da lei mas da fidelidade de Deus” (sic).

Conclusão: Neste texto há um jogo de palavras entre “boca” e “coração”. Ou, conforme nos diz John Stott: “Assim, boca e coração, fé interior e confissão pública são essencialmente uma coisa só. Da mesma forma, declara Murray: “Confissão se fé seria em vão… Da mesma forma, porém, fé sem confissão seria uma manifestação de pura falsidade”. No texto de Lucas somos confrontados com ao figura humana fragilizada de Jesus depois de 40 dias de jejum. Sendo tentado, em razão de sua natureza, ainda tem ciência de sua condição, e responde ao tentador: “Não tentarás ao Senhor teu Deus”.

Caro leitor, Cristo tem sido para ti teu Senhor e Deus? Tens confessado com tua boca e crido em teu coração que Ele ressurgiu dos mortos? Este momento de Quaresma é um momento de arrependimento e de conversão. Volte à Cristo com todo o teu ser e o convide para ser pleno Senhor de sua vida.

 

 

Sermão do 2º Domingo da Quaresma

(Gênesis 15: 1-12,17,18; Filipenses 3: 17-4:1; Lucas 13: 31-35)

TEMA: Igreja: Comunidade madura (Filipenses 3: 17-4:1).

Introdução: Maturidade é uma palavra que significa, segundo o dicionário Houaiss, “o estado ou a condição de pleno desenvolvimento”. Atingir este estágio deve ser a meta de todos os nós. Afinal, é na maturidade que vemos as coisas como elas de fato são, e não como as crianças veem. A maturidade é o estágio da plenitude, ou seja, aquele momento em que não falta nada para ser ser o que se é. Ou, citando a escritora austríaca do século XIX, Marie Eschembach: “Na juventude, aprendemos; na maturidade, compreendemos”.

Elucidação: A Igreja em Filipos foi a primeira comunidade cristã na Europa. Ela começou na casa de Lídia e cresceu sofrendo todo tipo de perseguição. Apesar disso, ela se tornou uma comunidade muito íntima de Paulo. Ele voltou à Filipos outras vezes durante suas viagens missionárias e é notória a relação de amizade que ele mantinha com aquela igreja. Não sabemos ao certo se Paulo está em Éfeso (entre os anos 55-57) ou em Roma (no ano 62), mas sabemos que ele escreve como quem está preparado para morrer pelo Evangelho de Cristo. Antes que isso ocorra, contudo, ele precisa escrever aos irmãos dessa igreja, que sempre o apoiaram, e dar suas últimas instruções sobre questões existentes ali apresentando todo o afeto e consideração que tinha por aqueles irmãos. No texto que lemos, já no final da carta, ele exorta a comunidade a buscar a maturidade cristã, fugindo do caminho dos judaizantes-sensualistas e aponta os meios para isso. Para Paulo, essa maturidade se encontrava em, pelo menos, três princípios:

I. TENHAM PAULO COMO MODELO (v. 17)

  1. Paulo se coloca como modelo a ser seguido. Ele diz no verso 17: “Sede meus imitadores”. Devemos notar que essa não é a primeira vez que Paulo diz isso. No livro de I Coríntios 4: 16 ele diz exatamente a mesma coisa: “Rogo-vos, portanto, que sejais meus imitadores”.

Apesar de se considerar o “principal dos pecadores” (I Tm 1:15) e de ter sempre ao seu lado um “espinho na carne” (II Co 12:7) para que não se enalteça nunca, ele sabia que “nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus” (Rm 8:1) e que ele poderia ser usado como um modelo de alguém que foi acolhido pela graça de Deus, que superabundou onde abundou o pecado. Para Hendriksen, quando Paulo se apresenta para ser o modelo, que contraria aos inimigos da cruz de Cristo, isso significa que ele representava a “abnegação em contraste com a auto-complacência; humilde confiança cristocêntrica em lugar de arrogante presunção; idealismo versus indolência (…); e assim também espiritualidade em contraste com sensualidade, ou seja, inclinação para as coisas celestiais em oposição ao mundanismo”.

  1. Mas também se refere aos que andam conforme o meu exemplo. A ideia é que não existe apenas o Apóstolo Paulo a ser imitado. Ele disse que deveríamos também olhar para aqueles que andam conforme o: “exemplo que tendes em nós”. Paulo tinha consciência que outros também poderiam servir de exemplo. O autor do livro de Hebreus nos diz o mesmo: “sejais imitadores dos que pela fé e paciência herdam as promessas” (Hb 6:12).

Aplicação: O texto de Gênesis é fundamental para que compreendamos que Deus faz uma aliança com Abrão, antes mesmo que ele seja circuncidado, e promete que dela sairá uma grande nação semelhante as estrelas do céu. Mas o momento mais importante está no verso 6, onde lemos que Abrão creu no Senhor e o Senhor imputou isso como justiça. A justiça, portanto, vem pela fé e não pela prática de ritos ou de sacrifícios. Abrão se tornou, assim, o pai dos que iriam crer em Jesus (Rm 4:11). Assim como podemos usar Paulo como modelo, podemos, muito mais, usar o próprio Abrão como modelo daqueles que acreditam e que devem ser seguidos em sua fé. Pois, foi pela fé, que Abrão deixou sua terra e sua família para ir a um lugar que Deus ainda iria mostrar.

II. FUGIAM DOS INIMIGOS DA CRUZ (v. 18, 19)

  1. Eles eram os judaizantes-sensualistas. Desde o verso 2 até o 11 Paulo descreve a índole dessas pessoas de uma forma muito dura. Eles são comparados com cães (v. 2) e apregoam o que Paulo chama de “falsa circuncisão”. Ela é falsa porque é feita na carne e não no Espírito. Eles são capazes de mostrar elementos físicos e de exigir a prática de rituais para que alguém seja salvo. Mas não compreendem o que ocorreu na cruz. Segundo Balancin e Storniolo, Paulo escreve contra aqueles que não entendem que “em vez de colocar a salvação em ritos, observâncias legais e estruturas, a vida cristã se orienta pelo testemunho na esperança de um mundo radicalmente novo”. Na cruz Cristo estabeleceu um novo critério de entrada para quem deseja ser “povo de Deus”. E este critério não é a circuncisão do corpo, mas do coração.
  2. Paulo os descreve como inimigos da cruz. Para Hendriksen: “Se os amigos da cruz são aqueles que mostram em suas vidas que atingiram o espírito da cruz, ou seja, a abnegação (…), os inimigos da cruz são, então, aqueles que manifestam exatamente a atitude oposta, ou seja, a auto-indulgência. Os inimigos da cruz amam o mundo e as coisas que há no mundo. Balancin escreve que “Jesus que, feito homem e morto numa cruz, recebeu do Pai o poder de conceder aos homens a salvação”. Mas é preciso olhar para a cruz com o coração de quem deseja as bênção advindas de lá. Não era o caso dessas pessoas.
  3. O fim deles é a perdição. A palavra “perdição” (apôleia) nos remete ao julgamento dos ímpios no juízo final. De fato Paulo já ensinara que o salário do pecado era a morte (Rm 6: 23) e que o Destino decretado por Deus é que o “fim deles será conforme suas obras” (II Co 11:15).
  4. O deus deles é o ventre. Sua destruição eterna se baseia, principalmente, porque o deus deles é seu próprio ventre (koilía). Esta expressão aponta para o que havia de mais precioso na vida deles. Para Champlin, “são apontados aqui os apetites físicos, não se podendo limitar essa alusão aos excessos de comida e de bebida tão-somente, porque ela envolve todos os pecados dos sentidos”. De onde deduzimos que estes homens tinham como senhores de suas vidas a comida, a bebida, o sexo, e toda espécie de prazer que o corpo pode exaurir.
  5. Sua glória está no que é vergonhoso. Isso significa que eles se orgulhavam naquilo que, na verdade, deveria servir de vergonha. Eles se vangloriavam no que faziam, ou seja, em sua própria desgraça.
  6. Só se preocupam das coisas terrenas. Em uma passagem paralela Paulo já ensinava que essas coisas terrenas eram as que inundavam os corações dessas pessoas. Coisas tais como: imoralidade, impureza, paixões desordenadas, maus desejos, avareza, mal temperamento, ira, malícia, blasfêmia, conversas torpes, etc (Cl 3: 2, 5, 8). Estas pessoas não têm ligação com as coisas dos céus ou de Deus. São cidadãos do mundo. São mundanos.

Aplicação: Na leitura do Evangelho de hoje encontramos uma palavra dura de Jesus contra os fariseus e contra os habitantes de Jerusalém. Jesus disse: “Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejam aqueles a quem te são enviados! Quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, como a galinha ajunta a sua ninhada debaixo das asas, e não o quiseste!” (Lc 13: 34). A arrogância dos israelitas fez com que eles rejeitassem aqueles que foram enviados por Deus com a mensagem da salvação. Da mesma forma, ainda hoje, há aqueles que rejeitam a salvação de graça, somente pela fé em Cristo. São os que exigem sacrifícios, dízimos e correntes que, na realidade, apenas os afastam mais do simples caminho da graça de Deus. Seus corações só pensam em dinheiro e mamom é seu deus.

III. ASSUMIAM A NOVA CIDADANIA (v. 20)

  1. Com Cristo em nossas vidas passamos a ter uma nova cidadania. Diferentemente daqueles que colocavam sua preocupação nas coisas terrenas e que tinham como deus o próprio ventre, os cristãos, tem sua pátria (politeuma), e ela está nos céus (en ouranois). Essa sociedade, com seus anti-valores, não podem significar, para um verdadeiro cristão, um espaço com o qual se possa criar algum vínculo de fidelidade.
  2. O que nos dá uma nova esperança. A esperança do cristão está naquele momento em que ele se encontrará com seu salvador. É verdade que naquele momento ele virá como juiz; mas para os cidadãos do Reino de Deus, ele nos acolherá com seus braços abertos dizendo: “vinde, benditos de meu Pai. Recebei por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo” (Mt 25:34).
  3. Que transformará seus filhos. Segundo Paulo, o “corpo da nossa humilhação” será transformado conforme o corpo da glória de Cristo. A palavra usada por Paulo (metaskêmatizei to sôma) para transformação do corpo é importante. Porque para os gregos daquela época, o corpo era visto como algo ruim, imperfeito e sombra de uma realidade perfeita no mundo das ideias. Mas Paulo nos ensina que nosso próprio corpo, que já é templo do Espírito Santo, será transformado de um corpo de humilhação em um corpo de glória, tal qual o de Cristo, quando ele vier.
  4. Que submeterá todas as coisas a si. Ele, por seu “eficaz poder” (energéian tou dunasthai), diz Paulo, submeterá todas as coisas a si mesmo. Comentando este texto, diz Hendriksen: “Maravilhosa é a energia da dinamite de Cristo, isto é, do seu poder. Esta energia é seu poder em ação, o exercício do seu poder”. No momento certo; no dia certo; quando menos se esperar, ocorrerá a manifestação de seu poder. Neste dia, quando ele vier “com poder e glória”, serão separados os cidadãos do mundo e os do Reino de Deus.

Conclusão: A cruz é o critério para julgar quem são os verdadeiros seguidores de Jesus. Uma igreja madura é aquela que olha para a cruz e vê nela aquele que nos mostra o caminho a seguir. E para segui-lo, teremos, nós mesmos, que tomar a nossa própria cruz. Eis o Evangelho que Paulo pregava. Não o Evangelho da vitória, do poder e da conquista. Mas o Evangelho da humilhação, da morte, da entrega. Que Evangelho está sendo pregado em nossas igrejas hoje? O da cruz ou o da prosperidade? Que sejamos capazes de dizer como dizia o autor do velho hino: “Sim eu amo a mensagem da cruz/ Té morrer eu a vou proclamar/ Levarei eu também minha cruz/ Té por uma coroa trocar”.

 

 

Sermão do 3º Domingo da Quaresma

(Êxodo 3:1-13; I Coríntios 10: 1-13; Lucas 13: 1-9)

TEMA: Igreja: Comunidade perseverante (I Coríntios 10: 1-13).

Introdução: Certa vez um autor chamado Kling escreveu algumas palavras que bem poderiam ser aplicadas à igreja em Corinto: “Nem os membros da igreja cristã e nem os eleitos podem ser salvos, a menos que perseverem na santidade; e não podem perseverar na santidade sem uma contínua vigilância e sem um constante esforço. A segurança falsa acerca do nosso poder de resistir às tentações repousa sobre uma confiança exagerada em nossa própria força”.

Elucidação: Dentro do contexto, Paulo continua a fazer uma dura censura aos coríntios, agora dizendo, com base na história, que, o fato de se ter gozado de altos privilégios diante de Deus não é sinal de garantia de acesso à bem-aventurança eterna. Os israelitas viram sinais extraordinários da parte de Deus, mas somente duas pessoas (Josué e Calebe), de toda a multidão que saiu do Egito, entraram na terra prometida. Pensando nisso, precisamos crescer e assumir uma postura de Igreja amadurecida. Para tanto, é necessário que compreendamos pelo menos três realidades:

I. PODEMOS ATÉ TER SIDO TESTEMUNHA DA AÇÃO DE DEUS (v. 1-5)

  1. Estiveram sob a nuvem. A nuvem servia de orientação divina e de proteção contra o sol escaldante do deserto (Êx 13:21, 22; 14:19, 24).
  2. Atravessaram o mar. A experiência de ver o mar se abrir, atravessá-lo e, em seguida, assistir a derrocada dos exércitos de Faraó, certamente foi uma cena marcante que jamais sairia da mente daqueles que a assistiram.
  3. Receberam o batismo que os ligava a Moisés. Assim como o batismo cristão tem o sentido de nos colocar sob a liderança de Cristo, o Senhor, ao passarem pelo mar, os israelitas se sentiram absolutamente sob a liderança de Moisés (ver Êx 14:31).
  4. Comeram e beberam do mesmo alimento espiritual. O fato de Paulo se referir ao maná e à água como “espiritual”, não significa que ele esteja duvidando de sua realidade física, mas acentuando sua origem divina. É interessante que neste momento Paulo faz referência à uma lenda corrente entre os judeus que afirmava que uma rocha seguia os israelitas em todas as suas perseguições. Talvez, como sugeria Calvino, essa rocha que os seguia e que os alimentava com pão e água, fosse uma referência ao que mais tarde chamaríamos de “sacramentos”. Afinal, ainda hoje somos alimentados pela Rocha que é Cristo e que nos segue onde quer que formos.
  5. Mas a maioria deles não agradou a Deus. Paulo começa o texto usando uma forte adversativa (alla), ou seja, entretanto, para mostrar que apesar de tantas manifestações de poder e de cuidado, a maioria deles não agradou a Deus e caiu no deserto. Leon Morris nos diz que: “o verbo katasrônnumi empresta um toque pitoresco. Na verdade significa ‘esparramar’. Paulo retrata o deserto como juncado de cadáveres”. Não se trata simplesmente de morte natural. A ideia é que eles receberam a sentença de Deus por causa de sua rebeldia.

Aplicação: A leitura de Êxodo nos mostra que Deus, por sua misericórdia levanta pessoas para buscar e salvar o povo de suas aflições e guiá-los pelo deserto. Mas, mesmo que essas pessoas tenham a maior reverência para com Deus, é preciso que todo o povo assuma a mesma atitude. Tire as sandálias dos pés em sinal de reverência ao que Deus está fazendo. No entanto, muitas vezes, ao invés disso, se transformam em murmuradores e em julgadores dos ministros de Deus, olhando para o passado de escravidão no Egito como algo melhor do que a libertação proposta por Deus. Não podemos cair nos mesmos erros. Paulo começa o verso 6 dizendo que deveríamos usar esta história como tupoi, ou seja, exemplo para nós mesmos.

II. MAS DEVEMOS USA O FRACASSO DO PASSADO COMO EXEMPLO (v. 6-10)

  1. Para não cobiçarmos coisas más. Paulo começa o verso 6 dizendo que deveríamos usar esta história como tupoi, ou seja, exemplo para nós mesmos. E a primeira coisa que precisamos evitar é a atitude de cobiça (epithumêtás), que no Novo Testamento é empregada em referência às paixões más.
  2. Para não nos tornarmos idólatras. Paulo usa a palavra eidôlolátrai mas ela deve ser vista num sentido muito mais amplo do que simplesmente adorar uma imagem de escultura. Champlin nos diz que “Sua maldade particular, sua perversão e dano se acham no fato que ‘furta’ a Deus de sua legítima posição de Senhor e único ente adorável no universo”. Hoje, mesmo sem utilizar esculturas, adoramos o poder, o sucesso, a notoriedade, o dinheiro e o status que essa sociedade paganizada nos oferece.
  3. Para não nos entregarmos à imoralidade. A relação entre a idolatria e a imoralidade (Paulo usa a palavra pornê, que aponta para todo tipo de pecados morais de natureza sexual) é conhecida em Corinto, onde os templos possuíam prostitutas cultuais, mas Paulo está fazendo referência à Números 25 onde os israelitas se prostituíram com as filhas dos Moabitas e, como julgamento, pereceram cerca de 24 mil pessoas.
  4. Para não tentarmos ao Senhor. Paulo usa a palavra peirazô que significa “provar” tendo em vista à reprovação da pessoa. Diferente do verbo dokimazô que também significa provar, mas que tem em vista uma pessoa que será aprovada no teste. O povo estava pondo Deus a prova para vê-lo cair e fracassar no seu intento de levar os israelitas até à terra prometida.
  5. Para não murmurarmos contra Deus. Murmurar é o mesmo que resmungar ou queixar-se. Paulo diz: “Quem julga estar em pé, tome cuidado para não cair”. Em todo o período em que Israel peregrinou pelo deserto é possível ver inúmeras ocasiões de queixa e de murmúrio entre o povo. Neste texto, em particular, Paulo faz referência à Números 16, no qual a murmuração dos seguidores de Coré encontrou a punição divina

Aplicação: Na leitura do Evangelho de hoje lemos que durante a vida existem acontecimentos trágicos que podem acontecer com qualquer um de nós. Os que morreram quando a torre de Siloé caiu sobre eles não eram mais pecadores do que os demais moradores de Jerusalém. A lição de Jesus é clara. O agricultor cortará a figueira se esta não der fruto. Precisamos, pois, buscar sempre o arrependimento e confessar humildemente nossa condição de pecadores diante de Deus. 

III. AFIM DE APRENDER A ASSUMIR OUTRA ATITUDE (v. 11-13)

  1. Tudo o que ocorreu nos serve de exemplo e instrução. Ao que tudo indica, Paulo está escrevendo aos coríntios para que se preparassem para o que ele chama de “fins dos séculos” (télê tôn aiônôn). Para tanto ele usa a história dos israelitas no deserto como exemplo (tupikôs) escrito para nosso aviso (nouthesían), ou seja, advertência ou admoestação. Paulo não deseja que a igreja cometa os mesmos erros cometidos no passado.
  2. Portanto deixemos a arrogância. Como consequência os coríntios precisavam abandonar sua postura de arrogância ao pensar que, só porque era uma igreja com inúmeros dons espirituais, não poderiam cair. Por isso Paulo diz: “Aquele que pensa estar em pé, olhe, não caia” (v.12). Muitas vezes “pensamos” que estamos de pé, mas estamos redondamente enganados. Já caímos há tempo. Foi o que ocorreu com aquela igreja.
  3. Deus não nos deixa tentar além de nossas forças. Mas Paulo tem um conforto a dar antes de encerrar suas palavras. Assim como ocorreu com os israelitas, nenhuma tentação permitida por Deus estava além do poder de resistência deles. Nós, da mesma forma, não somos tentados por algo que esteja além de nossa capacidade de dizer “não”. Todas as tentações são “humanas” (anthôpinos). Caímos por nosso próprio desejo e nossa própria determinação.
  4. Deus nos dá forças para suportá-las e nos dá o livramento. Ademais, o texto nos diz que o próprio Deus nos dá a possibilidade e o poder (dunasthé) de resistir. A palavra usada por Paulo e traduzida como “livramento” (ekbasis), diz Leon Morris, revela a “figura de um exército preso nas montanhas e que escapa de uma situação insustentável por meio de uma passagem”. Paulo está nos dizendo que sempre teremos a nossa disposição a força necessária e o conforto necessários para nos livrar de toda a tentação. Nossa confiança tem que está nos Deus dos exércitos.

Conclusão: Depois de apresentar o exemplo ou a ilustração das disputas atléticas, tão valorizadas pelos gregos, como modelo para se perseverar na vida cristã, Paulo usa agora o exemplo dos israelitas do Antigo Testamento para mostrar a importância da perseverança para se atingir uma fé madura.

Na sociedade moderna somos diuturnamente tentados pelas mesmas tentações que os israelitas foram. Cabe a nós aprender com o passado e trilhar um caminho diferente. Para tanto precisamos aprender com a história. Afinal quem não atenta para o passado corre o perigo de cometer os mesmos erros. Se a história é senhora da razão, que nosso conhecimento do que ocorreu com os israelitas nos instrua a não seguirmos pelos mesmos caminhos.

 

 

Sermão do 4º Domingo da Quaresma

(Josué 5: 9-12; II Coríntios 5: 17-21; Lucas 15: 11-32)

TEMA: Igreja: Agência do Reino de Deus (II Coríntios 5: 17-21).

Introdução: Vivemos em uma realidade mundial socialmente conturbada. Conflitos ocorrem em vários continentes. Existe conflito na África, em Gaza, na Síria, na Coréia do Norte e, em escala menor, conflitos nas cidades que dizimam milhares de pessoas todos os anos, a maioria homens, negros, jovens e pobres. Existe esperança de reconciliação para essa geração? Existe possibilidade de paz e de perdão para facções que lutam para dominar um território em alguma comunidade nas nossas cidades?

Elucidação: O texto que lemos nos diz que, conquanto o homem esteja “brigado” com Deus por causa de suas posturas arrogantes e por causa de seu pecado, Deus mesmo tomou a iniciativa de providenciar a reconciliação entre Ele e sua criação. E neste quarto domingo da quaresma, refletiremos que a Igreja é a agência do Reino de Deus que promove a reconciliação entre os que estão separados. Não importa se são países, etnias, famílias, pais e filhos, amigos, etc. No Reino não há espaço para a separação se estamos “em Cristo”. Para tanto, veremos que a Igreja, enquanto agência do Reino de Deus, possui três características:

I. ELA É COMPOSTAS POR NOVAS CRIATURAS (v. 17)

  1. Porque estamos em Cristo. A ideia central desta união mística (em Kristô) é que agora fazemos parte de uma nova criação, não mais baseada em Adão, mas em Cristo. Estamos “nEle” porque estamos ligados visceralmente à ele. Ou como disse Champlin: “Há uma comunhão de nosso ser com o ser de Cristo”.
  2. As coisas velhas passaram. Os que estão em Cristo não se preocupam mais com o passado. Todos os erros, equívocos e pecados foram jogados no mais profundos dos mares. Deus não nos vê mais como pecadores mas como novas criaturas, regeneradas, refeitas e redirecionadas. Numa realidade assim, não há porque discutir o passado
  3. Tudo se fez novo. A participação de uma nova criação traz consigo a consequente mudança de perspectiva e de valores. Rienecker e Rogers nos dizem que “Aquele que está em Cristo tem experimentado o novo nascimento como parte da nova criação. A referência não é individual, mas se refere a toda a Igreja – todos os cristãos são parte da ‘nova criação’, e é por isso que podemos ser vistos como ‘novas criaturas’”. Por trás desta linguagem ainda se pode encontrar o hábito dos rabinos de identificar “nova criatura” com alguém que teve seus pecados perdoados.

Aplicação: No texto de Josué, Deus nos diz que aquela realidade de vergonha e de humilhação que seu povo passava no Egito, agora deveria ser esquecida. Uma nova realidade surgia. Agora, os israelitas comeriam – não mais o maná da peregrinação pelo deserto, mas os frutos da terra de Canaã, que mana leite e mel. Assim ocorre com todos os que foram reconciliados com Deus, entraram em uma nova realidade espiritual.

II. ELA POSSUI O MINISTÉRIO DA RECONCILIAÇÃO (v. 18, 19)

  1. Nós que primeiros fomos reconciliados por meio Cristo. A reconciliação já é uma realidade para os cristão porque Cristo já nos reconciliou (katallaksantos – no aoristo) consigo mesmo. Deus reconciliou o mundo com Cristo e por meio dele. A ideia é que ele já demoliu as muralhas que nos separavam dele e efetuou uma mudança completa, nos transformando e reconciliando com ele.
  2. Cujo propósito é reconciliar, consigo, o mundo. Mas seu propósito é ir mais adiante e reconciliar consigo o mundo (kósmos), ou seja, todas as pessoas. O propósito de Deus é retirar todas as barreiras que o separam da humanidade. Nenhuma etnia está excluída de ouvir a palavra da reconciliação.
  3. Não levando em conta os delitos da humanidade. Em razão da reconciliação, Deus não imputa aos homens suas transgressões passadas. Conforme o comentário feito por Colin Kruse, “O cancelamento dos pecados das pessoas, agora livres de sua culpa (é nisso que consiste a reconciliação), Paulo o expressa em Romanos 4:8, em que cita Salmo 32:2: ‘bem-aventurado o homem a quem o Senhor não atribui iniquidade’. Paulo prossegue explicando que tal bem-aventurança não se restringe aos judeus apenas (‘a circuncisão’), mas recai sobre todos quantos crerem, inclusive os gentios (‘a incircuncisão’) (Rm 4: 9-12)”.
  4. Pôs em nós a palavra da reconciliação. Deus não apenas reconciliou o mundo consigo, mas também comissionou mensageiros para anunciar as boas-novas de alegria. E todos os que derem ouvidos à essa mensagem e, arrependidos, tiverem fé, experimentarão a alegria de se reconciliarem com Deus. Cada cristão, dessa forma, desde o batismo, é um comissionado a anunciar que Deus quer quebrar as barreiras de separação e fazer a paz entre Ele e a humanidade.

Aplicação: A leitura do texto do Evangelho nos fala da parábola do filho pródigo. Nela vemos o filho mais velho reconhecendo os erros cometidos e buscando a casa do pai. Nela vemos o pai que acolhe o filho arrependido e faz uma festa para celebrar a reconciliação. Mas nela também vemos o filho mais novo que, por causa do seu rancor, não quer ir participar da festa. Ele não quer estar na presença do Pai por causa do irmão. Que pena que muitos ainda ajam assim na Igreja e ainda se dizem ministros da reconciliação. 

III. ELA DEVE ATUAR COMO EMBAIXADORES (v. 20, 21)

  1. Somos representantes de Deus para fazer seu apelo. Paulo usa a palavra grega presbeuô, que literalmente significa “ser mais velho”, em política era a palavra usada para descrever um embaixador, ou seja, um representante de sua nação ou o legado de um Imperador. Obviamente Paulo está afirmando que nossa nação não se encontra nesse eon, ou nesse mundo. Nossa fidelidade não é com essa realidade, mas com uma outra muito superior e que vencerá esta velha realidade com seus velhos valores.
  2. E trazemos sua súplica: “reconciliai-vos com Deus”. Enquanto o Reino de Deus ainda não se manifesta plenamente entre nós, Deus chamou seus apóstolos (enviados) para anunciarem a reconciliação universal.
  3. Por meio de Cristo. As Escrituras dizem que aquele que não cometeu pecado, se fez pecador, para nele nos tornamos justos. Por trás dessas palavras podemos dizer que Paulo olha para Cristo e o identifica com os textos que falam do servo do Senhor (Is 53: 6-9) que carregou os pecados de todos. Isto significa que, por meio da cruz de Cristo, já podemos anunciar o fim da inimizade entre Deus e a humanidade inaugurando uma era de reconciliação universal. Colin Kruse entende que “Esta é a maneira pela qual Paulo (nesta carta) descreve a base sobre a qual Deus reconciliou-nos consigo mesmo. Mediante esta declaração, vislumbramos uma ideia sobre por que a cruz, como expressão do amor de Deus em Cristo, concentrava tão grande poder motivador na vida do apóstolo”. Deus tornou pecador aquele que não tinha cometido pecado, por amor de nós, ou seja, ele suportou as consequências de nossos pecados.

Conclusão: No chamado “Sermão da Montanha” o Senhor Jesus disse: “Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus” (Mt 5:9). Neste sermão temos o código de ética do cidadão do Reino de Deus. E uma das características exigidas daquele que tem uma relação com Cristo é que, ao invés de semear a discórdia e plantar a divisão, ele é alguém comprometido com a paz entre as pessoas; ele derruba as barreiras e une os que estão separados.

 

 

Sermão do 5º Domingo da Quaresma

(Isaías 43:16-21; Filipenses 3: 8-14; Lucas 20: 9-19)

TEMA: Igreja: Comunidade que olha para frente (Filipenses 3: 8-14).

Introdução: Existem pessoas que vivem suas vidas aprisionadas em um passado. Essas pessoas são nostálgicas e acreditam que o passado era melhor que o presente. Pessoas assim vivem olhando pelo retrovisor da vida, lembrando de momentos felizes, e se esquecem de observar os desafios que o presente nos coloca e as promessas que o futuro nos trará.

Elucidação: No contexto do texto que lemos, Paulo está advertindo a comunidade dos filipenses contra os falsos pregadores judaizantes, chamados por ele de “cães” (v 2) – apelido que os judeus davam aos pagãos. Segundo comentam Ivo Storniolo e Euclides Balancin, para estes pregadores, a salvação e a justificação perante Deus dependia de duas coisas: a circuncisão, pela qual a pessoa entrava no rol do povo de Deus, e da observância da Lei, que tornaria o homem justo. Paulo, ao revés, assevera que a prática de nenhum rito ou a observância de nenhuma lei tem a capacidade de salvar o homem. Para ele, salvação e justificação são dons de Deus, dados gratuitamente pela fé em Jesus Cristo. Esta fé nos leva a participar da morte e da ressurreição de Cristo e, muitas vezes, nos traz perseguição e até a morte.

Paulo está criticando aqueles que acreditavam que o modelo da teologia, da liturgia, da disciplina e da hermenêutica, está em algum lugar do passado. Para estas pessoas o labor teológico é apenas uma “reprodução” constante e ininterrupta do que já foi dito e pensado. Nada mais precisa ser pensado. Muito ao contrário, a Igreja precisa ser vista como uma comunidade que olha para frente. E dessa forma, manifesta pelo menos três características:

I. ELA ESTÁ DISPOSTA A DESCONSIDERAR O PASSADO (v. 8, 9)

  1. Por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo. A forma como a palavra “conhecimento” é usada aqui aponta, não apenas para algo que ocorre na mente, mas também que domina a vontade e o coração. Frank Stagg nos diz que “Conhecer a Cristo é mais do que conhecer algo a respeito dele. É o conhecimento que um sujeito tem a respeito de outro sujeito. É o relacionamento pessoal possível quando uma pessoa encontra outra em uma atmosfera de amor e confiança, onde há aceitação e dedicação”. Este tipo de conhecimento que temos de nosso Senhor é descrito por Paulo como “sublime” ou, como diz outra tradução: “excelente em grandeza”.
  2. Pelo qual, tudo o mais é refugo. Tudo aquilo que era considerado como seu maior valor e seu tesouro – ter sido circuncidado ao oitavo dia, ser da linhagem de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu de hebreu, fariseu, quanto a lei (v. 5), ou seja, os maiores valores de sua família e amigos – agora são desconsiderados. No Reino de Deus, afirma Barth, os “cumes se tornam abismos, a sua certeza, incerteza, a sua luz, trevas, o seu máximo, um mínimo”. Tudo o que Paulo tinha é considerado, agora, “refugo” (skubalon), ou seja, esterco, ou ainda o “excremento humano, a porção do alimento humano rejeitada pelo organismo (…) ou refere-se ao lixo e ao restos de uma festa, a comida que cai da mesa” (Lightfoot). Seja como for, Paulo fala com desprezo de sua antiga “segurança” baseada na prática de ritos e no cumprimento da lei.
  3. Para ganhar a Cristo. A expressão “ganhar” (kerdêsô) implica em lucro e em vitória. O subjuntivo é usado aqui numa oração adverbial que aponta para um propósito. E este propósito é ganhar Cristo. Champlin nos diz que “para alguém ganhar o verdadeiro ‘ganho’ é mister desfazer-se do ‘refugo’”. Segundo Calvino, “Com o uso dessa expressão, pois, Paulo dá a entender que não poderíamos mesmo ‘ganhar a Cristo’ de outra maneira, senão mediante a perda de tudo quanto possuímos. Pois ele que que sejamos ricos somente de sua graça”.
  4. E por ele ser justificado. Paulo, à luz do contexto, está nos dizendo que em Cristo existe uma nova compreensão de justiça. Ela não é mais vista como o resultado de nossas obras e do cumprimentos de ritos e obrigações. De fato, caminhar por esse caminho é seguir para a arrogância, o orgulho e a soberba. Em Cristo, afirma Frank Stagg, “ele buscou a justiça que vem de Deus e que é recebida através do canal da fé. É uma realização de Deus, e não do homem”. Esta é uma justiça imputada por Deus, gratuitamente, em todo aquele que crê.

Aplicação: No texto de Isaías (43: 16-21) o Senhor fala por meio do profeta que está prestes a fazer coisas novas, plenas de luz. Ele porá um caminho onde havia deserto, e um rio onde havia ermo. E Ele assim o fará para que seu povo possa beber água; o povo que Ele formará para si e para celebrar o seu louvor. Era natural que a Igreja interpretasse esse texto como uma profecia do surgimento da Igreja de Cristo.

II. ELA ESTÁ DISPOSTA E ENFRENTAR O PRESENTE (v. 10, 11)

  1. Ainda que isso signifique comungar dos seus sofrimentos. Seguir a Cristo implica em tomar a sua cruz e ser identificado com os mesmos valores que ele defende: honestidade, verdade, justiça, paz, humildade, etc. Fazer isso em uma sociedade consumista como a nossa é o mesmo que procurar sofrimento. Mas não podemos negar àquele que nos amou primeiro e por nós morreu. Os cristão vivem agora em comunhão (koinonia) ou participação do seu sofrimento (pathêma) ou suas dores. Lembremos que a palavra “sofrimento” tem origem em pathos, que significa “dor”, “sofrimento”, “aflição” e “agonia”. A comunidade que olha para frente está disposta a sofrer o que for necessário pelo amor de Cristo.
  2. Ainda que isso signifique conformar-se com ele em sua morte. Para que possamos viver com Cristo é preciso morrer com ele para esse velho mundo e para esses velhos valores. Esta é uma expressão forense na qual Paulo está dizendo que “Deus considera que fomos crucificados com Cristo, porquanto o pecado foi eliminado de nós, visto que a expiação se concretizou (Champlin). É preciso abandonar a obsessão pelo lucro, o individualismo e o consumismo para seguirmos um outro caminho, de partilha, de companheirismo e de repartição. A comunidade que olha para frente está disposta a morrer para os valores desse mundo sem Deus.
  3. Para alcançar a ressurreição dos mortos. Somente os que são aptos a compartilhar dos sofrimentos (pathêma) e da morte (thanatô) de Cristo, compartilharão de sua ressurreição (anastáseôs). Vivemos agora uma nova vida revestida em Cristo e na espera da ressurreição final, onde todas as realidades serão transformadas e os reinos desse mundo se tornarão o Reino de nosso Senhor Jesus Cristo. Segundo Frank Stagg, “É somente no seu poder que podemos ser ‘crucificados’ ou ‘morrer para viver’. Mas nele podemos participar dos seus sofrimentos e esperar a ressurreição, que para nós ainda é futura”.

Aplicação: Na leitura do Evangelho de hoje vemos uma parábola na qual o senhor plantou uma vinha e a arrendou a alguns lavradores. No devido tempo enviou um de seus servos para buscar sua renda. Os lavradores, porém, o espancaram. O dono da vinha enviou mais dois servos e ambos tiveram o mesmo fim. Finalmente resolveu mandar seu filho amado acreditando que nele, respeitariam. Os lavradores, contudo, sabendo que ele era o herdeiro, resolveram mata-lo para ficar com a vinha. Neste instante, pergunta Jesus? “Que lhes fará, pois o dono da vinha?” (Lc 20: 15). Ele mesmo responde: “Ele virá, os exterminará e passará a vinha a outros” (v. 16). Da mesma forma, uma igreja que olha para frente não pode se achar “dona da vinha” ou “detentora da autoridade de senhora da vinha”. A igreja é serva. E se seu Senhor, como semente, morreu para que de sua morte surgisse uma árvore frondosa como é o Reino, a igreja precisa estar disposta a sofrer e a morrer por seu Senhor e pelos valores do Reino de Deus. 

III. ELA ESTÁ DISPOSTA A ACOLHER O FUTURO (v. 12 – 14)

  1. Prosseguindo na conquista do que fui conquistado. Há, aqui, uma referência ao que ocorreu no caminho de Damasco (At 9: 3-6), onde Paulo, o “conquistador” e “perseguidor” da Igreja, foi “conquistado” por Cristo. Rejeitando fortemente a tese comum entre alguns filipenses de que agora eles haviam alcançado a perfeição – tese que se baseava no legalismo e em algum tipo de gnosticismo – Paulo convida os seus leitores a olharem para frente, para o alvo, para o fim de nossa vida. Este caminho tem que ser seguido com zelo. Este é sentido da palavra. Uma corrida feita por um fundista que se esforça para chegar até a marca de chegada.
  2. Esquecendo das coisas que ficaram para trás. Apesar de ter tido sucesso em sua vida pessoal e religiosa; apesar de ser, ainda jovem, líder dos fariseus em Jerusalém e de ter obtido fama e sucesso pessoais, ele prefere esquecer tudo isso. Ele simplesmente não olha para trás, ou seja, não se alimenta de seu passado, mas se volta totalmente para o futuro.
  3. Avançando para as que estão adiante. Originalmente Paulo escreve epekteinomenos para dizer que está “avançando”. Esta palavra, contudo, significa literalmente, “esticando-me”, nos levando a ver a postura inclinada para frente que todos os corredores revelam em seu tremendo esforço para atingir o alvo.
  4. Prosseguindo para o alvo: o prêmio da soberana vocação. Paulo, dessas forma, ou seja, como um fundista, prossegue (diôkô), persegue e segue na busca do alvo (skopon), ou seja, a meta que os corredores pretendem atingir. Este alvo é o “prêmio” (brabeion) da soberana vocação. A palavra “prêmio” no original, aponta para a recompensa que os atletas vencedores recebiam. Esse prêmio dizia respeito à vocação ou ao chamado que tanto ele quanto todos os cristãos compartilham. Todos fomos chamados ou vocacionados para a santidade, para o serviço e para o anúncio.

Conclusão: Às vezes me questiono sobre a natureza da Igreja. Será que ela é uma instituição cuja existência e razão de ser é a mesma de uma ONG ou de uma organização ou clube de serviço como a maçonaria, o Rotary Club ou Lions Club. Será que a Igreja tem o mesmo status que um partido político? Não! A Igreja é o Corpo de Cristo. É a principal agência do Reino de Deus, tendo a importante incumbência de levar a Boa-Notícia a todo o mundo. Para tanto, ela não pode estar presa ao passado, mas deve enfrentar os desafios do presente e voltar-se esperançosamente para o glorioso futuro que nos espera.

 

 

Sermão do Domingo de Ramos

(Isaías 52: 13-53: 12; Filipenses 2: 5-11; Lucas 23: 1-49)

TEMA: Igreja: Comunidade de servos (Filipenses 2: 5-11).

Introdução: O ilustre escritor e romancista espanhol Miguel de Cervantes (1547-1616) disse, em seu Colóquio dos cães, que “A humildade é a base e o fundamento de todas as virtudes e sem ela não há nenhuma que o seja”. De fato, todos os grandes homens da história foram capazes de reconhecer também sua fraqueza e fragilidade.

Elucidação: Estamos diante de um dos textos mais extraordinários produzidos pela pena do ilustre Apóstolo Paulo. Este é, provavelmente, um hino que era cantado na comunidade primitiva e que Paulo, deliberadamente, usa para demonstrar qual é o verdadeiro Evangelho de Cristo. E este verdadeiro Evangelho não é o “evangelho” do poder ou da glória, mas o Evangelho da humilhação. Aliás, se Cristo é apresentado por Paulo como o grande exemplo e modelo para a nova humanidade, ou bem o Evangelho é o Evangelho da cruz ou bem ele não é evangelho. Pensando nisso, podemos aprender nesse texto que, como Igreja, há três verdades que fundamentam a realidade de que a Igreja é uma comunidade de servos:

I. PORQUE DEVE TER O MESMO SENTIMENTO QUE JESUS TEVE (v. 5)

  1. Que subsistia em forma de Deus. Ao ler o versículo 5 percebemos que o principal apelo de Paulo à Igreja “é que a disposição ou sentimento que governava Cristo também governasse o seu povo” (Frank Stagg). É interessante perceber que Paulo usa a palavra grega proneité, uma palavra que se encontra na terceira pessoa do singular do presente do imperativo da voz passiva. O presente no grego, tem a ideia de pontilinearidade, ou seja, de uma realidade que se estende adiante, apara além do aqui e do agora; o imperativo traz consigo a noção de que estamos diante de uma ordem e que, portanto, não temos a escolha de dizer “não” à ordem de Paulo. A voz passiva implica que a mudança deveria surgir de dentro de nós mesmos e não de uma imposição externa, ou seja, precisamos “querer” ter o mesmo sentimento que estava em Cristo. E que sentimento era esse? A humildade. Essa humildade se revela pelo fato de que Cristo “subsistia em forma de Deus”, mas mesmo assim, em um gesto abnegado, humilhou-se e assumiu a forma humana de servo.

Dizer que ele “subsistia em forma de Deus” é muito mais que dizer que ele “se parecia” com Deus. A ideia que ele “subsistia” (uparchon) indica um simples sinônimo de que ele “era” (einai) da mesma forma de Deus. A palavra usada por Paulo para forma é morphê, que enfatiza “o relacionamento entre a forma exterior e a realidade interior, mostrando-se a natureza interior na forma externa” (Frank Stagg). No entanto, na septuaginta, morphe é sinônimo de semelhante (homióma). Portanto Cristo jamais abriu mão de sua forma de Deus (sua divindade) a fim de assumir a forma de servo.

  1. Que não usurpou essa realidade. Diferentemente do primeiro Adão, que procurou usurpar ou agarrar essa realidade (Gn 3:5), Cristo já subsistia como Deus, ou seja, ele já possuía a divindade. Para Champlin “Cristo não reputou sua igualdade divina como um prêmio que devesse ser agarrado e retido a todo o transe”. A palavra usada no original (arpagnós) tem o sentido ativo “roubando” e passivo “prêmio adquirido pelo roubo”. A ideia é que Cristo não se serviu de sua igualdade a Deus para adquirir ou ter poder, domínio, riquezas, prazer e tantas outras glórias mundanas. Ele abriu mão da forma divina mas permaneceu com a natureza divina.

Aplicação: O texto de Isaías nos fala do Servo sofredor cuja aparência estava desfigurada e em quem não havia formosura. Ele foi desprezado e rejeitado; era um homem de dores e que soube o que significava padecer. Ele foi transpassado e moído por nossas iniquidades e pecados. Ele foi oprimido e humilhado, mas não abriu sua boca. No entanto, ele verá o fruto de seu trabalho e ficará satisfeito. Ele justificará a muitos porque levou sobre si a iniquidade de nós todos. E com os poderosos repartirá o despojo.

Assim é a Igreja. Ela, à semelhança de seu Senhor também deve passar pela experiência da dor e da cruz. Muito embora existam tantos pregadores que anunciem que a Igreja pode “profetizar” e “determinar” e que o próprio Deus tem que no obedecer, no Evangelho de Cristo, somos, antes de tudo, servos, e servos inúteis. Tendo o mesmo sentimento que estava em Cristo, que veio servir e dar sua vida em resgate de muitos.

II. PORQUE DEVE ESVAZIAR-SE A SI MESMO (v. 7)

  1. Esvaziando-se a si mesmo. A palavra “esvaziou-se” no grego (ekenôsen), significa literalmente “derramar a sua vida”. Ora, existem alguns teólogos (kenotistas) que advogam que Jesus, ao esvaziar-se se si mesmo, abandonou sua divindade. Ora, afirma Frank Stagg: “A divindade de Cristo não é uma capa que possa ser despida e mais tarde vestida de novo. Ele devia desistir de privilégios ou abrir mão de uma situação favorável, mas não podia pôr de lado a sua natureza”. Da mesma forma pensa Hendriksen que resume tudo dizendo que “A inferência natural é que Cristo se esvaziou de sua existência-numa-forma-de-igualdade-a-Deus”. E para L. Berkhof “…o verbo ekenosen (ele esvaziou-se a si mesmo) não se refere a morphe theou (= forma de Deus), mas a einai isa theo, ou seja, a sua existência em igualdade a Deus”. Sua kenosis, ou derramamento, não significa que ele abandonou sua divindade, mas que ele derramou sua vida para Deus, “em autonegação humilde e obediente, recusando-se, de todas as formas, a agir egoisticamente”, assevera Frank Stagg.
  2. Assumindo a forma de servo. Segundo Paulo, Cristo assumiu a “forma de servo” (morphên doulou). Ao dizer isso, Paulo não estava dizendo que ele estava representando um papel. Ele realmente assumiu a condição de servo ou escravo (doulos). Esta palavra aponta para uma realidade que não estamos acostumados a ver em nosso país; ela fala de escravidão. Cristo tornou-se escravo para libertar a nós, que éramos escravos do pecado.
  3. Tornando-se semelhante aos homens. A palavra “semelhante” (omoiôma) aqui, significa mais do que apenas “similar”. Significa “real duplicação da natureza”. A fé cristã primitiva, desde cedo afirmou que Deus se fez carne e habitou entre nós. Ele assumiu a natureza humana para identificar-se com os humanos em todas as suas dores e sofrimentos e, desta forma, poder nos libertar completamente.

Aplicação: No texto do Evangelho de hoje Jesus é levado perante Pilatos, Herodes e depois levado ao calvário para ser crucificado. Em nenhum outro momento de sua vida ele revelou de forma mais clara sua determinação em esvaziar-se, assumir a forma de servo e, como homem, levar a nossa cruz. Pilatos não viu nele crime algum (23:4). Herodes, ladeado dos principais sacerdotes e escribas, age politicamente e zomba de Jesus, fazendo-o vestir um manto aparatoso. Retornando à Pilatos, esse lava as mãos e o entrega à multidão que clamava por sangue. O destino de Jesus estava selado.

Ao olharmos para a cruz todos nós deveríamos nos ver lá, derramando nosso sangue e morrendo por nossos pecados. Mas se hoje podemos afirmar que a Jesus levou a cruz que era nossa, podemos afirmar que com ele morremos e estamos dispostos a pagar o preço de seu seguimento. Afinal, quem quiser segui-lo deve tomar diariamente sua cruz (Lc 9:23). 

III. PORQUE DEVE HUMILHAR-SE A SI MESMO (v. 8)

  1. Tornando-se obediente. Cristo, de todas as formas, foi obediente (ypêkoos) à seu Pai (Hb 9: 5-9) e tudo fez para realizar sua vontade; ademais não poderia ser diferente já que ele mesmo era igual ao Pai (v.6). Uma vez assumida a condição de escravo ele foi absoluta e completamente obediente à lei e ao plano do Pai de remir a humanidade.
  2. Mesmo que isso nos leve à cruz. Sendo levado até a cruz, Cristo foi comparado a um criminoso qualquer. Para Champlin “Essa era a mais patente ilustração possível de humildade que se poderia fazer na sociedade antiga”. Segundo afirmam Ivo Storniolo e Euclides Balancin, “Os cristãos são convidados a fazer o mesmo: abrir mão de todo e qualquer privilégio, até mesmo da boa fama, para colocar-se a serviço dos outros, até o fim”. Isto significa que devemos ser capazes de assumir uma postura de abnegação. Mas devemos compreender, conforme afirma Frank Stagg, que abnegação não significa “ódio a si mesmo, autodesprezo ou rejeição do ego. O que significa é a recusa em deixar que os interesses ou vantagens pessoais governem o curso da vida”.

Conclusão: Este dia é um dia especial no calendário da Igreja Cristã. Nele celebramos a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, mas também celebramos o início de sua última semana, que se encerra com sua morte e Ressurreição. Hoje, os habitantes de Jerusalém o recebem com alegria e dizendo hosana nas alturas; mas no transcorrer da semana ele será traído e morto em uma cruz por cada um de nós.

No dia de hoje devemos refletir sobre a multidão que hoje clama “Hosana ao que vem em nome do Senhor”, mas que na sexta clamará “crucifica-o!”. é a mesma multidão, o mesmo povo. Mas um povo volúvel e ignorante das verdades de Deus. Como seus discípulos, nunca devemos esquecer que, unidos com Cristo em sua humilhação, estaremos unidos com ele em sua glória (v. 9-11).

 

 

Sermão do Domingo da Ressurreição

(Isaías 51: 9-11; Colossenses 3: 1-4; Lucas 24: 1-10)

TEMA: Igreja: Comunidade dos ressuscitados (Colossenses 3: 1-4).

Introdução: Quando eu ensinava direito em uma faculdade de Natal, encontrei, certo dia um colega que acabara de chegar de Paris e que, diferentemente de falar euforicamente sobre a Torre Eiffel ou a Catedral de Notre Damme, ele fez questão de falar de sua euforia ao visitar o cemitério mais pop do mundo, o Père Lachaise, onde, além dos 70 mil túmulos, ele encontrou o túmulo de seu grande ídolo Jim Morrison. Além dele, é possível encontrar lá, também a sepultura de pessoas como os escritores Molière (1622-1673), Honoré de Balzac (1799-1850) e Oscar Wilde (1854-1900), o músico Frédéric Chopin (1810-1849) e o espírita Allan Kardec (1804-1869).

Elucidação: No contexto desses versículos aprendemos que o caminho para a maturidade espiritual não passa por revelações especiais e secretas nem por uma disciplina autopunitiva de flagelo. Tudo o que é necessário é compreender e viver tendo como base nossa morte e ressurreição “com Cristo”. Qualquer outro caminho que fuja desses padrões estão fadados a ter uma noção errada da realidade celestial e, por via de consequência, a agir infrutiferamente na esfera humana. Para tanto, Paulo estabelece nestes versículos, três elementos que explicam porque a Igreja já está ressuscitada com Cristo.

I. PORQUE BUSCAM AS COISAS DO ALTO (v. 1)

  1. Buscam as coisas do alto. Quando Paulo fala em buscar ou procurar (zêteite) as coisas do alto (anô), ele está se referindo a uma atividade contínua e habitual. Esta realidade se deduz a partir do tempo presente do verbo. Esta busca se dirige às coisas do alto, ou seja, ao mundo celestial, que está em contraste com as coisas da terra, que são citadas no verso seguinte. A palavra “buscar” traz consigo a ideia de uma atividade prática e corriqueira. Segundo Ralph Martin, esta palavra “significa a orientação da vontade do homem (…) que pode ser dirigida ou para um alvo sem proveito (Rm 10:3; I Co 1:22) ou para finalidades que valha a pena”.
  2. Vez que já estão ressuscitados juntamente com Cristo. Esta expressão, conforme Ralph Martin, “relembra a nova vida que começou numa resposta da fé e que foi certificada no batismo (2: 12)”. Esta é uma experiência que todos os cristãos têm em comum. O “se” que aparece no início de algumas traduções, não é uma cláusula condicional nem revela alguma incerteza. O “se” significa, “visto que”.
  3. Que vive à destra de Deus. Estar assentado à direita (deksia) significa assumir uma posição de honra, ao lado de Deus. Para Champlin, o que temos aqui é uma “metáfora baseada nas cortes reais. Aquele que ocupava esse lugar era quem mais era honrado pelo rei, o primeiro príncipe a receber autoridade por delegação”. Estar “assentado” significa que ele assumiu a postura de quem já terminou sua missão terrena.

Aplicação: O Texto de Isaías nos convida a despertar para a realidade de que aquele que abateu o Egito e fez secar o mar, coroará de perpétua alegria a cabeça daqueles que forem resgatados por ele. Estes jamais experimentarão a dor ou o sofrimento novamente. A Igreja sabe que seu futuro está ao lado de seu Senhor e seu Deus. Mas é preciso assumir a postura de buscar as coisas do alto e abandonar as coisas desse velho mundo.

II. PORQUE PENSAM NAS COISAS DO ALTO (v. 2)

  1. Pensam nas coisas do alto. Se no verso primeiro Paulo fala em “buscar”, agora ele fala em “pensar” nas coisas do alto. Esta palavra no original grego (froneite), difere do primeiro, porque é empregado mais para se referir à disposições interiores e íntimas. Ela também pode ser traduzida por “considerar”, “pensar”, “fixar a mente sobre”. Para Ralph Martin, a esfera desta palavra “é mais aquela da motivação, à medida em que o motivo determina uma linha de ação e de conduta do indivíduo”.
  2. Não nas que são da terra. Uma vez que pensamos nas coisas do alto, não nos conformamos mais ao estilo de vida “do mundo”. Justamente porque já abandonamos o compromisso com o “projeto” deste mundo, não podemos voltar à escravidão. O que temos diante de nós é a liberdade para a qual Cristo nos libertou. Esta liberdade deve, agora, inspirar e controlar nossa vida.

Aplicação: O apóstolo Paulo, escrevendo aos Romanos nos diz que não devemos nos conformar com esse mundo, ou seja, não devemos tomar a mesma forma do mundo, mas nos deixar transformar pela renovação de nosso espírito. Será que estamos dispostos a assumirmos uma posição de contracultura frente a uma sociedade cujos valores são os mais indignos e vis que já vimos na terra? Quem renasceu com Cristo tem sua mente e sua disposição voltada para as coisa de Deus. 

III. PORQUE ESTÁ MORTA (v. 3,4)

  1. Nossa vida está oculta com Cristo, em Deus. Se estamos mortos com Cristo, nossa vida está escondida (kekruptai) com Cristo em Deus. A idéia é que estamos, agora, sepultados, com Cristo. Para Johnson (In Rienecker & Rogers), há três ideias sugeridas aqui: “segredo, onde a vida do cristão é nutrida por fontes secretas; segurança, ‘com Cristo em Deus’ marca uma dupla proteção; identidade, o crente é identificado com o Senhor ressurreto”. É preciso notar que o tempo perfeito em “está”, aponta para uma realidade completa que surge de uma ação no passado.
  2. Quando Ele se manifestar, nos manifestaremos com Ele. A utilização da palavra manifestação (fanerôtê), que se traduz por “manifestar”, se refere claramente à vinda no Senhor na qual o véu é retirado e as coisas ocultas aos nossos olhos, sejam iluminadas. Segundo Ralph Martin, “Na parousia, aqueles que agora são chamados para participar de sua liberdade receberão a aprovação divina no cumprimento do propósito de Deus ao aceita-los como sendo dEle próprio”.

Conclusão: No texto do Evangelho de hoje, vemos o relato da ressurreição de Jesus. Nosso Senhor morre, é sepultado, mas a morte não é capaz de segurá-lo. Quando as mulheres vão, no primeiro dia da semana, logo de madrugada, para tratar o corpo do Senhor com aromas, elas encontram a pedra removida e o túmulo vazio. Neste momento, dois homens com vestes resplandecentes aparecem e dizem: “Por que buscai entre os mortos ao que vive?”. Como citei na introdução, se quisermos visitar o corpo de qualquer indivíduo eminente da história, há uma enorme possibilidade de que você consiga. Mas o corpo de Jesus não está mais aprisionado na sepultura. Ele não está morto, mas reviveu! E mais, sua ressurreição, que celebramos hoje, garantiu também a nossa, vez que estamos nEle e nossa vida está escondida com Cristo em Deus.

 

 

Sermão do 2º Domingo da Páscoa

(Jó 42: 1-6; Apocalipse 1:1-8; João 20: 19-31)

TEMA: Cristo, o centro do projeto de Deus na história (Apocalipse 1:1-8).

Introdução: Certo dia, quando estava dando aula de filosofia jurídica em uma das faculdades de Direito de minha cidade, fui interpelado por uma de minhas alunas do quinto ano, ao colocar o tema da aula daquele dia (Aristóteles) e, sem seguida escrever na lousa os anos em ele nasceu e morreu (384-322 aC.). Segundo minha aluna eu estava errado porque ninguém poderia nascer em um ano maior do que o de sua morte. Foi neste momento em que eu chamei sua atenção para as duas letras “aC”. Então passei a explicar que nossa história, quer reconheça ou não o senhorio de Cristo, admite que o nascimento de Nosso Senhor e seu ministério foram tão importantes, que a própria história está dividida em antes e depois dEle.

Elucidação: O livro da Revelação (em grego apokalupsis) foi escrito pelo Apóstolo João enquanto esteve preso na ilha de Patmos, em torno do ano 96 dC. Sua linguagem, cheia de elementos da cabala judaica, era uma forma de se comunicar com as Igrejas da Ásia Menor sem que a carta fosse confiscada pelos soldados romanos. Ele não é um livro enigmático, é apenas um texto escrito em uma linguagem e com recursos literários que qualquer judeu daquele momento histórico (e não nós no século XXI) entenderia sem dificuldade. Seu conteúdo é muito claro: com a morte e ressurreição de Jesus, o Reino de Deus e o juízo final estão próximos. Neste contexto, de perseguição, é dever da Igreja continuar anunciando que Jesus é o Senhor. Assim como o Pai agiu no passado, e no presente, ele agirá no futuro, revelando seu Filho como centro de seus projetos e de suas ações. E é por isso, porque a glória e o poder pertencem a Ele, que o Filho é designado como o centro do projeto de Deus na história ao ser chamado de três formas diferentes nos versículo 5:

I. PORQUE ELE É A TESTEMUNHA FIEL (v. 5)

  1. A própria origem da palavra grega “testemunha” (martus), de onde vem a palavra “mártir”, associada ao adjetivo “fiel” (pistós), já nos revela que na mente de João, Jesus foi fiel em seu testemunho até a morte. Não há aqui um incentivo ao martírio – até porque, segundo Stott, o sentido original da palavra não está relacionado à morte – mas a declaração óbvia que a os cristãos, à semelhança de seu Senhor, devem ser fiéis mesmo que isso implique em martírio. Aliás, desde 1:2 Ele é chamado de testemunha.
  2. A ideia do “testemunho” está sempre presente no Apocalipse. Esta palavra é retirada da esfera jurídica e, particularmente do tribunal, onde alguém testemunha ou dá seu relato e mostra as provas do que aconteceu, sendo capaz de morrer pelo que afirma. Em um momento de perseguição, Jesus é a principal testemunha (v. 5, 3: 14; 19:11). E seguir seu exemplo de prestar o mesmo testemunho, pode levar o cristão ao martírio (12:11). Já se disse que o próprio livro é um testemunho que procura fortalecer as testemunhas”. Conforme afirmam Storniolo e Balancin, por que “revelou e realizou o projeto do Pai até o fim, dando a vida por amor aos homens”

Aplicação: É muito interessante considerar que o apóstolo são Paulo, escrevendo aos Coríntios (4:12) já havia escrito que: “Além disso requer-se dos despenseiros que cada um se ache fiel”. Em outras palavras, assim como nosso Senhor foi fiel em seu ministério terreno, Deus requer que seus discípulos e seguidores sejam igualmente fies ao chamado. Nossa fidelidade não deve ser dividida ou entregue a qualquer outra pessoa ou condição (econômica, social, etc.), mas dedicada exclusivamente à Jesus Cristo.

II. PORQUE ELE FOI O PRIMEIRO A RESSUSCITAR DOS MORTOS (v. 5)

  1. É interessante notar que talvez haja aqui uma dependência do texto que Paulo escreveu aos colossenses (1:18) e que também registra a intensão do Apóstolo aos Gentios, em que essa carta circulasse entre as demais igrejas (Col 4: 16). Muito provavelmente essa linguagem – primogênito dos mortos – é de origem paulina.
  2. É interessante também ver nas notas da chamada Bíblia de Genebra que lá se diz: “A ressurreição e a nova vida de Cristo suprem as necessidades da nova vida de seu povo (2.8; 5.9,10; 20.4,5) e da renovação do próprio mundo (22.1).
  3. Segundo a leitura feita por José Bortolini, “A vitória de Jesus sobre a morte abriu o caminho da vida para todos os seus irmãos. Jesus é como o irmão mais velho (primogênito). Todos nós, seus seguidores, já vencemos com ele a morte e a injustiça”.
  4. De acordo com o que pensam Storniolo e Balancin, por que vencendo a morte e o pecado, tornou-se, assim, o “início de uma nova humanidade”.

Aplicação: O texto do Evangelho de hoje revela Jesus aparecendo entre os discípulos em duas ocasiões. Em ambas chama-se a atenção para Tomé, que estava ausente no primeiro encontro e presente no segundo. Entre os dois encontros, Tomé rejeita o testemunho dos demais discípulos e nega acreditar que Jesus está vivo. Eis que Jesus aparece uma segunda vez, olha para Tomé e lhe estende a mão dizendo: “Põe aqui o dedo e vê as minhas mãos… não seja incrédulo, mas crente” (Jo 20: 27). Imediatamente Tomé cai de joelhos aos pés de Jesus e declara solenemente: “Meu Senhor e Meu Deus!” (v. 28).

Tomé assume a posição que nós, enquanto Igreja devemos assumir: diante do ressuscitado não podemos tratá-lo como mais um, ou como um qualquer. Sua ressurreição o coloca na condição de criador de um novo povo e de uma nova realidade. Em Cristo, tudo se faz novo.

III. PORQUE ELE É O CHEFE DOS REIS DA TERRA (v. 5)

  1. Conforme muito bem escreve José Bortolini, afirmar-se que Ele é o Chefe dos reis da terra, “não significa que Jesus seja o líder dos poderosos injustos. Pelo contrário, essa expressão é uma profissão de fé. É a mesma coisa que afirmar que Jesus é o único Senhor”.
  2. Para os comentadores Storniolo e Balancin, por que no contexto vemos que Jesus virá para implantar seu Reino e, desta forma, Ele “está acima de todos os poderosos e reúne os homens, para fazer deles um Reino, onde todos são sacerdotes da aliança com Deus Pai”.
  3. Já para o comentarista Morris Ashcraft, “João pretende contrastar o governo fraco e transitório dos reis de Roma, que então perseguiam a Igreja, com o reinado poderoso e permanente de Cristo, ‘Senhor dos senhores e Rei dos reis’ (17:14; 19:16)”. Esta é a mesma opinião sustentada por George Ladd quando postula que, durante aquele momento específico, havia uma crescente tendência de deificar e adorar os imperadores de Roma. Conforme suas palavras, “Os imperadores estavam começando a usar o título de deus. Júlio César, Augusto, Claudio, Vespasiano e Tito tinham sido declarados oficialmente como divinos pelo senado romano depois de sua morte, e os últimos três usaram o termo DIVUS (divino) em suas moedas”. Na época em que João escreveu o livro da Revelação, o imperador Domiciano havia avançado ainda mais nessa tendência ao exigir que fosse chamado de Dominus et Deus ou seja Senhor e Deus. Esta adoração era particularmente popular na Ásia Menor e em Éfeso, justamente a sé joanina. E é para essa igreja e as demais da Ásia que o livro da Revelação foi escrito com a intensão de dizer que Jesus é o Senhor.

Conclusão: No texto do livro de Jó encontramos o final de um grande debate sobre o sofrimento e o sentido da vida, na qual, aquele homem que inicia o texto cheio de convicção de seus direitos, por ser íntegro, reto e temente a Deus (1:1), agora diz: “Bem sei que tudo podes e que nenhum de seus planos podem ser frustrado. (…) Eu te conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos te veem” (42:2, 5).

No livro da Revelação, como bem diz a palavra, as cortinas se abrem para descobrirmos que, apesar de termos a impressão de que os reis deste mundo estão no poder e levarão a história até o caos social-econômico-político, é Jesus quem governa tudo e que nos garante que, no final os Reinos desse mundo estarão diante dEle, adorando-o como único Senhor e Deus.

Será que você já percebeu essa realidade? Ou ainda acha que os políticos de nosso país é que devem ser seguidos e honrados como senhores e “donatários” dos bens e das vidas de nosso povo? Dizer que Só Jesus é Senhor, é o mesmo que dizer que o poder desses homens é frugal e débil. Olhe para aquele que realmente é o senhor da história e que tem tudo em suas mãos.

 

 

Sermão do 3º Domingo da Páscoa

(Atos 9:1-19; Apocalipse 5: 6-14; João 21: 1-14)

TEMA: A gloria do Cordeiro de Deus (Apocalipse 5: 6-14).

Introdução: Em minha infância eu passei por um tipo bem peculiar de descriminação. Eu havia sido criado por um tio que, antes de vir morar em minha cidade, era cantor de ópera no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Isso significava que eu cresci ouvindo os clássicos ao invés de ouvir as músicas que os meninos de minha idade ouviam. E confesso que até hoje, quando ouço algumas músicas, algumas óperas ou áreas, as lágrimas me veem aos olhos. Realmente a música tem um poder extraordinário sobre a alma de uma pessoa.

Elucidação: O capítulo 5 do livro do Apocalipse começa com uma visão de Deus, tendo em suas mãos um livro selado com sete selos. Provavelmente o livro represente a eterna vontade de Deus para a humanidade e os sete selos indiquem que ele está absolutamente fechado. Eis que um anjo questiona em alta voz: “Quem é digno de abrir o livro e desatar os selos?” (v.2). E João pôs-se a chorar. Eis que um ancião respondeu: “Não chores; eis que o Leão da tribo de Judá, a raiz de Davi, venceu para abrir o livro e os seus sete selos” (v.5). No instante seguinte, ao invés de aparecer em cena o Leão, aparece um cordeiro, para demonstrar que, na mente de João, – conforme William Hendriksen, em seu sofrimento e morte Cristo mostrou as características de ambos: leão e cordeiro. O que é mais interessante é que a maior parte dos versículos que lemos no texto de hoje foi escrito em forma de dois hino que exaltavam o cordeiro de Deus, ou seja, muito provavelmente eram cantadas pelas Igreja na Ásia Menor. Pensando nessa possibilidade, gostaríamos refletir, brevemente, sobre o seguinte tema: A glória do Cordeiro de Deus.

I. É GLORIOSO PORQUE FOI MORTO (v. 6)

  1. Originalmente se diz: “Como tendo sido morto”. O cordeiro, símbolo de fraqueza e inocência, morre, mas ressuscita, e por isso ele está de pé, porque está vivo. À semelhança do cordeiro pascal do Antigo Testamento (Ex 12: 1-14), Jesus teve que ser torturado e morto para libertar seu povo da escravidão. Há uma clara referência ao cordeiro pascal e os judeus sabiam muito bem esta história. A diferença é que esse cordeiro estava agora vivo!
  2. Tinha sete chifres. É interpretação unânime que os “chifres” significam poder. E como o texto se refere à “sete” chifres, e sendo “sete” o número que implica em plenitude divina, entendemos que o Cristo redivivo tem todo poder.
  3. Tinha sete olhos. Segundo afirma Hendriksen, os sete olhos indicam que “Ele possui a plenitude do Espírito Santo”. Esta interpretação, obviamente se baseia no próprio texto de apocalipse (5:6) que diz ser os sete olhos, os “sete Espíritos de Deus enviados por toda a terra”, uma referência à descida do Espírito Santo no dia de Pentecostes para criar a Igreja que se espalharia pelos quatro cantos da terra. Mas também pode significar à onisciência do Deus que tudo vê e que, portanto, enxerga o sofrimento de seu povo espalhado pelo mundo.

Aplicação: Vivemos em uma sociedade onde as pessoas são julgadas pelo que aparentam. Lamentavelmente, mesmo dentro da Igreja Cristã, muitas pessoas contaminadas com esta ideologia está mais disposta a ser gentil e cordato com alguém bem mais vestido ou que ocupe um cargo público, do que com um pobre ou um “zé ninguém”. Neste texto, contudo, aprendemos que um simples cordeiro, sinal de singeleza, de fragilidade e de pureza, pode se manifestar – e se manifestará – como aquele que tem todo o poder e que agirá como um leão. A grande lição que aprendemos aqui é que as aparências enganam. Portanto, aproveite a oportunidade e busque o cordeiro de Deus, ajoelhe-se diante dele e reconheça que ele é seu Senhor.

II. É GLORIOSO PORQUE TOMOU O LIVRO DAQUELE QUE ESTAVA SENTADO NO TRONO (v. 7-10)

  1. Tomou o livro. Este gesto de tomar o livro da mão direita do que estava assentado no trono aponta para um ato que seria similar a uma coroação. Hendriksen nos diz que “Isto se refere muito claramente ao fato de Cristo, como mediador, recebeu, em Sua ascensão, autoridade para governar o universo consoante o eterno decreto de Deus” significado pelo livro. Para Bortolini este gesto é importante porque Deus está confiando à Jesus “a revelação e a realização do projeto de Deus presente na história”. Sim, podemos descansar na confiança de que a história está nas mãos do cordeiro que venceu a morte.
  2. Todos prostraram-se diante dele. Tanto os 4 seres viventes, quanto os 24 Anciãos. Isto não significa que o Pai deixa o trono, mas que Cristo, nosso mediador, está assentado agora à sua direita e recebe a adoração devida dos 24 anciãos e dos 4 seres viventes. Quando pensamos no número 24, imediatamente nos lembramos que tanto o Antigo Testamento nos fala do povo de Deus circunscrito sobre a liderança dos chefes das 12 tribos, como nos lembramos que no Novo Testamento, Jesus tinha 12 discípulos, sobre o ensinamento dos quais a Igreja foi fundada. Os 24 anciões, portanto, representa a Igreja Católica ou Universal, oriunda do antigo e do novo pacto.

Já os quatro seres viventes nos falam dos que habitam nos quatro cantos da terra, ou seja, todos os seres viventes.

  1. Todos os presentes possuíam taças de ouro cheias de incenso. O próprio texto revela que o incenso são “as orações dos santos” (v.8). Realmente não é difícil imaginar o conteúdo das orações feitas pela igreja perseguida e torturada pelo poder do Império Romano, naquele momento. Mas, ao lado do clamor pela libertação, também encontramos o louvor.
  2. Eles entoavam um novo cântico. Neste cântico todos afirmavam que o Cordeiro era digno de abrir o livro primeiro porque havia sido morto, segundo, porque, com seu sangue, comprou para Deus os que procedem de todas as tribos, línguas, povos e nações; finalmente, porque constituiu para Deus uma Igreja de reis e sacerdotes que reinarão sobre a terra. Eis, conforme Bortolini, a missão do povo de Deus: “ser reino de sacerdotes para reinar no mundo inteiro mediante a resistência e a denúncia profética que transforma morte em vida”.

Aplicação: No texto do livro de Atos podemos ler a história da conversão do perseguidor Saulo no cristão Paulo. Esta conversão ocorreu no caminho de Damasco, quando Paulo, movido pelo ódio, foi confrontado com a visão do Cristo ressuscitado e cai de seu cavalo e fica cego. Levado até a presença de Ananias, ele recebe as primeiras instruções cristãs e, depois de uma oração, torna a enxergar e se transforma em quem hoje chamamos “o Apóstolo dos gentios”. Paulo precisou passar por uma experiência dramática para reconhecer que Jesus era o Senhor. Será que você também precisa? Ou está disposto a prostrar-se diante dEle e adorá-lo como seu Senhor? 

III. É GLORIOSO PORQUE RECEBEU ADORAÇÃO (v. 11-14)

  1. Dos anjos, dos seres viventes, dos anciões e de milhões de milhões. E essa adoração, feita por uma multidão incontável, reafirmava que o Cordeiro que foi morto era digno de receber poder, riqueza, sabedoria, força, honra, glória e louvor. O cordeiro é digno de receber todos os atributos possíveis.
  2. De todas as criaturas existentes (v. 13). Nos céus, na terra, debaixo da terra e sobre o mar e tudo o que nele há. No dia de sua entronização, afirma Hendriksen, “o universo inteiro, em todas as suas partes e com todas as criaturas, se unem num coro de louvor.
  3. A adoração era dirigida à Deus (v. 13). “Ao que está assentado no Trono”. O Pai continua assentado no trono, mas agora com o cordeiro para governar o mundo.
  4. A adoração era dirigida ao Cordeiro (v. 13). “E ao Cordeiro” é uma imagem antagônica daquela prevista no início do capítulo. Lá se fala do leão, e quando ouvimos falar em leão, imediatamente pensamos em poder e força, em domínio e reinado. Mas a adoração é dirigida a quem se identifica com um animal frágil e que era usualmente sacrificado pelos pecados das pessoas. O Evangelho é assim: ele faz virar de ponta à cabeça os valores dessa sociedade que só pensa em poder.
  5. O conteúdo da adoração é explícito (v. 13). “…seja o louvor, e a honra, e a glória, e o domínio pelos séculos dos séculos”. A nenhum outro ser no universo podem ser ditas estas palavras. Neste momento, os Imperadores Romanos exigiam ser adorados como se deuses fossem. Mas a Igreja só reconhece que Jesus é o Senhor.
  6. Os quatro seres viventes e os anciãos reagem a tudo isso (v.14). Dizendo: Amém, e prostrando-se e adorando. Esta expressão de aceitação, significa “assim seja”. Isto significa que todos os seres viventes e todos os remidos de todas as gerações se unem em um grande “Amém!” que abalou céus e terra.

Conclusão: O texto do Evangelho de hoje descreve aquele fato que ficou conhecido como “a pesca milagrosa”. Alguns dos discípulos estavam pescando no Mar de Tiberíades sem, contudo, conseguir pegar peixe algum. Logo pela manhã, Jesus estava na praia e pergunta se eles têm algo para comer. Imediatamente eles respondem que não, sem reconhecerem com quem estavam conversando. Jesus, então, os instrui a jogar a rede do lado direito do barco. Quando eles assim o fizeram já não podiam puxar a rede, tamanha a quantidade de peixe. Neste momento, João, o discípulo a quem Jesus amava, disse: “É o Senhor!”.

Sim, é possível que Jesus fale conosco em algum instante do dia e nós sequer tenhamos ciência disso. Mas virá o dia em que todo o universo tomará ciência daquele que “foi morto, mas que está vivo”. Ele, neste momento, não será visto apenas como o cordeiro imolado na cruz, mas como o leão da tribo de Judá. É imprescindível que façamos coro com os anjos e com todas as multidões celestiais para afirmar com toda força de nosso coração e de nossa alma: só Jesus é o Senhor. Ele transformará os reinos deste velho “eon” e calcará sob seus pés, os reis desse mundo.

 

 

Sermão do 4º Domingo da Páscoa

(Números 27:12-23; Apocalipse 7: 9-17; João 10: 22-30)

TEMA: Quem pode estar de pé diante de Deus? (Apocalipse 7: 9-17).

Introdução: Quando estamos em algum lugar e, de repente, entra alguma autoridade, imediatamente nos colocamos de pé em sinal de respeito, mas também, em sinal de que podemos ficar frente a frente com ela. Há pessoas que, diante de alguma autoridade não possuem autoridade moral sequer para levantar os olhos. Estar de pé significa está atento e pronto para ouvir o que a autoridade vai falar, mas falará a pessoas que tem dignidade.

Elucidação: Neste texto vemos a continuidade da seção que começou no início do capítulo. Na primeira parte dele vimos a descrição metafórica daqueles que foram selados por Deus, perfazendo um total de 144.000, um número simbólico indicando a totalidade da Igreja nas duas dispensações. Agora, o povo de Deus se apresenta diante do Trono e do Cordeiro, de pé, com dignidade, para ouvir a voz que vem do Trono com sua sentença. Mas nem todos podem ficar de pé diante do Trono, por isso, neste texto encontramos as três características que permitem à igreja postar-se de pé diante de Deus.

I. SUA DESCRIÇÃO (v. 9, 10)

  1. É uma grande multidão. Assim como ela foi descrita nos versículos anteriores de forma metafórica como sendo uma multidão de 144.000 pessoas, 12X12X1000, ou seja, a Igreja da antiga dispensação, mais a igreja da nova dispensação, multiplicada por mil, que é 10x10x10 (ou seja, o cubo perfeito), os 144.000 simbolizam todo o povo de Deus. Eles, e somente eles, podem estar “de pé, diante do trono”, ou seja, diante de Deus.
  2. De todas as etnias. A igreja não se restringiu apenas aos judeus, ela é uma realidade cosmopolita que aponta para a universalidade do Evangelho de Cristo. Desde o início, quando Deus chama Abrão, ele diz que seu nome mudará para Abraão porque ele será o pai de uma “grande multidão”. Uma “grande multidão” que, à semelhança de Abraão, teve fé, acreditou e seguiu no caminho que Deus indicou. Hoje Deus tem filhos “selados” nos quatro cantos do mundo, por isso o texto fala em “nações”, “tribos”, “povos” e “línguas” (quatro realidades implicando em totalidade).
  3. Vestidos de branco. A pureza é sempre representada na Bíblia pela cor branca. Por isso Isaías nos diz que ainda que nossos pecados sejam como a escarlate, se tornarão “brancos como a neve”. O povo de Deus foi purificado pelo Cordeiro.
  4. Com palmas nas mãos. As palmas são símbolos de vitória e ação de graças. Conforme postula Morris Ashcraft, as palmas eram usadas “em ocasiões de procissões reais”. Apesar de aparentemente derrotada pelas grandes perseguições que o Império Romano impunha sobre os Cristãos, estes vitoriosos empunham palmas em suas mãos em sinal de vitória. Não tanto, diz Morris Ashcraft, para celebrar sua vitória” mas para celebrar a vitória do Cordeiro. Por isso, os habitantes de Jerusalém cantaram no domingo de ramos: “hosana nas alturas!”, e a igreja também cantará seu canto de vitória.
  5. Clamavam em grande voz: “Ao nosso Deus, que se assenta no Trono, e ao Cordeiro pertencem a salvação”. Esta afirmação certamente fazia parte dos hinos cantados durante as perseguições que a Igreja sofria. Eram cânticos de resistência que afirmavam a fé naquele que tem o poder de mudar as condições sociais e políticas negando ser o Imperador o “salvador do mundo”.

Aplicação: Na leitura do Evangelho de hoje (João 10: 22-30), um versículo parece saltar à vista de quem observa com cuidado o texto. Refiro-me aos versos 27 e 28, nos quais Jesus diz: “As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço, e elas me seguem. Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão, e ninguém as arrebatará da minha mão”. É por causa dessa promessa que podemos cantar: “Que segurança, sou de Jesus!”. Nós fazemos parte desta grande multidão que teve suas vestes lavadas pelo sangue do Cordeiro e que fará parte de um enorme coral celestial em honra ao que está assentado no Trono e ao Cordeiro. Você que lê essas linhas tem essa mesma certeza? Saiba que se você quiser, você poderá tê-la, convidando Jesus para ser o Senhor de sua vida.

II. SUA COMPANHIA (v. 11, 12)

  1. Todos os anjos. Enquanto a Igreja Universal estava diante do Trono, ela parece estar cercada por um pequeno círculo que incluía os anciãos e os seres viventes e um outro grande círculo composto pelos anjos, que também estavam de pé, e rodeavam o Trono.
  2. Os anciãos e os quatro seres viventes. Estes, certamente são os mesmos 24 anciãos descritos em (4:4). Eles tanto podem apontar para a soma da igreja do velho testamento (simbolizada nas 12 tribos) mais a igreja do novo testamento (representada pelos 12 apóstolos), como pode apontar para os 24 turnos de levitas que ocupavam seus deveres alternadamente (I Cr 24: 3-18). A citação aos quatro seres viventes pode ser uma referência à totalidade da vida em todos os quatro cantos do mundo, afinal todas as criaturas louvam ao Senhor. Estes estavam diante do Trono se prostraram e adoraram a Deus em um hino de louvor que no original possui quatro estrofes. Este hino começa e termina com a palavra “amém”, que significa “assim seja” e que aponta para a vontade de Deus que é sempre realizada e ao louvor que sempre será dado à Deus. Este louvor é composto de uma sétupla atribuição: louvor, glória, sabedoria, ação de graças, honra, poder e força. Devemos notar que cada elemento é precedido de um artigo definido, apontando para o sentido mais pleno e profundo de seus significados.

Aplicação: Pessoalmente gosto muito de ouvir músicas dos mais diversos estilos e épocas. Tenho especial atenção para os clássicos de Bach e Beethoven, algumas das quais, quando ouço, me emocionam e me levam às lágrimas. Mas neste texto temos um hino de louvor que será cantado por todos os santos, cada um em sua língua, pronunciando em quatro estrofes as sete (sinal de perfeição divina) características mais marcantes de Deus, nosso Senhor e Salvador. Você acredita que fará parte deste coral celestial? Caso ainda não, ajoelhe-se onde estiver e peça a Deus para que Ele o tome pela mão e o leve até Sua presença. Acredite, Ele assim o fará. 

III. SUA CONDIÇÃO PARA ESTAR DE PÉ (v. 13-17)

  1. Eles foram questionados sobre sua condição para estarem ali. Eis que um dos anciãos faz uma pergunta dramática à João: “Quem são e de onde vieram?”. Com que autoridade estes se colocam diante do Trono de Deus? Segundo Hendriksen, o ancião faz a pergunta a João “não para ser informado pelo Apóstolo, mas para que a atenção seja voltada para aquela numerosa multidão, especialmente para aquele surpreendente milagre, a saber: que todos estes indivíduos que uma vez foram pecadores, agora são justos e santos, vestidos com vestiduras brancas”. A resposta do ancião apresenta as consequências de quem deseja seguir a Jesus em sua radicalidade social e política.
  2. Eles são os que vieram da grande tribulação. A resposta de João foi: “Tu sabes”. Ao que o ancião responde a própria pergunta fazendo cinco afirmações sobre a Igreja. A primeira delas diz que “eles vieram da grande tribulação”. George Ladd diz que, com essa fraseologia “podemos presumir que eles sofreram martírio” mas não negaram sua fé. A grande tribulação é descrita metaforicamente no capítulo 6 pela ação dos três cavalos: o vermelho, ávido de guerra e conflito; o preto apontando para a miséria, a pobreza e a injustiça, que normalmente seguem às guerras, e o amarelo, trazendo a morte e o inferno. Morris Ashcraft, acrescenta que “eles atravessaram as grandes dificuldades esperadas antes do fim”. Ouve-se também as almas dos que foram mortos pelo testemunho que sustentavam e que estavam, agora, debaixo do Trono de Deus, esperando pelo momento de se postar diante do Trono.
  3. Lavaram suas vestes e as alvejaram no sangue do Cordeiro. Segundo postula Bortolini, “Para chegar a usar vestes brancas (cf. 3,5) é preciso lavá-las no sangue do Cordeiro. No Apocalipse, a roupa é a carteira de identidade da pessoa. Roupa branca é sinônimo de vitória sobre a injustiça que massacra a humanidade”. Segundo Morris Ashcraft, neste texto, o “sangue de Cristo é o agente purificador” (…) “Os crentes fiéis agora estão puros e vestem roupas brancas, por causa da morte redentora de Cristo”.
  4. Por isso estão diante do Trono de Deus. É interessante perceber que o tempo dos verbos mudam do presente para o futuro, a partir de agora, indicando o futuro que a multidão espera. Segundo Hendriksen, eles vão “Estar diante do trono e do Cordeiro quer dizer ter comunhão com, prestar serviço a, e participar da honra do Cordeiro”. Servindo de dia e de noite; tendo sobre eles estendido o tabernáculo” (o negrito é de Hendriksen). Esta é a mesma leitura de Ladd, que afirma: “passaram a alegrar-se de comunhão perfeita com Deus” [tendo] “acesso imediato à presença de Deus”. As duas palavras usadas por João para descrever essa realidade são “santuário” (naô), indicando o “santo dos santos”, e “tabernáculo” (skênôsei), palavra que significa “habitar entre”. Deus habitará conosco e nós com Ele no Santo dos Santos.
  5. Jamais passarão privações. Quando pensamos nas dificuldades e privações trazidas pelas perseguições imperiais sobre os cristãos, imediatamente nos lembramos destas palavras descritas no verso 16. No entanto, na presença de Deus “nem fome e nem sede; nem sobre eles cairá o sol”. Sinal de que a igreja Cristã era torturada na prisão e sofria tudo isso e muito mais. Estas privações também nos fazem lembrar o deserto pelo qual Israel peregrinou por uma geração, até entrar na terra prometida.
  6. O Cordeiro os apascentará. Numa linguagem que inverte a realidade, é o Cordeiro que apascenta seu povo, ou seja, é Cristo que vai conduzir, levar e guiar seu povo para as fontes da água da vida. O salmo 23 se materializará nesse momento e todos os santos poderão dizer: “O Senhor é meu pastor, nada me faltará”. No novo testamento vemos nosso Senhor dizendo ser ele o “Bom pastor” (Jo 10:14) disposto a dar a vida por suas ovelhas. Eis que chegou a hora de pastorear o rebanho, dando-lhe proteção e segurança.
  7. E Deus lhes enxugará dos olhos toda lágrima. Morris Ashcraft pontua que “Até aqui, Deus havia permanecido à parte (…) Agora Deus é retratado nos termos mais ternos, acariciando os seus filhos”. Em uma alusão à Isaías (25:8), agora temos a descrição do mais doce de todos os toques possíveis que Deus fará. Ele mesmo retirará de nossos olhos toda lágrima. Literalmente o texto significa, diz Hendriksen, que “As lágrimas não são meramente enxutas; elas são tiradas fora de seus olhos, de modo que não fique nada, senão o perfeito gozo, a perfeita felicidade, a glória, a mais doce comunhão e a mais abundante vida!”.

Conclusão: No texto de Números 27, aprendemos que Deus nunca deixa seu povo sem um pastor. Durante a travessia do deserto o Senhor levantou Moisés para pastorear o seu povo. Agora, diante da morte de Moisés, Deus chama Josué para assumir a liderança do povo de Deus e enfrentar dois grandes obstáculos: fazê-los entrar na terra prometida e evitar que eles se misturem com os habitantes daquele lugar, conformando-se à seus costumes e práticas. Ainda hoje precisamos de líderes que tenham o mesmo alvo em seu ministério: fazer com que a multidão chegue até a presença de Deus, fortalecendo-a – assim como João fez com o livro do Apocalipse – e instruindo-os a não se conformarem com esse mundo. Se você, meu caro reverendo, sente que não está sendo fiel em seu ministério, saiba que Deus pode restaurá-lo e torná-lo um instrumento em Suas mãos para levar pessoas até à presença de Deus.

 

 

Sermão do 5º Domingo da Páscoa

(Atos 13: 44-52; Apocalipse 19: 1, 4-9; João 13: 31-35)

TEMA: A vitória da noiva do Cordeiro (Apocalipse 19: 1, 4-9).

Introdução: Quase todas as semanas eu celebro casamentos. E um dos momentos mais exultantes ocorre justamente quando a noiva aparece, todos ficam de pé e ouve-se os clarins anunciando a aproximação da noiva com seu pai. Este é o momento esperado ansiosamente pelas noivas e, com certeza, elas poderiam dizer com toda a força de seus pulmões: Aleluia! Finalmente!

Elucidação: Este texto nos revela a vitória final envolvendo todo o céu e a terra. É marcante a presença recorrente da palavra “Aleluia”, que significa “louvai à Deus!”, aparece quatro vezes (v. 1,3,4,6) e que tanto celebra a destruição da Grande Prostituta (v. 2,3) quanto o tema que nos interessa hoje: a vitória da noiva do Cordeiro (4-9). Quando o livro do Apocalipse se refere ao Cordeiro, ele está fazendo referência à Jesus que, como Cordeiro de Deus, foi sacrificado no altar em forma de cruz. Ao falar em “noiva”, o livro quer se referir à Igreja do Cordeiro, ou seja, aos verdadeiros Cristãos que assumem o compromisso com Cristo, mesmo que isto implique em sofrimento e martírio. Diante do texto da leitura de hoje, o que vislumbramos é a vitória da noiva do Cordeiro. Existem pelo menos três verdades a serem notadas neste texto e que trata da vitória da noiva:

I. É RECONHECIDA NOS CÉUS (v. 1)

  1. Por uma grande multidão. Esta era a mesma multidão que estavam sob o Trono de Deus e clamavam por justiça em Ap 6:10, e que, agora, têm o seu clamor atendido. Lembremos que o clamor da multidão dizia: “Até quando… não julgas nem vingas o nosso sangue dos que habitam sobre a terra?”
  2. Por meio de um hino de vitória. O hino de vitória é composto de alguns elementos fundamentais: (a) Uma declaração de louvor: Aleluia; (b) uma apresentação das características pertencentes somente à Deus: salvação, glória e poder; (c) Uma declaração de que somente “nosso Deus” é digno de ser louvado. Segundo afirma José Bortolini “No céu celebra-se o resultado da profecia e da resistência das comunidades perseguidas, que desmascaram os poderosos construtores e mantenedores da sociedade injusta. Deus a julga e destrói mediante o anúncio profético do Evangelho”.

Aplicação: A chave da interpretação deste capítulo está nas duas primeiras palavras: “depois disso”. A vitória da noiva do Cordeiro, comentam Ivo Storniolo e Euclides Balancin, ocorre quando Deus, manifestando sua glória, seu poder e salvação, destrói os que destruíram à terra, fazendo justiça e reabilitando a honra dos perseguidos e mártires.

II. É RECONHECIDA NO TRONO DE DEUS (v. 4-6)

  1. No símbolo do pleno domínio do Senhor. Todo poder pertence ao Senhor e, mesmo que tenhamos a impressão de que está demorando, a vitória da justiça virá e a queda da Babilônia (sinal dos que se levantam contra a vontade de Deus), será inevitável.
  2. Pelos 24 anciãos e os quatro seres vivos. Estes personagens surgem mais uma vez. Eles representam os 12 patriarcas e os 12 apóstolos, sinal da igreja da antiga e da nova dispensação, e todos os seres vivos dos quatro cantos da terra. Todos eles se ajoelham, em sinal de submissão à Deus e o adoraram. Todos têm o mesmo cântico: “Amém, Aleluia”.
  3. De uma voz que sai do altar. Segundo o comentário de Champlin, a voz que sai do Trono, semelhante ao que ocorre em 16:7, cria a ilusão de que o próprio Trono toma vida. Tanto “No primeiro caso, como aqui, está em pauta alguma ‘voz angelical’: um dos anjos, que cuida do trono, fala em lugar de Deus”. O louvor que sai do Trono contém (a) uma exortação: “Dai louvores ao nosso Deus”; (b) feita à “todos os seus servos”, ou seja, a todos os que são capazes de completa devoção e obediência plena à Deus; (c) “os que os temeis”, ou seja, todos os que se sujeitam e se submetem ao Senhor; (d) “os pequenos e os grandes” sem se importar com a condição social deles. Diante de Deus, todos são servos ou sejam, são submissos à sua vontade que sempre se realiza.

Aplicação: A leitura do Evangelho de hoje nos diz que a maior marca da Igreja de Jesus Cristo, ou seja, de sua “noiva”, é o amor. João chega a registrar as palavras do Senhor: “Nisto conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros”. Esta Igreja que ama a Deus acima de tudo e ao próximo como a si mesma é a Igreja que é convidada a louvar à Deus, sem importar sua condição social e sim, o fato de serem servos de Deus.

III. É RECONHECIDA NAS BODAS DO CORDEIRO (v. 7-9)

  1. Anunciada por um grande coro. O texto fala que João ouviu a voz de uma numerosa multidão, semelhante a um rio caudaloso e como fortes trovões. É um aviso triunfal anuncia o início das núpcias do Cordeiro, que finalmente ocorrerá.
  2. O clima é de alegria. A voz continua dizendo: “Alegremo-nos, exultemos e demonstremos-lhe a glória”. O clima vislumbrado pelo apostolo não é mais de uma Igreja que sofre perseguição, mas de uma Igreja que se encontra com seu Salvador, com o mesmo sentimento que uma noiva se encontra com seu noivo, diante do altar: cheia de felicidade e vendo a realização de um sonho que finalmente de concretiza.
  3. Onde a noiva é descrita. A voz diz que a noiva “já está ataviada”, e está vestida de “linho finíssimo, resplandecente e puro”. E a voz explica que o linho finíssimo representa os atos de justiça dos santos. A união de Cristo e sua Igreja é baseada no amor e na justiça, que deverão caracterizar a eternidade da união de Deus com seu povo.
  4. Onde o anjo declara: “Felizes os convidados à ceia das bodas do Cordeiro”. Segundo Edward McDowell, “As bodas do Cordeiro se referem à união de Cristo com seu povo, ou à Igreja”. Neste caminho, Michael Wilcock diz que “A vinda final do reino de Deus significa a vinda das bodas do Cordeiro e sua noiva está pronta”. A festa é descrita como uma apoteose composta de por aqueles que são eternamente “bem-aventurados” ou “felizes”.

Conclusão: Na leitura do texto do livro de Atos vemos que o Reino está aberto para todos e não apenas para os judeus. Citando o profeta Isaías e aplicando-o aos apóstolos, Lucas diz que, em princípio os israelitas deveriam anunciar a fé em Javé às nações. Mas, como eles rejeitaram esse mandato, Paulo e Barnabé se sentem na obrigação de levar “luz às nações” e anunciar que o Reino de Deus se estende também às nações de todo o mundo. Resta perguntar a você, meu caro leitor: você faz parte do Reino? Você está sendo convidado para participar das bodas, na condição simultânea de convidado e de “noiva” do Cordeiro. Qual será sua resposta?

 

 

Sermão do 6º Domingo da Páscoa

(Atos 14: 8-18; Apocalipse 21:22-22:5; João 14: 23-29)

TEMA: A descrição da noiva do Cordeiro (Apocalipse 21:22-22:5).

Introdução: Quem já foi a um casamento sabe que a noiva é a última a entrar. Entra o noivo, os padrinhos, pajens, daminhas, etc. Mas quando entra a noiva, todos se levantam e começam a fotografar tudo, desde o cabelo até o sapato, passando pelo vestido da noiva. Todos querem registrar a glória desse momento.

Elucidação: No texto que acabamos de ler, João descreve uma parte da Cidade Santa, a Nova Jerusalém, que, na verdade é um símbolo da Noiva do Cordeiro. Esta interpretação se fundamenta em Apocalipse 21: 2,3 onde João diz que está vendo a Cidade Santa a Nova Jerusalém que desce do céu na forma de uma noiva ataviada e adornada para o seu esposo. E, logo em seguida ouve a seguinte expressão: “Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará com eles”. A Igreja é o lugar da habitação de Deus com os homens e é lá onde Ele tabernacula conosco. Alguns elementos desta Cidade-Noiva-Igreja são destacados pelo autor e eu gostaria de fazer menção:

I. A IGREJA HABITARÁ COM SEU NOIVO (v. 22, 23)

  1. É uma cidade sem santuários ou templos. Lembrando o que diz 21: 3, Deus habitará com seu povo sob a mesma tenda. Segundo Charles Erdman, não era mais necessário um santuário, porque “toda a cidade é um Santo dos Santos”. Portanto não precisamos mais de templos, enquanto espaço de encontro entre Deus e seu povo. O texto diz que na cidade João não viu santuários porque o santuário é o próprio Senhor e o Cordeiro. A relação de intimidade entre Deus e seu povo será plenificada naquele momento e toda forma de estrutura institucional se tornará desnecessária.
  2. É uma cidade sem mediadores. Nesta cidade não será necessário a existência de grandes nomes, grandes pregadores ou sacerdotes para intermediarem a relação do povo para com Deus porque a glória de Deus e do Cordeiro iluminará o povo em seu caminho. E a luz que emana deles é tão forte que nem mesmo o sol será mais necessário. Quem quiser habitar nessa cidade precisa se acostumar a andar na luz.

Aplicação: A leitura do Evangelho de hoje é extremamente clara. Nele Jesus diz que se alguém o ama, guardará a sua Palavra e o Pai o amará. Diz também que ambos farão nele morada. Não poderemos jamais dizer que esquecemos de suas palavras porque ele mesmo prometeu enviar o Espírito Santo para nos lembrar de tudo o quanto ensinou e nos ensinar ainda mais. Portanto, que nosso coração não se perturbe nem se atemorize. Jesus vai, mas em breve voltará para junto de seu povo.

II. A IGREJA É COSMOPOLITA (v. 24-27)

  1. As nações terão acesso à sua luz. A profecia de Isaías 60 se cumpre neste texto. Deus, que ofereceu a salvação gratuitamente à toda a humanidade, receberá, de todas as nações do mundo, aqueles que abandonaram a idolatria e resolveram participar da Cidade-Noiva do Cordeiro. Ele, que não faz acepção de pessoas (Atos 10:34), acolhe seus servos de todas as raças, povos, tribos e nações. Todos têm agora acesso à luz divina.
  2. Os reis da terra lhe trazem sua glória. Mesmo aqueles que se julgam reis (basileis), senhores ou imperadores sobre a terra, um dia estarão de joelhos diante do Cordeiro e o adorarão. João está dizendo à Igreja perseguida que chegará o momento em que os reinos desse mundo serão de nosso Senhor Jesus Cristo. E que aqueles que hoje perseguem os justos, um dia estarão diante do Trono reconhecendo que só o Senhor é Deus!
  3. Suas portas nunca mais se fecharão. Antigamente as portas das cidades precisavam ser fechadas à noite ou durante um cerco para a proteção dos moradores. Agora, isso já não será mais preciso porque os habitantes da Cidade Santa, os que tiveram suas roupas lavadas pelo sangue do Cordeiro, estarão seguro para sempre. Falando sobre este versículo William Hendriksen nos diz que “Portas fechadas simbolizam não apenas trevas, noite e juízo, mas também falta de oportunidade de livre entrada. Ora, através de toda esta presente época há (e outra vez pelo prisma do novo céu e nova terra diríamos que tem havido) abundante oportunidade de se entrar pela fé na bendita comunhão com Deus”. Este é o cumprimento da profecia de Isaías 60:11.
  4. E toda as nações lhe trarão gloria e honra. Parece que estamos revivendo o cenário do nascimento de Jesus, onde as nações, representadas pelos Magos, trouxeram presentes para o Rei-menino. Agora, os salvos de todas as nações, povos, tribos e reinos, estarão juntos cantando o mesmo hino de vitória. Segundo comenta McDowell, a Nova Jerusalém “é o cumprimento dos sonhos da velha Jerusalém terrestre, cujos profetas ansiaram por ver os gentios trazerem sua glória à cidade”.

Aplicação:  No texto do livro de Atos vemos que Paulo e Barnabé estavam pregando em Listra quando se depararam com um homem paralitico desde o nascimento. Paulo, movido por Deus, ordena que ele fique de pé. E quando isso acontece, a multidão, juntamente com os sacerdotes do templo de Júpiter, se ajuntam para adorar àqueles homens como se fossem deuses. Diante desse fato, Paulo toma a palavra e diz que é a Deus que devemos adorar. Àquele que, desde as gerações passadas, nunca deixou os povos sem testemunho de si mesmo. De fato, em todas as nações e etnias existem um sentimento de inclinação ao “Totalmente-Outro” que serve de semente para prepara-los para a pregação do Evangelho de Cristo. 

III. A IGREJA VIVERÁ PARA SEMPRE (22: 1-5)

  1. Sob a forma de um paraíso no deserto (v, 1,2). Este texto nos faz lembrar o Salmo 46:4,5a que diz: “Há um rio cujas correntes alegram a cidade de Deus, o santuário das moradas do Altíssimo. Deus está no meio dela”. Mas, por outro lado, Bortolini nos diz que o texto retoma o tema da Babilônia histórica, dizendo que “Ela era atravessada por uma avenida ao longo do rio, com arvores de ambos os lados”. Esta descrição se contrasta com o deserto estéril que circundava a cidade de Babilônia. Da mesma forma, fora dos muros da Cidade-Noiva-Igreja só existe aridez e morte. A Cidade Santa, a Noiva do Cordeiro, a Igreja de Deus, é um oásis no deserto de morte e maldição em que se transformou esse mundo.
  2. Sob a forma de bênçãos eternas (v. 3a). Quando o texto diz que “nunca mais haverá qualquer maldição”, nos lembramos que a única pessoa que foi pessoalmente amaldiçoada por Deus. Deus amaldiçoou Caim “por ter cometido”, diz Bortolini, “o maior crime contra a fraternidade, o assassinato do irmão (lat. frater)”. Na cidade-esposa do Cordeiro não haverá mais espaço para maldições porque a fraternidade plena será vivida. A graça, que superabundou onde abundou o pecado (Rm 5:20) será traduzida em bênçãos perpétuas para todos.
  3. Sob a forma do culto verdadeiro (v. 3b). A Cidade-Igreja-noiva estará sempre diante do Trono de Deus e do Cordeiro, lhe prestando um culto eterno. A palavra usada por João para falar do “culto” (latreusousin) é aquela que fala da idolatria. Nunca mais os outros deuses dessa sociedade consumista serão lembrados. Ninguém mais adorará o dinheiro, o capital, o poder, o status, a notoriedade, a honra, a glória própria, eu seu próprio ego. Ali só haverá espaço para que a Igreja adore a Deus e ao seu Cordeiro.
  4. Sob a forma de uma unidade plena (v.4). Todos estaremos plenamente unidos primeiro porque, diferentemente do Antigo Testamento – em que Deus não podia se “revelar” plenamente – agora todos os servos “contemplarão sua face”; e em segundo lugar, porque todos eles receberão, na sua fronte, o Seu nome. Assim como o Anticristo marcou seus adoradores, os membros da Igreja-Noiva do Cordeiro também possuem sua marca, que é o nome de seu Senhor. Esta é uma referência aos antigos escravos que recebiam a marca de seu dono em seu próprio corpo. O nome que receberemos é o Santo Nome do Senhor.
  5. Sob a forma de um reino eterno (v.5). Este mundo, conforme conhecemos, passará e dará espaço a uma outra realidade radicalmente diferente, na qual as relações sociais terão como base a justiça e a partilha. Nessa nova realidade não será mais necessária a luz do sol ou de candeias, porque a luz brilhará sobre cada um. Diz a Bíblia (Salmo 119: 105) que a Palavra de Deus é luz para nossos caminhos. Agora, ela estará internalizada em nossa mente e coração. Não veremos mais por espelho ou por enigmas, mas face-a-face (I Coríntios 13: 12). Neste reino a base das relações será a vontade de Deus.

Conclusão: Precisamos compreender uma verdade teologal fundamental para nossa reflexão sobre esse texto. Ao se referir à Igreja-Noiva-Cidade, as Escrituras estão se referindo a duas realidades que se complementam. O Reino “já” está no meio de nós, mas “ainda não” se manifestou completamente. Isso significa que todas essas características que serão perfeitas no futuro, quando vier o “Dia do Senhor”, também deve ser vivida – embora imperfeitamente – hoje na vida de cada um dos Servos de Deus. Se você já é parte desta Igreja Universal e Invisível – que difere das instituições humanas visíveis e locais -, então você tem a responsabilidade de manifestar os elementos que descrevem a Igreja ou a Noiva do Cordeiro. Caso você ainda não seja cidadão desse Reino, você pode adentrar ainda hoje pelas portas, que ainda estão abertas, à sua espera.

 

 

Sermão do Domingo da Ascensão

(Atos 1: 1-11; Efésios 1: 15-23; Lucas 24: 49-53)

TEMA: A Igreja do Cristo Ascendido (Efésios 1: 15-23).

Introdução: Embora hoje tenhamos uma doutrina da Igreja (eclesiologia) totalmente formulada, nos primeiros momentos do Cristianismo a Igreja não havia desenvolvido muitos dogmas sobre si mesma. No entanto, embora ainda não existisse uma dogmática estabelecida, certamente, na mente dos Apóstolos, já havia uma mistagogia fluente. E é isso que vemos neste texto.

Elucidação: No texto da carta de Paulo aos Efésios, encontramos uma linda oração feita pelo Apóstolo, que se inicia com uma ação de graças mas que se aprofunda até revelar uma eclesiologia mística absolutamente abissal. Neste texto a Igreja está unida ao Cristo ressuscitado, ascendido e assentado à direita do Pai. Aqui encontramos pelo menos três verdades que precisamos registrar sobre a Igreja do Cristo ascendido:

I. É OBJETO DA AÇÃO DE GRAÇAS DE PAULO (v. 15, 16)

  1. Por que tinha ouvido (v. 15). Apesar de já se terem passados quase quatro anos desde que Paulo deixara Éfeso, ainda havia uma forte ligação entre ele e aquela igreja. Ademais, esta forte ligação era fortalecida, por meio do grande tráfego marítimo existente naquele momento, e pela possibilidade de se visitar os prisioneiros do Império. Por isso Paulo se mantinha bem informado.
  2. Da fé que eles tinham (v.15). Paulo sabia que os efésios tinham problemas e que deveriam resolvê-los. Mas ele, acima de tudo, inicia sua fala dando graças (v.16) a Deus pela fé que os efésios tinham em Cristo. Não há, aqui, referência nenhuma a algum credo ou documento doutrinário. Paulo fala daquele sentimento de quem se entrega completamente a Jesus e o recebe como Senhor de sua vida.
  3. Do amor que eles praticavam (v. 15). Toda fé autêntica vem acompanhada de gestos concretos. Por isso Paulo agradece a Deus, também, pelo amor que aquela igreja revelava “por todos os santos”. Conforme lembra-nos Hendriksen, “E visto que estes cordiais laços pessoais, a preocupação de uns para com os outros, se fazem presente nos leitores, e sendo esta uma disposição tal que beneficia a todos os santos, Paulo prossegue” dizendo não ser possível cessar de dar graças.
  4. Não cessava de dar graças (v. 16). A oração na vida do cristão deve ser uma realidade constante, por isso Paulo não cessa de orar. Ele mesmo havia ensinado: “Orai sem cessar” (I Tes 5:17). Mas essa oração pela igreja em Éfeso era especial porque era uma “ação de graças” (eukaristôn). Esta é a mesma palavra usada por Cristo na última ceia, pelo pão e vinho. Ele “deu graças”. E encerra o versículo dizendo: “fazendo menção de vós” em suas orações. Sinal que aquela igreja era muito especial para ele.

Aplicação: Certamente muita coisa pode ser dita sobre a igreja de Jesus em nossos dias e em nosso mundo. Mas será que podemos encontrar nela as mesmas marcas que Paulo encontrou? Será que podemos dizer que a igreja que conhecemos pela TV é uma igreja marcada pela fé e pelo amor? Certamente não. O que vemos é uma igreja marcada pelo desejo de poder e de dinheiro. Obcecada por crescer a qualquer custo (inclusive o da verdade) e onde, ao invés de amor, assistimos a uma verdadeira fogueira de vaidades. Essa não é a Igreja que Paulo descreve neste texto, mas, se o povo que atende pelo nome de Deus, se humilhar e orar e buscar sua face, Ele haverá de perdoá-la e renová-la.

II. É OBJETO DA ORAÇÃO DE PAULO (v. 17-19)

  1. Para que recebessem o “espírito de sabedoria e de revelação” (v. 17). Aquele que ouve as nossas orações, e que ouviu as de Paulo é descrito aqui como “O Deus de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória”. Pois bem, é Ele que, em resposta às orações do Apóstolo, concede à igreja o “espírito de sabedoria e de revelação”. Segundo o exegeta Francis Foulkes, “provavelmente devêssemos entender a expressão como ‘os poderes espirituais de sabedoria e revelação’, e compreender tais poderes tão-somente como o dom do Espírito de tornar alguém sábio”. Ademais, devemos atentar que tal sabedoria não é produto do esforço ou do estudo humano, mas chega até nós, diz Foulkes, “pelo conhecimento de Deus, isto é, o conhecimento pessoal do próprio Deus” que implica em um tipo de conhecimento que é fruto da experiência de vida e da união e comunhão com Ele.
  2. Para conhecer a “esperança do seu chamado” (v. 18). Esta sabedoria que nos vem por meio de uma relação pessoal com Deus nos faz iluminar os olhos do coração para que percebamos que Ele nos chamou. Por isso se fala “seu chamamento”. Aqueles que foram por Deus escolhidos (1:4) e predestinados para a adoção (1:5), são agora chamados pela pregação do Evangelho que nos faz abrir os olhos do coração e trazer esperança aqueles que não tinham esperança (2:12). Agora a Igreja pode esperar por um destino eterno ao lado de seu Senhor. Lembra-nos que isso “não é apenas ‘um vago e melancólico anseio pelo triunfo da bondade’, mas algo garantido pela possessão presente do Espírito como penhor (v. 14) e devido à fidelidade do Deus que prometeu a herança futura”.
  3. Para conhecer a “riqueza da glória de sua herança” (v.18). Este texto é extremamente difícil de se interpretar porque, tanto no grego quanto no português, há duas interpretações possíveis: ou bem o texto fala da herança de Deus ou bem fala de nossa herança. Ou nas palavras de Stott: “ou a herança que ele recebe ou a herança que ele outorga. Alguns comentaristas a entendem no primeiro sentido e dizem que se refere à herança que Deus possui entre o seu povo. Certamente os autores do Antigo Testamento ensinavam de modo consistente que o povo de Deus era sua ‘herança’ e ‘possessão’, e no capítulo anterior achamos uma referência a essa verdade nos vs. 12 e 14. Mas a passagem correlata de Colossenses 1:12 sugere fortemente a outra interpretação, a saber: que a ‘herança de Deus’ refere-se àquilo que ele nos dará”. Por isso devemos agradecer ao Pai “que nos fez idôneos à parte que nos cabe da herança dos santos na luz”.
  4. Para conhecer a “suprema grandeza do seu poder” (v. 19). Quando Paulo usa a palavra “suprema” (uperballon), ele está se referindo a algo que está “fora de nossa medida” ou absolutamente “extraordinário” e “incomensurável”. Na realidade este versículo surge como um desenlace no que está sendo dito até aqui. A “suprema grandeza de seu poder” é necessária como, diz Hendriksen, “um liame entre os dois itens já mencionados no versículo precedente, ou seja, a esperança e a herança. O poder (…) de Deus é necessário a fim de que a esperança seja cumprida e a herança alcançada. A expressão “para com os que cremos” mostra que esse poder “é exercido no interesse dos crentes, e de ninguém mais” (Hendriksen).

Aplicação: No texto do Evangelho de hoje aprendemos que precisamos ficar no lugar onde Cristo manda para receber o que ele quer nos dar. Lucas fala do Espírito Santo como a “promessa do Pai” que seria enviada sobre os discípulos. Para tanto, ele precisavam permanecer na cidade até que recebessem o “revestimento de poder” que os capacitaria a sair pelo mundo, agora como apóstolos, anunciando as Boas-Novas do Evangelho. É o Espírito Santo que fortalece a Igreja para exercer seu ministério por meio de seus dons e capacitações. O que você tem feito com os talentos que o Senhor te deu para aplicar no anúncio das Boas-Novas? 

III. É OBJETO DE EXALTAÇÃO AO LADO DE CRISTO (20-23)

  1. Que ressuscitou dentre os mortos (v. 20) e está assentado à direita de Deus nos lugares celestiais (ver Lc 24:51). Conforme interpreta Hendriksen “o apóstolo ora para que aos efésios sejam dados os olhos de esclarecimentos a fim de que possam ver e discernir que, para que se faça possível a transformação de sua firme esperança em gloriosa realização, de modo que recebam sua plena herança, Deus tem à sua disposição um poder tão grandioso como o que demonstrou quando levantou seu Filho de entre os mortos e o sentou à sua destra”. Na realidade é como se Deus estivesse dizendo à Igreja que confiasse em seu infinito poder por que chegaria o dia em que a herança seria, finalmente, entregue.
  2. Acima de todos os poderes humanos e sobre-humanos (v. 21). Paulo usa as palavras “principados” (arkês), “potestades” (eksousias), “poder” (dunameôs) e “domínio” (kuriotêtos), para se referir, de forma abrangente, a toda espécie de autoridade que pode ser exercida no mundo criado. Cristo é o senhor de tudo, e de todos os mundos, mesmo o mundo espiritual. Para Ralph Martin, interpretando esse texto, “o Cristo dominador não é senhor apenas do mundo visível da natureza e dos homens. Ele tem o domínio de todas as forças espirituais, que, se pensava, controlavam o destino dos homens na antiguidade, como divindades estelares. Cristo, ensina Paulo, é Senhor de todos os agentes cósmicos que os homens puderem nomear, porque ele e tanto seu criador (Col 1:16) como governador por direito (Fil 2: 9-11)”.
  3. Acima de todo o nome (v. 21). O nome de Jesus sobrepuja a todos os nomes e forças espirituais que foram enumeradas anteriormente, tanto “no presente século ou no vindouro”, ou seja, atravessando todo o período temporal do universo, abrangendo todas as eras do pensamento apocalíptico. Desta forma cumprir-se-á o texto de Fil 2:10, 11a “Para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, no céu, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus é o Senhor”.
  4. Que tem todas as coisas sob seus pés (v. 22). John Stott nos diz que a primeira fala de Jesus como cabeça, “lhe atribui uma soberania que se estende sobre todas as coisas. ‘Todas as coisas’ são mencionadas duas vezes no verso 22, e, no contexto, abrange não somente o universo material como também, e especial, os seres inteligentes, bons e maus, angelicais e demoníacos, que o povoam.
  5. Para ser o cabeça de tudo (v. 22). Há uma óbvia complementação, aqui, com a ideia de pés. O “cabeça” e os “pés”, o “acima” e o “abaixo”, são temas complementares. Jesus é o cabeça sobre todas as coisas, e tudo o mais está sob seus pés, ou seja, sob sua dominação.
  6. O deu à Igreja (v. 22) Mas, mesmo sendo o cabeça que a tudo domina, Stott nos diz que “sua lição não é apenas que Deus fez de Jesus cabeça sobre todas as coisas mas, sim, que o deu (edôke) como cabeça-sobre-todas-as-coisas, à igreja, a qual é o seu corpo. Aquele, pois, a quem Deus deu à igreja para ser seu cabeça, já era cabeça do universo”. Desta forma tanto o universo quanto a igreja têm o mesmo cabeça. A relação da igreja com Cristo é tão íntima que Ele é o cabeça do seu Corpo, que é a igreja.
  7. A plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas (v. 23). Para finalizar esta perícope, Paulo escreve algo que pode ter uma dupla significação no original grego. Na primeira interpretação é Cristo que enche a igreja; na segunda é a igreja que enche a Cristo. Ou seja, ou bem tudo o que Cristo tem (o poder, os dons, a graça, etc.) ele repassa à igreja, que, por si só, nada tem, ou bem, a igreja, está sendo dada por Deus à Cristo exaltado, e desta forma ele está recebendo a completa plenitude do Pai. No entanto, lembra-nos Martin, “Isto não quer dizer (…) que Cristo é, em certa medida, incompleto sem a Igreja, mas deseja enfatizar a íntima união entre Cristo e seu povo”. Este tema é extremamente presente tanto nesta epístola quanto na epístola irmã de Colossenses (p.e. 2: 9,10).

Conclusão: A leitura do texto de Atos nos deixa claro que o kerygma – a pregação – da igreja primitiva inclui a ascensão de Cristo aos céus como sua entronização. Desde então, vivemos a expectativa de sua parousia, ou seja, de sua vinda em glória para estabelecer novos céus e nova terra em que habita a justiça. No entanto, é preciso que nos perguntemos se realmente fazemos partes daqueles que efetivamente esperam o cumprimento da promessa feita pelos anjos: “Esse Jesus que dentre vós foi assunto ao céu virá do modo como o vistes subir” (At 1:11).

 

 

Sermão do Domingo de Pentecostes

(Atos 2: 1-11; I Coríntios 12: 4-13; João 20: 19-23)

TEMA: A espiritualidade sadia da Igreja (I Coríntios 12: 4-13).

Introdução: lamentavelmente, com a história da Igreja, somente agora somos capazes de perceber que a verdadeira espiritualidade deve vir antes da verdadeira doutrina. Quando a doutrina era prioridade as pessoas eram julgadas e mortas, mesmo fazendo parte do mesmo Corpo de Cristo. Hoje temos a verdadeira dimensão de que nossa relação com Deus é algo muito mais prioritário do que a certeza de que tudo o que eu acredito é certo. E essa convicção deve dirigir nossos relacionamentos com os demais cristãos.

Elucidação: No texto de hoje, Paulo está exortando a Igreja de Corinto por causa de suas ideias sobre os dons espirituais. Aquela era uma Igreja orgulhosa pelos inúmeros dons que possuía, mas, lamentavelmente, também era uma igreja cheia de defeitos, problemas pessoais, cismas, posturas esdrúxulas e doutrinas absurdas. Neste capítulo Paulo inicia o tema dos dons para preparar a apresentação do maior de todos os dons: o amor. A espiritualidade sadia da Igreja, no entanto, é vista aqui, com três elementos fundamentais:

I. É CENTRADA NA TRINDADE (v. 4-6)

  1. Existem dons diversos dados pelo mesmo Espírito. Paulo usa a palavra karismatôn para se referir aos dons espirituais. Devemos lembrar que em sua raiz está na palavra Karis, que significa “graça” ou “favor não merecido”. De fato a Igreja não merece nada de Deus, mas Ele, em sua graça infinita, pelo seu Espírito Santo, nos capacita para anunciar o Evangelho a este mundo em trevas.
  2. Existem serviços diversos, mas o Senhor é o mesmo. Deus, se mostrou em sua face de servo na pessoa de nosso Senhor Jesus Cristo. E agora Ele, por meio de Cristo, distribui à sua Igreja “serviços”, ou seja, diakoniôn, para que sirvamos a Deus no próximo e em sua criação.
  3. Existem realizações diversas mas é o mesmo Deus quem opera. A palavra que Paulo usa é muito significativa. Deus distribui energêmatôn, ou seja, todas as atividades que contribuem para um determinado fim. Ela deriva da palavra “trabalho”, “obra” ou “atividade”.

Aplicação: A vinda do Espírito Santo sobre a Igreja no dia de Pentecostes, não apenas a funda, mas a capacita a agir, servir e trabalhar de tal forma que seja o mesmo Deus, e não nós e nossa capacidade que está agindo. Não é nossa sabedoria, é a graça de Deus; não é nossa força, é o poder de Deus; não é nossa realização é a ação de Deus. Neste texto, dizem Storniolo e Balancin, “A Trindade é a base sobre a qual a comunidade de constrói: nesta, toda ação provém do Pai, todo serviço provém de Jesus e todo dom (carismas) provém do Espírito”. Uma espiritualidade sadia valoriza a Trindade e não a pessoa.

II. TEM COMO OBJETIVO O BEM DO CORPO (v. 7-11)

  1. Cada um tem. Segundo Paulo “a cada um” (ekastô) dos cristãos é dada uma forma de manifestação do Espírito, visando o bem comum. Essa manifestação (fanerôsis) independe de nossa escolha. É determinada pelo Espírito justamente para não termos do que nos orgulhar.
  2. Visando um fim proveitoso. Voltando-nos, mais uma vez para as palavras de Storniolo e Balancin, aprendemos que “cada pessoa na comunidade recebe um dom, ou melhor, um dom para o bem de todos”. Os dons espirituais foram dados não para serem enclausurados, mas para o proveito comum (sumferon), ou seja, conforme Leon Morris, “para a edificação de todo o corpo de crentes, não para algum possuidor individual do don”.
  3. Palavra de sabedoria e de conhecimento. Tanto a sabedoria (sophia) quanto o conhecimento (gnôsis) vêm precedida da expressão “palavra” (logos) que aparece em ambos os casos sem artigo, significando “elocução”. Segundo Leon Morris, “O Espírito dá poder para elocução – ou seja, para exprimir verbalmente – sabedoria ou conhecimento, conforme o caso”.
  4. A fé, os dons de curar e operações de milagres. Paulo começa dizendo que toda a fé que temos não vem de nós mesmos, mas é um “dom de Deus”. Isso afirmará em Efésios 2:8, ao dizer “pela graça sois salvos, por meio da fé; e isso não vem de vós, é dom de Deus”. Nem a fé que temos é nossa! Em seguida ele fala dos “dons de curar”, usando o plural, indicando que haviam dons para doenças especificas. Finalmente ele fala em “operações de milagres” (energêmata dunameôn) ou seja, realizações de obras poderosas.
  5. Profecia, discernimento, línguas e interpretação. Estes dons de ensino nos falam da profecia, que ocorre quando falamos a vontade de Deus mesmo que ela confronte os poderosos; das línguas (glôssôn), que tanto pode ser uma referência à algum tipo de fala extática, como pode significar – o que é mais provável – um idiomas, ou a capacidade espiritual de falar em outro idioma, como em Atos 2: 4-11, quando os Apóstolos falaram em outras línguas, todas citadas no texto; e, finalmente, a interpretação (ermênéia) desse idioma.
  6. O Espírito distribui como lhe apraz. É claro que a lista não é completa, uma vez que cada pessoa é um dom para toda a comunidade. Mas Deus dá cada dom conforme sua vontade. Nem todas as pessoas e todas as comunidades possuem todos os dons. O importante é colocar os dons que temos à serviço da comunidade.

Aplicação: No texto do Evangelho de hoje Jesus se apresenta no meio dos discípulos, depois da ressurreição, sopra sobre eles e diz: “recebei o Espírito Santo”. É por meio do Espírito que a Igreja pode declarar a absolvição ou a condenação, ou seja, declarar o juízo de Deus sobre essa sociedade injusta ou declarar a graça de Deus sobre os penitentes e os que se recusam a seguir no projeto dessa sociedade. 

III. TEM NO CORPO UMA METÁFORA (v. 12, 13)

  1. Um só corpo tem muitos membros. Paulo usa a metáfora do corpo humano para falar da Igreja, o Corpo de Cristo. Assim como são precisos uma diversidade de membros para se formar um corpo, é preciso que a Igreja de Jesus tenha, igualmente, uma diversidade de pessoas não importando sua raça, cor, etnia, sexo, ideologia ou condição social. A Igreja de Jesus é plural.
  2. Cada membro está no corpo. Além de plural a Igreja de Jesus é inclusiva vez que todas estas pessoas, com suas características pessoais e individuais, fazem parte do mesmo Corpo de Cristo. Se estamos todos ligados ao corpo, pouco importa qual seja nosso papel (dom), mas que o desempenhemos com efetividade.
  3. Todos nós estamos no corpo de Cristo. Não importa se somos judeus ou gregos (divisões étnicas), escravos ou livres (condição social), todos fomos batizados em um só corpo (eis em soma), dando o sentido de “para formar um corpo” pelo batismo; e todos bebemos de um só Espírito. Segundo Morris, os batizados “foram introduzidos na esfera do Espírito. É só quando há uma atividade do Espírito, que o batismo tem sentido”. Mas esse “batismo” nos permite “beber do Espírito”, ou seja, internalizar até nossas entranhas com a “irrigação” feita pelo Espírito Santo.

Conclusão: O texto de Atos dos Apóstolos começa dizendo que “estavam todos reunidos no mesmo lugar” quando o Espírito Santo desceu sobre a Igreja. Esta é uma metáfora marcante. Eles estavam todos reunidos (sumplêrousthai), achegados, próximos, no mesmo lugar, na mesma realidade, na mesma condição, na mesma esfera, quando do alto, vem um som como de uma tempestade e enche a casa em que eles estavam. E mais, línguas de fogo pousaram sobre cada um deles, e todos ficaram plenos e cheios do Espírito Santo, passando a falar em “outras línguas” (eterais glôssais). Note-se que em nenhum lugar do texto, ou do Novo Testamento, se fala em línguas dos anjos. A única vez que essa expressão aparece é numa expressão no condicional, apontando para uma possibilidade (I Co 13: 1). Mas neste texto os Apóstolos falavam em idiomas humanos “acerca das grandezas de Deus” Atos 2: 11.

Quando superarmos nossas divisões e quando a vontade de Jesus for realizada – que todos sejamos um – então imagino que o Espírito possa novamente encher o lugar onde estamos e nos fazer falar, não das pessoas e de seus defeitos, mas da grandeza de Deus.

 

 

DOMINGO DA SANTÍSSIMA TRINDADE

(Isaías 6: 1-11; Apocalipse 4: 1-11; João 16: 12-15)

TEMA: O Deus trino é Senhor da história (Apocalipse 4: 1-11).

Introdução: A doutrina da Trindade nos informa que Deus subsiste como três pessoas consubstanciais, expressões ou hipóstases: o Pai, o Filho e o Espírito Santo; “um Deus em três pessoas”. As três pessoas são distintas, mas são uma só “substância, essência ou natureza”. O importante é perceber que, historicamente, a Igreja rejeitou várias teses sobre a Trindade e uma delas foi o hierarquismo. Esta teoria afirmava que o Pai era superior ao Filho e ao Espírito e que o Filho era superior ao Espírito. Havia, portanto, uma hierarquia na Trindade. Mais tarde alguns teólogos – dentre eles João Damasceno – vão descrever a Trindade como uma “pericorese”, ou seja, como uma dança ou brincadeira de roda entre iguais. O mais surpreendente é que Deus nos convida a participar dessa dança em uma festa que ocorrerá nos céus. Lá, “Deus será tudo em todos” (I Coríntios 15: 28) e todos reinaremos em um novo céu e uma nova terra.

Elucidação: Os capítulos 4 e 5 formam a introdução da segunda parte do livro de Apocalipse. No texto de hoje, os principais personagens são: aquele que está assentado no trono, João, os 24 anciãos e os 4 seres viventes. João é aquele que pastoreia e representa à igreja de Deus; ele é convidado por uma voz para subir até os céus e ver as coisas que acontecerão. Em resumo, neste texto, vemos em resumo, uma cena do domínio de Deus – aquele que está assentado no trono – sobre a história. Note que João não subiu, ele teve uma visão à partir de cima – da ótica de Deus – do que ocorreria aqui na terra, onde ele mesmo estava. Isso é um sinal de que precisamos fazer uma leitura do projeto de Deus na história, com os pés no chão. E é, à partir da ótica de Deus que podemos afirmar que, apesar das dores e perseguições pelas quais passam a Igreja, Ele é o Senhor da história. E sabemos disso em razão de três declarações:

I.HÁ UM TRONO NOS CÉUS (v. 1-3)

  1. O trono é sinônimo de poder. A existência de um trono aponta para uma realidade de domínio e de juízo. Para um Cristão, a história não corre sem direção ou sem controle. Há uma finalidade e uma razão em todas as coisas.
  2. O trono estava ocupado. Esta realidade aponta para o fato de que, embora muitos discordem, há um Deus no controle da história e que a levará até um bom termo.
  3. Seu ocupante é descrito. A descrição do ocupante do trono é fantástica. Ele parecia uma pedra de jaspe e cornalina e um arco-íris, com reflexos de esmeralda, envolvia o trono. Para os judeus que receberam essa carta, a referência ao arco-íris imediatamente os fez pensar no Deus que fez a aliança com a humanidade na época de Noé. As pedras preciosas indicam tanto sua raridade – Ele é o único Senhor -, quanto sua transcendência, revelada pelo seu brilho e a fascinação do seu poder.

Aplicação: No texto do profeta Isaías (6: 1-11) encontramos Isaías no templo de Deus quando, de repente, ele tem uma visão da glória de Deus e chega a pensar que vai morrer por ter visto tudo aquilo. Mas a visão da glória de Deus ocorreu para que ele, ao final, caísse de joelho e fosse tocado em seus lábios por um ferro em brasa que o faria dizer “eis-me aqui, envia-me a mim”. Da mesma forma como a visão da glória que ocorreu com Isaías, João também é convidado a ver a glória de Deus e a registra em um livro. Por meio de João e com o testemunho do Espírito Santo em nossos corações, somos também convidados a ver a glória de Deus e a anunciar aos povos. Resta-nos saber: cumpriremos a vontade de Deus anunciando que Ele é o Senhor do universo?

II. DEUS NÃO GOVERNA A HISTÓRIA SOZINHO (v. 4-6a)

  1. Ao redor do trono há 24 tronos e neles 24 anciãos. Ora, sabemos que 24 é a soma de 12 mais 12. Uma referência clara às doze tribos de Israel e aos doze apóstolos. Portanto, o texto está se referindo a todos os que assumira o projeto de Deus e enfrentaram todas as dificuldades para permanecer fiel.
  2. Eles estão vestidos de branco. As roupas brancas indicam, não apenas os que “vieram da grande tribulação e tiveram suas roupas lavadas pelo sangue do cordeiro” (Ap 7: 14), mas indica, também sua ressurreição.
  3. Cada um possui uma coroa de ouro em sua cabeça. E porque são vencedores, receberam o seu prêmio, ou seja, o galardão – a coroa de ouro em sua cabeça. Estes, diz Bortolini, são “Todos os mártires de todos os tempos e lugares”. Por isso o apocalipse diz (1:6) que Cristo nos fez “reis e sacerdotes para Deus”. É o que ensina Paulo em II Timóteo 2: 12: “Se perseverarmos, com Ele igualmente reinaremos”.
  4. Seu governo é eterno e universal. A referência aos relâmpagos, vozes e trovões, bem como as sete lâmpadas – que se referem aos sete espíritos de Deus -, bem como ao mar de vidro, fazem referência à ação contínua do Senhor no Universo – como em Êxodo 19:16 -, invadindo nossa realidade humana, agindo, fortalecendo, dando e soprando vida à toda a criação (sete espíritos) – lembremos que espírito em grego é pneuma, que significa vento ou sopro – e governando todo o povo (mar de vidro) que na Bíblia é descrito como um mar (Salmo 65:7). Um detalhe significativo é que o mar é o símbolo das nações justamente porque está em constante movimento e agitação. Mas esse mar está congelado e paralisado diante do Deus que faz cessar todo o mal.

Aplicação: No texto do Evangelho de João Jesus nos informa que quando o Espírito Santo vier, Ele nos guiará em toda a verdade, uma vez que não falará de si mesmo e que glorificará o Filho, que é dono de tudo o que é do Pai. Este é o Espírito que convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo. Este é o Espírito que veio sobre a Igreja no dia de Pentecostes – que celebramos semana passada -, e que está sobre cada um de nós que lavamos nossas vestes no sangue do Cordeiro e que trazemos na cabeça uma coroa, vez que o povo de Deus é um povo real e sacerdotal e profético. Já que o Espírito Santo está em nós e age por meio de nos, temos dado espaço para que Ele atue em nossa vida e nos faça proclamadores das Boas-Novas?

III. TODA A CRIAÇÃO É TESTEMUNHA DO SEU GOVERNO (6b-11)

  1. João vê quatro seres viventes. O número quatro também indica totalidade, já que fala dos quatro cantos da terra. Os seres são descritos como quatro animais: um leão, um touro, um que tem rosto de homem e uma águia. Conforme ensina Bortolini, “no Apocalipse, os animais representam forças positivas ou negativas que agem na história”. Sua descrição aponta para o que de melhor existe na criação de Deus: o “leão, a fera mais forte; touro, o animal doméstico mais forte; homem, o centro da criação; águia, a ave mais importante” (Bortolini). Eles representam todas as forças vivas em razão da presença do Espírito de Deus na terra e em sua história. Afinal o Espírito Santo já pairava sobre a terra sem forma e vazia, trazendo-lhe vida, desde a origem (Gênesis 1:2).
  2. Eles são cheios de olhos e têm três pares de asas. Os olhos “pela frente e por detrás”, indicam que essas criaturas assistem e vêm todas as coisas, ou seja, são testemunhas de toda a ação de Deus na história, e são livres e rápidos (asas) para anunciar a ação de Deus. Esses seres são aptos para verem o que as pessoas sem Deus não conseguem: a ação do Senhor na história. Por isso não há lugar para desespero.
  3. Eles cantam o primeiro hino de louvor do livro. Estes seres, que estavam diante do trono de Deus, de dia e de noite, não cessam de cantar um lindo cântico. Neste cântico eles destacam (a) a Santidade plena de Deus (três vezes santo); (b) sua Onipotência sobre tudo e todos; (c) sua Imutabilidade – ele era e é o mesmo; e (d) sua Intervenção: ele virá para transformar essa realidade de morte, exploração e injustiça, em realidade de vida, libertação e justiça plena.
  4. O Cântico é acompanhado de gestos concretos. Por isso eles dão glória, honra e ação de graças; além disso os vinte e quatro anciões se ajoelham diante do trono, tiram as coroas de suas cabeças e depositam diante do trono e proclamam que o “Senhor nosso Deus é digno de receber a glória, a honra e o poder” por ter sido o criador, doador da vida e mantenedor de tudo.

Conclusão: Na época em que o livro do Apocalipse foi escrito o Imperador romano se considerava o senhor da história e doador da vida. Somente ele tinha o poder de, com um sinal de seu dedo, permitir que uma pessoa vivesse ou morresse. As comunidades Cristãs pagaram um alto preço para afirmarem que só o Senhor é Deus. Hoje vivemos em uma sociedade em que o Império não é pessoal, mas continua sendo real. O Mercado domina o mundo. A mudança de seu humor faz com que as políticas econômicas mudem e os investimentos que deveriam ir para a educação, para a saúde e para a segurança, migrem para a especulação financeira. Neste novo mundo, com um nosso “senhor”, cabe à Igreja de Jesus, cantar o mesmo cântico e lembrar que, conforme ensina George Ladd “não importa quão temíveis e incontroláveis as forças do mal parecem ser na terra, elas não podem anular ou esconder o fato de que, por trás do palco, Deus está governando o universo, no seu trono”.

 

 

Sermão do Domingo do Próprio 4

(I Reis 8: 41-43; Gálatas 1: 1-10; Lucas 7: 1-10)

TEMA: A luta pelo verdadeiro Evangelho (Gálatas 1: 1-10).

Introdução: Em nossa realidade religiosa brasileira estamos vendo proliferar, em todas as esquinas, igrejas que, sob o pretexto de anunciar o evangelho de Jesus, pregam exatamente o contrário. Pregam um evangelho sem cruz, e sem graça. Um evangelho onde Deus dará tudo o que o fiel necessitar se, tão somente, ele der seu dízimo e cumprir todas as obrigações estabelecidas pela denominação. É o que chamamos de Teologia da Prosperidade, ou seja, um discurso no qual Deus dará prosperidade a todos quantos comprar os fetiches que são “vendidos” na igreja. Isso pode incluir desde um frasco com água do rio Jordão, como uma “pedra” para você jogar em um boneco gigante que está dentro do templo. Tudo isso, lamentavelmente, é pregado como sendo o evangelho de Jesus, mas, outra coisa não é, que outro evangelho que deturpou o Evangelho da Graça em evangelho da barganha.

Elucidação: A Galácia não era uma cidade, mas uma região na Ásia Menor. Durante sua segunda viagem missionária Paulo criou várias igrejas nessa região. Depois de sua saída ele vai até Éfeso e, de lá, sabe que alguns pregadores espalharam pela igreja novas doutrinas que modificam o simples Evangelho da Graça de Cristo. Estas pessoas acrescentam à fé em Cristo, elementos da religião judaica. Era como se aqueles gentios, antes de se tornarem cristãos, tivessem que passar pelo judaísmo e acrescentar seus elementos peculiares. Neste texto Paulo reage fortemente àqueles que abandonaram a fé cristã, bem como aos que a corromperam. Em sua luta pelo verdadeiro Evangelho de Cristo Paulo assume três atitudes fundamentais:

I. NOS RELEMBRA DE UM CRISTO QUE SE ENTREGOU POR NOSSOS PECADOS (v. 1-5)

  1. Que chamou Paulo para o apostolado. Segundo escreve Charles Erdman, “Aqui nos encontramos com Paulo, e com Paulo na sua mais característica maneira de ser e de exprimir-se. Aqui transparece a finura e o vigor de sua inteligência; aqui se sente o calor e a paixão de sua alma; aqui se revela a sua completa devoção e submissão a Cristo e se distinguem os elementos fundamentais da fé que êle proclama” (sic). Este é o Paulo que se afirma chamado pelo próprio Cristo em cuja autoridade se funda, não na parte do homem, mas de Deus. Donald Guthrie diz que existe uma semelhança entre o “Apóstolo” e o cargo judaico de “Shaliach”. Afirma Guthrie que “o Shaliach podia falar e agir com a mesma autoridade que aquele que o constituiu procurador”. A autoridade de Paulo –e ele faz questão de dizer isso – depende da autoridade de quem o enviou. Por isso ele reafirma o fato de que é Apóstolo “não da parte do homem, nem por intermédio de homem algum”, mas da parte de Jesus Cristo e de Deus Pai, enquanto origem e instância outorgadora.
  2. Que tem para sua igreja a plena Graça e Paz. “Graça” era uma saudação extremamente comum aos gregos e “Paz” entre os judeus. A Graça, lembranos Erdman “veio significar não somente misericórdia para com quem não a merecia, mas ainda todas as bênçãos dispensadas por Deus; ‘paz’ passou a significar todas as bênçãos espirituais desejadas pelo homem. ‘Graça’ é a fonte original do amor redentor, e ‘paz’ o ‘rio da vida’ que corre profundo e calmo na alma de cada crente” (sic). Estas duas palavras com seus significados mais profundos têm origem em Deus, nosso Pai e em Jesus Cristo, nosso Senhor. Essa é a base do verdadeiro Evangelho. Por isso Donald Guthrie nos diz que “A graça era nada menos do que o favor de Deus em Cristo, sem mérito humano, e a paz era um dos grandes frutos do Espírito (5:22), além de ser símbolo da reconciliação”.
  3. Que entregou-se a si mesmo por nossos pecados. Cristo se deu (dontos) por nossos pecados, nos fazendo lembras as palavras de Rm 8:32 “Aquele que não poupou seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou”. Ao falar dessa entrega, Hendriksen nos diz que “Cristo se entregó a aflicciones y escarnio, y a la maldición de la muerte eterna durante toda su vida aqui. Pero especialmente en Getsemaní, Gabata y el Gólgota. Dio su vida por sus ovejas”. Com a finalidade de nos desarraigar ou nos libertar definitivamente deste mundo perverso. É interessante perceber que a palavra “libertação” (exaireô, na voz média) é enfática. E aquele que é liberto por Cristo deseja o mesmo para os demais. Por isso Champlin assevera: “Paulo queria que os homens fossem livres dos seus pecados e da perversidade condenadora desse século presente, que está em rebeldia contra Deus”. Para Paulo, a morte de Jesus seria “por nossos pecados”, ou seja, citando Stott: “A morte de Jesus não foi primordialmente uma demonstração de amor, nem um exemplo de heroísmo, mas, sim, um sacrifício pelos pecados. Na verdade, o uso da preposição peri na frase ‘pelos nossos pecados’ em alguns dos melhores manuscritos pode ser um eco da expressão do Antigo Testamento para a oferta pelo pecado”.

Aplicação: A mensagem do texto de Lucas, hoje, aprendemos que a pregação do Evangelho não está restrita à uma nação. Na leitura do Evangelho de hoje, vemos um Oficial Romano, temente a Deus, clamar à Cristo para que cure seu servo. Ele era tão ciente do poder do Senhor que disse: não precisa ir à minha casa, mas “dize uma palavra e meu servo será curado” (v. 7). Jesus ficou admirado com esta postura e disse que nem mesmo em Israel encontrou tamanha fé. Quando a graça de Deus alcança alguém, não importa sua nacionalidade, sexualidade ou condição social. Esta pessoa, tocada pela graça de Deus, tem sua vida redimida e mudada por novos valores e novas orientações.

II. NOS SURPREENDE COM A MUDANÇA DAS PESSOAS NA BUSCA DE “OUTRO EVANGELHO” (v. 6-9)

  1. Mudança que revela mudança de fidelidade. É interessante ver a menção registrada por Stott sobre esse texto ao dizer que a palavra grega metatithêmi “Significa ‘transferir a fidelidade’”…e “é usada com referência a soldados do exército que se rebelam ou desertam, e a pessoas que mudam de partido na política ou na filosofia”. Aquela Igreja foi perturbada (tarassô), ou seja, “sacudida” e “agitada” por falsos mestres que tinham acesso à comunidade.
  2. Eles mudaram para “outro evangelho”. Embora só exista um Evangelho, esses falsos mestres judaizantes modificaram o simples Evangelho de Jesus por uma série de exigências que incluíam a circuncisão e a guarda das práticas judaicas. Esse, para Paulo era um “outro” evangelho por que ele foi “pervertido” (metastrepho), ou seja, modificado em um outro evangelho.
  3. Ninguém está autorizado a pregar “outro Evangelho”. Para Paulo, nem ele – caso passasse por uma mudança extrema-, e nem mesmo um anjo do céu – alguém com autoridade celestial -, está autorizado a pregar outro evangelho além daquele que já fora pregado aos Gálatas. Quem o fizer, seja anátema! Esta é uma expressão forte e implica em desaprovação e em separação para com Deus. Donald Guthrie chega a dizer que “Realmente ‘anátema’ é o contraste máximo com a graça de Deus”. Ela é usada aqui com referência aos que pervertem e modificam o Evangelho da Graça de Deus.

Aplicação: É uma pena vermos se repetir hoje, o que ocorreu no século XVI: os favores de Deus são vendido por dinheiro e não recebidos gratuitamente por aqueles que têm fé. O que assistimos hoje é algo que corresponde ao que ocorria no período de Paulo: pessoas anunciando, além do simples Evangelho da graça, um “adendo” sem o qual, as pessoas não podem “chegar até Deus”. 

III. A APROVAÇÃO QUE NOS INTERESSA É A DE DEUS (V. 10)

  1. Paulo não busca a aprovação dos homens. Há muitos cuja vida é vivida para agradar não a Deus, mas as estruturas de poder da igreja e à hierarquia de sua religião. Paulo tinha outro interesse. Ele não buscava a aprovação peithô, ou seja, uma conciliação com os judaizantes, fruto de uma espécie de “frouxidão” ou “acordo” que agradasse a todos. Paulo jamais faria isso.
  2. Paulo não procura agradar aos homens. Ele nem procura a aprovação dos homens nem busca sua aprovação. A palavra usada aqui para agradar é areskein. E, segundo Guthrie, enquanto o primeiro verbo “refere-se a tornar simples para os homens aceitarem o evangelho” esse novo verbo “sugere o emprego da lisonja tendo em vista a obtenção da popularidade”.
  3. Se agisse assim, não seria servo de Cristo. Uma vez que Paulo sabia que ninguém poderia servir a dois senhores, portanto, ensina Stott, “considerando que Paulo era em primeiro lugar e principalmente um servo de Jesus Cristo, a sua ambição era agradar a Cristo, e não aos homens”. Paulo se considera um servo (doulos) de Cristo, ensina Hendriksen, “porque gozosamente reconoce a Cristo como su Redentor, Amo y Señor, y vive una vida completamente rendida a él”. Não existe outra opção para quem tem a Cristo como Senhor de sua vida.

Conclusão: A leitura do texto de I Reis nos revela uma parte da oração do Rei Salomão sobre o templo. Nesta segunda parte da oração, Salomão nos diz que se um estrangeiro, que não seja membro do povo de Deus vier até o tempo, por causa do Nome do Senhor, Deus estenderá sua mão sobre ele e escutará seus pedidos. A grande lição é que Deus está aberto a todas às nações e à todos os que o buscam como Senhor e Salvador. Não precisamos mais nos submeter a normas ou regras estabelecidas no período da lei. O Evangelho é suficiente para nos libertar de todo o pecado e nos levar diretamente à Deus.

Será que como Igreja estamos tão abertos aos outros como Deus está? Será que estamos estabelecendo dificuldades ou empecilhos para que as pessoas cheguem à Deus?

 

 

Sermão do Domingo do Próprio 5

(I Reis 17:17-24; Gálatas 1: 11-24; Lucas 7:11-17)

TEMA: A autoridade que a Igreja tem para pregar (Gálatas 1: 11-24).

Introdução: Ter autoridade é o mesmo que ter a capacidade e o poder de decidir ou de agir de uma determinada forma. Em todo o período da história da Igreja Cristã a questão da autoridade para pregar o evangelho sempre foi muito importante. Afinal qualquer um pode anunciar o evangelho ou existem prerrogativas que autorizam algumas pessoas – e não outras – a fazer o mesmo?

Elucidação: No texto que acabamos de ler, Paulo está argumentando com os gálatas que já era apóstolo mesmo antes de ter encontrado pessoalmente com os demais apóstolos, e, por isso, teria autoridade apostólica para pregar o evangelho que recebera de Jesus. Mais à frente, em 2: 1-10, Paulo demonstrará que fora reconhecido por eles como um apóstolo, também. Mas o que importa, neste momento, é afirmar algumas verdades significativas sobre sua autoridade para pregar. A mesma autoridade que a Igreja Cristã tem hoje. E, sobre esse tema, podemos afirmar três verdades:

I. NÃO É DE ORIGEM HUMANA (v. 11-12)

  1. Não é de origem humana. Paulo nos diz que ele nem “recebeu” nem “aprendeu” de homem algum. Ao dizer que que ele não “recebeu” de homem algum, Paulo usa, na origem da frase a conjunção grega “gar” que a liga à informação anterior. Mostrando que seu interesse não é agradar ninguém. Quanto ao termo “aprendeu” (edidakthên) ele destaca que, apesar de ter sido um dos melhores alunos de Gamaliel e de sua escola teológica farisaica, o Evangelho que ele prega não foi aprendido em uma sala de aula. Segundo comenta Charles Erdman, o evangelho que ele pregava “Nada tinha de humano nem no seu caráter, nem no seu conteúdo, nem na sua origem”.
  2. É fruto da “revelação de Jesus Cristo”. Originalmente Paulo diz que ele o recebeu por revelação (apokulypseôs) de Jesus Cristo. Esta palavra, em particular, significa “retirar o véu” ou “desvendar” algo que estava em oculto. Tudo o que ocorreu, não foi resultado da ação humana ou de seu esforço, mas era o resultado da ação sobrenatural de Deus em Cristo. Ou seja, conforme expõe John Stott: “O seu evangelho, que estava sendo colocado em dúvida pelos judaizantes e abandonado pelos gálatas, não era uma invenção (como se a própria mente o tivesse fabricado), nem uma tradição (como se a igreja lho tivesse transmitido), mas uma revelação (pois Deus é quem o revelara a ele)”.

Jesus Cristo, neste texto, tanto pode ser interpretado no sentido objetivo, ou seja, aquele que revela e que entrega a revelação, quanto pode ser visto no sentido subjetivo, ou seja, como o tema da revelação que foi recebida. Ambos os casos são possíveis, mas Cristo é sempre o centro da revelação.

Aplicação: No texto de I Reis encontramos o profeta Elias na casa de uma viúva cujo filho jazia moribundo no andar de cima. A morte do único filho de uma viúva significaria que aquela mulher estaria à mercê da própria sorte, uma vez que ninguém se inclinaria para ajudá-la. Elias, deitou o corpo inerte do filho daquela senhora sobre a cama e, estendendo-se sobre ele, orou ao Pai por três vezes. Diz o texto que Deus ouviu a oração de Elias e a alma do menino voltou a ele. Quando os dois descem até o piso, Elias diz: “Eis aqui teu filho vivo”. Ao que a mulher exclama: “Agora vejo que és um homem de Deus e que a palavra do Senhor em tua boca é verdade.

A Igreja precisa assumir a mesma postura de Elias. Acudir as viúvas e restaurar a vida e o sustento dessas pessoas excluídas da sociedade. Aquela pobre viúva morava em Sidom, cidade onde hoje é o Líbano. Ela era, portanto, uma mulher gentílica que recebe a visita do profeta de Deus e assiste a manifestação de sua Graça. Deus está sempre disposto a mostrar sua graça aos mais humildes.

II. IMPLICA EM UMA COMPLETA CONVERSÃO NA VIDA (v. 13-14)

  1. Ele era um perseguidor da Igreja de Deus. Paulo, nesses versículos destaca sua vida passada, antes de encontrar-se com Jesus, e destaca que ele era um judeu “perseguidor” da Igreja de Deus. A palavra “perseguidor” (ediôkon), no indicativo ativo, aponta para um ato persistente e contínua de perseguir ou caçar aqueles que pertenciam à Igreja de Deus. E ele perseguia de uma forma especial. Ele usa a expressão (kath huperbolên) querendo dizer, literalmente, “além da medida ou excessivamente”. E por isso ele era temido por todos os Cristãos.
  2. Ele era zeloso no que fazia. Ao dizer que ele era “zeloso” no que fazia, ele usa a palavra zêlôtês para afirmar que sua relação com a tradição de seus pais era absolutamente fundamental em sua vida. Nada deste mundo poderia fazer com que ele abandonasse essa tradição (paradóseôn) ou conjunto de ritos, práticas e crenças que ele recebera de sua família de fariseus. Guthrie nos diz que “Sua disposição mental na ocasião não era favorável, de um ponto de vista natural, ao recebimento do evangelho”. Em resumo, Paulo levava a sério o que fazia. E se o que ele tinha que fazer era perseguir os Cristãos, ele o faria da melhor forma.
  3. Ele excedia a muitos de sua idade. Paulo está dizendo que, mesmo ainda em tenra idade, ele já dava mostras de que “cortava caminho” para seguir em frente. Para Donald Guthrie o propósito de Paulo era demonstrar que poucos conheciam o judaísmo como ele conhecia. Por isso, “Ao invés de demonstrar orgulho nesta realização, Paulo fica maravilhado que Jesus Cristo tivesse vindo salvar um fanático farisaico tão empedernido quanto ele”. Em que pese seu absoluto compromisso com o judaísmo, Jesus o fez cair do cavalo e lhe mostrar a verdade de uma forma que ele jamais poderia recusar.

Aplicação: Para que tenhamos autoridade para pregar o Evangelho é preciso mais do que saber versículos decorados ou utilizar bem a oratória. Vemos isso em muitas esquinas de nosso país. Essas pessoas precisam demonstrar em suas vidas a mudança que ocorreu na vida de Saulo, que, porque mudou completamente sua vida, passou a ser chamado de Paulo. O que não tem sentido é vermos sacerdotes ou pastores com muito carisma e nenhum caráter. Com um lindo discurso, mas com uma vida comprometida com o egoísmo e a ganância. É estranho ouvir de alguém que é cristão e não ver, em seu coração, espaço para a graça e para o perdão de Deus. Deus não espera outra coisa de quem se compromete com ele, além de uma verdadeira conversão.

III. É BASEADA NA AUTORIDADE DIVINA (V. 15-21)

  1. Que nos escolheu antes de nascer. Paulo começa a descrever a sua conversão e destaca que ela não era o resultado de alguma espécie de alucinação. Ele realmente contemplou a Cristo com seus olhos naturais. Mas, antes disso, ele chegou à conclusão de que ele havia sido “separado antes de nascer”. Esta expressão, afirma Hendriksen, assinala muito mais do que a mera providência divina como se revela no nascimento físico de Paulo, mas “Indica que Dios no esperó a que Pablo probara primero su dignidad o excelencia antes de nonbrarlo para uma importante función en su reino”. Muito ao revés. Paulo já havia sido destinado para essa missão desde antes de seu nascimento. O verbo “apartou” ou “escolheu”, em grego aforizô, significa “demarcar” e “separar”. A ideia que subjaz ao texto é um chamado para um propósito especial.
  2. Que nos chamou por sua graça. Chamar pela “sua graça”, significa, diz John Stott, “chamar pelo seu amor totalmente imerecido. Paulo estivera lutando contra Deus, contra Cristo, contra os homens. Ele não merecia misericórdia, nem a pedira. Mas a misericórdia fora a seu encontro e a graça o chamara”. Deus tinha um plano para com aquele jovem perseguidor do evangelho. Mas ninguém poderia imaginar que a graça de Deus o alcançaria de forma tão forte.
  3. Para pregarmos às nações. A razão de ser chamado por Deus e atingido por sua graça é fazer com que ele, mesmo tendo nascido em uma família tradicionalmente judaica, se tornasse um “apóstolo aos Gentios”. Deus queria que ele pregasse às nações (em grego ethesin), ou seja a todo os “não judeus”.
  4. Que aprendemos de Deus pessoalmente. Assim como o Filho revelou o Pai, Deus “revelou seu Filho em mim”. A revelação do Filho de Deus a Paulo, diz Champlin, “ensinou a Paulo qual a sua verdadeira ‘identificação’, qual a ‘importância do seu significado’ para com todos os homens”. O conhecimento que Paulo teve de Cristo foi pessoal, místico e extremamente profundo.
  5. Que não conhecemos os Apóstolos. Tendo sido chamado a ser “apóstolo aos gentios”, Paulo nunca se preocupou em buscar a aprovação dos apóstolos. Pelo contrário, partiu para a Arábia e de lá, voltou, outra vez à Damasco. Segundo nos informa Erdman “A Arábia era a região que ficava a leste e ao sul da Palestina. Dentro de seus limites ficava o histórico Monte Sinai. Naquela região Deus se revelara a seu povo por instrumentalidade de Moisés, e ali também recebera Elias a revelação da graça e do poder de Deus. Foi para lá que Paulo se dirigiu para que tivesse tempo para a oração e a meditação”. Foi lá que Paulo recebeu a mensagem que deveria entregar aos gentios.

Depois de três anos de meditação Paulo vai até Jerusalém e lá permanece quinze dias. Lá encontra Pedro e Tiago, o irmão do Senhor. A razão pela qual Paulo foi até Jerusalém nos é expressa por Erdman quando diz que “o seu objetivo, ao ir a Jerusalém, não era ser instruído pelos apóstolos sôbre o evangelho, nem tampouco receber autorização apostólica (…) mas simplesmente afastar das mentes dos discípulos em Jerusalém suspeitas e temores” (sic). Paulo queria que os apóstolos conhecessem o resultado da graça de Deus em alguém de uma forma concreta, transformando um perseguidor zeloso em um perseguido por amor à Cristo.

  1. Que nos faz aptos para fazer as nações glorifica-lo. Depois de Jerusalém, Paulo vai para a região da Síria e da Cilícia. Foi em Antioquia da Síria que Paulo deu início ao seu ministério apostólico. Lá foi fundada a primeira igreja Cristã. E foi de lá que ele e Barnabé saíram para a primeira viagem missionária, espalhando o evangelho por onde iam. De lá foram à Chipre e, em seguida, à Galácia, onde fundou uma igreja.

Conclusão: Na leitura do livro de Lucas, vemos Jesus encontrando um grupo de pessoas levando um caixão até o cemitério da cidade de Naim. Ao lado do caixão está uma viúva que não apenas está destruída por perder seu filho, mas porque sabia o que significaria ser viúva na sociedade judaica e não ter ninguém que a sustentasse ou a protegesse. Jesus faz parar a multidão e se dirige ao caixão. Quando o toca diz: “Jovem, eu te mando: levanta-te”. O morto se levanta e passa a falar com Jesus. Todos ficam possuídos de temor e passam a glorificar a Deus afirmando que Ele estava visitando aquele lugar.

Em nossa sociedade também encontramos o império da morte dirigindo multidões entristecidas até o lugar dos mortos. Mas a Igreja, assim como Jesus, pode intervir no curso dessa multidão e anunciar a vida, ao invés da morte; a justiça ao invés da injustiça e a partilha ao invés da exploração. A autoridade para fazer isso já nos foi dada quando o Espírito Santo desceu sobre a Igreja e nos habilitou e capacitou a ir por todo o mundo anunciando as Boas-Novas. Sim, a vida vencerá a morte.

 

 

Sermão do Domingo do Próprio 6

(II Samuel 11: 26-12:10, 13-15; Gálatas 2: 11-21; Lucas 7: 36-50)

TEMA: A luta pelo verdadeiro Evangelho (Gálatas 2: 11-21).

Introdução: Quando, no século XVI, um ilustre e desconhecido padre de um dos cantões da Alemanha se levantou contra a ordem do papa Leão X de vender indulgências para ajudar na construção da Basílica de São Pedro, toda a cristandade se abalou. Mas aquele desconhecido padre estava levantando a bandeira da fé contra as obras, afirmando que o “o justo só poderia viver pela fé” (Romanos 1:17). Em outras palavras ele estava dizendo que nem mesmo o papa poderia contrariar à Palavra de Deus quando afirma em Efésios 2: 8,9: “pela graça sois salvos, por meio da fé, e isso não vem de vós, é dom de Deus; não vem por obras para que ninguém se glorie”. Para Lutero a salvação nada tinha a ver com o que o pecador faz ou deixa de fazer, mas com o que Cristo fez na cruz. Nenhum outro mandamento pode ser dado ao homem, além da fé em Cristo, pelo qual devamos ser salvos.

Elucidação: Logo de chofre percebemos que esse é um dos textos mais importantes no Novo Testamento, porque mostra um dos primeiros conflitos da igreja cristã primitiva. E o cenário em que ele ocorre não é Jerusalém, a cidade dos judeus, mas Antioquia, a cidade dos gentios. No início da carta Paulo começa recordando sua história, sua conversão, seu ministério pessoal primitivo, que era totalmente independente dos demais apóstolos. Em seguida ele fala de como foi recebido em pé de igualdade pelos apóstolos no Concílio de Jerusalém. E agora, inicia sua argumentação demonstrando que teve que repreender aquele que era tido por alguns como o líder dos discípulos, Pedro, por causa de seu comportamento duvidoso.

I. QUANDO NECESSÁRIO, IMPLICA EM CONFRONTA OS LÍDERES DA IGREJA (v. 11-13)

  1. Paulo resistiu a Pedro “na cara”. Segundo Erdman “Tal gesto de Pedro nenhuma base tinha de convicção; era um ato de pura covardia, insinceridade e falsidade”. Se Pedro havia negado a Cristo no passado, ele o estava negando mais uma vez naquele momento, ao afirmar que sua morte não era suficiente para salvar os pecadores. A atitude de Pedro, chamada aqui de “repreensível” (no grego katagnôsménos, que significa “condenável”) fez com que Paulo se levantasse publicamente para repreendê-lo por hipocrisia (upokrisei) (v. 13), ou dissimulação.
  2. Ele estava agindo de forma repreensível. Mas o que foi que ele fez? Segundo as Escrituras, afirma Stott, “Quando Pedro chegou em Antioquia ele comia com os cristãos gentios. (…) Seus antigos escrúpulos judaicos haviam sido vencidos. Ele não se considerava de forma alguma desonrado ou contaminado pelo contato com os cristãos gentios incircuncisos, como antigamente (…) Então, um dia, chegou a Antioquia um grupo de Jerusalém. Eram todos crentes cristãos professos, mas eram de origem judaica, escrupulosos fariseus na verdade (Atos 15:5) e vinham ‘da parte de Tiago’ (Gl 2: 12), o líder da igreja em Jerusalém”. Estes homens quando chegaram começaram a pregar: “Se não vos circuncidardes segundo o costume de Moisés, não podeis ser salvos” (Atos 15:1). O que ocorreu então? Pedro, diante da chegada dos enviados de Jerusalém, passou a assumir uma postura absolutamente diferente da anterior, deixa de se assentar com os Cristãos gentios e de comer com eles, e apoiou aos que desejam submetê-los ao intolerável jugo da lei.
  3. Ele estava influenciando a outros, como Barnabé. Até mesmo Barnabé, o ilustre companheiro de viagens de Paulo e que presenciou o anúncio do Evangelho entre os gentios, deixou-se levar pela dissimulação de Pedro. Mesmo ele, diz Erdman, que com Paulo “havia proclamado o evangelho da graça e da liberdade da lei, até êle foi arrastado à miserável hipocrisia!” (sic). Mas Paulo não está acusando Barnabé de hipocrisia. Segundo Guthrie, “visto o verbo não somente aparecer no passivo como também seu próprio significado subentende ter Barnabé sido arrastado impensadamente”.

Aplicação: Na primeira leitura a Bíblia nos reporta à história de Davi e Bate Seba. O texto nos diz que, depois da morte de Urias, Davi mandou buscar a viúva para ser uma de suas esposas. Ela deu à luz um filho e isso “foi mal aos olhos do Senhor” (II Sm 11:27). Neste momento entra em cena a figura do profeta Natã que lhe conta a história de um homem rico que rouba a única cordeirinha de seu vizinho, que era pobre. Depois de ouvir tida a história, Davi fica irado e diz que aquele homem rico que fez tal coisa deveria ser morto. Diante dessas palavras o profeta diz: “Tu és o homem” (II Sm 12:7).

Os profetas de Deus não devem se importar em ter que dizer a verdade a quem quer que seja. Davi havia mandado um homem para a morte afim de ficar com sua esposa. O homem de Deus acusa o Rei de assassinato e este teve que se humilhar diante do Senhor. Será que temos em nossos dias profetas que digam aos poderosos o que Natã disse para Davi?

II. QUANDO NECESSÁRIO, IMPLICA EM REAFIRMAR AS BASES DO EVANGELHO (v. 14)

  1. Paulo percebeu que ele não estavam “andando bem”. Nos dias de hoje a melhor tradução seria: “não andavam pela trilha correta”. Pedro abandonara a vereda correta e passara a trilhar o caminho errado. Em outras palavras, citando Mussner (IN Rienecker e Rogers), “eles não estavam caminhando na retidão do verdadeiro evangelho”. Quando deixamos o caminho da fé para seguir o caminho das obras, estamos trilhando um caminho perigoso. O verdadeiro caminho é o da fé. O Arcebispo Crammer, em seu primeiro Livro das homilias escreveu, cita Stott: “Esta fé é a que as Sagradas Escrituras ensinam: é a rocha sólida e o fundamento da religião cristã. Esta doutrina todos os antigos autores da igreja de Cristo aprovam. Esta doutrina levou adiante e estabeleceu a verdadeira glória de Cristo, e derrotou a glória inútil do homem. Todo aquele que a negar não pode ser considerado um verdadeiro cristão”.
  2. Paulo coloca Pedro em xeque-mate. A pergunta de Paulo foi acachapante: “Se tu, sendo judeu, vive como os gentios, e não como judeu, porque obrigas os gentios a viverem como judeus?” (v. 14). Pedro estava sendo incoerente e insincero, até porque já tivera a visão, anos antes, em Jope, que ele não deveria considerar “impuro” o que Deus purificara, referindo-se à conversão de Cornélio, um romano.
  3. O erro era aderir à tese da complementação. A questão era a seguinte: os gentios que se convertiam ao cristianismo eram vistos como cristãos de segunda categoria porque não cumpriam os rituais da lei de Moisés. Os judeus convertidos ao cristianismo, diz Ederman “entendiam que lei acrescentava um certo grau de santificação que a simples em Cristo não conferia”. Ora essa afirmação significava, na prática, que era necessária uma suplementação da justiça oferecida por Cristo e que era vista, agora, como insatisfatória e incompleta.

Aplicação: Na leitura do Evangelho de hoje Jesus entra na casa de um fariseu chamado Simão. Jesus entra em sua casa e se assenta em sua mesa. Neste momento, uma mulher descrita no texto como “pecadora”, sabendo onde Jesus estava, foi até lá com um vaso de alabastro repleto de unguento. Vindo por trás, aos seus pés, regava-os com suas lágrimas e os enxugava com seus próprios cabelos. Neste momento, o fariseu questionou o Senhor em seu coração dizendo que se ele fosse realmente um profeta, saberia que aquela era uma mulher mundana. Diante desse pensamento Jesus conta uma estória sobre dois homens que tinham uma dívida. Uma de quinhentos e outro de cinquenta denários (o salário de um dia). Sem ter com que pagar, ambos foram perdoados. Daí o Senhor pergunta à Simão: “Qual deles o amará mais?” Simão respondeu: “Suponho que aquele a quem mais perdoou”. Jesus disse: “julgaste bem”. Em seguida deu-lhe uma lição sobre o perdão dizendo que havia entrado em casa de Simão e esse não lhe deu água para lavar os pés empoeirados; não lhe deu o ósculo da paz nem ungiu sua cabeça com óleo. Aquela mulher, contudo, regou os pés de Jesus com suas lágrimas, ungiu-os com bálsamo seus pés e os enxugou com seus cabelos. Por isso, porque ela era muito pecadora e humilde o bastante para agir dessa forma para com o Senhor, disse-lhe Jesus: “Perdoados são os teus pecados”. E diz o texto que ele assim o fez “porque ela muito amou”. O que a fez servir ao Senhor não foi a busca pelo perdão, como se ela estivesse barganhando com ele. Foi seu amor. E como resultado de seu amor pelo Senhor, ela recebeu o perdão de todos os pecados.

Não “andamos bem” quando colocamos muros, e não pontes, entre Deus e as pessoas; quando exigimos que elas cumpram determinados atos morais ou que façam certas obras de justiça. A única coisa que o Evangelho exige de nós é a fé, que sempre anda ao lado do amor e da esperança. Aquele que acredita encontrará perdão. Não aquele que prepara uma mesa abastada para mostrar que é um bom “servo de Deus”. Deus prefere os humildes e pecadores aos arrogantes e julgadores da vida alheia. 

III. IMPLICA, SEMPRE, EM REAFIRMAR O EVANGELHO DA GRAÇA (v. 15-21)

Reafirmar o evangelho da graça de Deus significaria afirmar algumas verdades que jamais deveriam ser esquecidas:

  1. Que segundo a lei todos são pecadores. Além de sentir na prática da vida essa verdade, Paulo e Pedro conheciam as Escrituras que afirmavam “Não há justo nenhum entre os viventes” (Salmo 143:2). O grande propósito da lei era demonstrar que ninguém seria capaz de cumpri-la e, dessa forma, ser declarado justo diante de Deus. Conforme Erdman “Tal é, de fato, a experiência de todo aquêle que, em sinceridade, procura salvar-se mediante a observância da lei moral, por meio da justiça pessoal e da obediência à sua consciência. Na medida em que esse homem percebe a altura e a profundidade, o comprimento e a largura das exigências da lei, convencer-se-á de que nunca poderá cumprir a lei” (sic). Mas os judeus, lamentavelmente, não compreenderam essa realidade.
  2. Que revela a insuficiência da lei. As obras da lei não bastavam para alcançar a justiça. Era verdade, afirma Erdman, “que os judeus eram uma nação santa, herdeiros dos concertos e promessas de Deus. Haviam chegado a uma certa santidade em contraste com os gentios”. No entanto, mesmo Pedro, assim como Paulo, tinham a consciência de que, se “nem mesmo os judeus podiam ser justificados mediante a estrita obediência da lei, por que submeter à lei os gentios que, como os judeus cristãos, tinham sido salvos mediante a fé em Cristo?”. A incompetência da lei em salvar os homens tinha dois aspectos, segundo afirma Erdman: “Não só o seu padrão moral era tão alto que nenhum homem jamais poderia atingi-lo para ser justificado, como também não oferecia auxílio algum por meio do qual pudesse o homem satisfazer as exigências da lei”.
  3. Somente a fé em Cristo justifica o homem. Somente quando somos conscientes de que jamais poderemos cumprir toda a lei com nosso próprio esforço e de que somos incapazes de observar tudo o que ela preconiza é que deixamos de confiar em nossos próprios esforços e em nossa própria capacidade para nos voltarmos para a cruz de Cristo. Ao olhar para a cruz e para o crucificado, Paulo identificou-se tanto com ele que chegou a afirmar: “Estou crucificado com Cristo, e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim” (Gálatas 2: 19b, 20a). Quando nos unimos misticamente com Cristo na cruz, somos declarados mortos, portanto nada mais temos a pagar por nossos erros, mas também com Cristo ressuscitamos para uma nova vida, de tal forma que “a vida que agora vivo na carne, vivo na fé do Filho de Deus que me amou e a si mesmo se entregou por mim” (Gálatas 2: 20). O encerramento da argumentação de Paulo é claro: se a justiça vier por intermédio da lei, segue-se que Cristo morreu em vão (Gálatas 2:21). Todos os que guardam a lei como um meio de salvação, diz Erdman, “virtualmente rejeita a morte expiatória de Cristo. É preciso escolher entre as obras e a graça, entre Cristo e a lei”.

Conclusão: Vivemos em uma sociedade que valoriza muito as boas obras e as ações em favor dos mais necessitados. Tudo isso é absolutamente digno de louvor e deve ser incentivado. No entanto, diante de Deus, essas obras de nada servem para a salvação. Segundo o evangelho da Graça, nossa salvação é um dom, ou seja, um presente não merecido, de Deus, para nós, em razão de nossa fé em Cristo. Por isso Paulo escreveu: “pela graça sois salvos por meio da fé”. Todos somos pecadores, independentemente de nossa etnia. Judeus e pagãos, ricos e pobres, negros e brancos, homens e mulheres, todos devem buscar em Cristo o Senhor de sua vida e dedicar tudo o que são e o que têm à Ele. Sem a graça de Cristo, não há possibilidade de salvação. A verdadeira fé, no entanto, não é estéril. Ela gera obras e comportamentos adequados aos cristãos.

Afinal, porque seguimos a Jesus? Para recebermos uma coroa de ouro e cristal e para morarmos em uma mansão celestial? Ou porque o amamos e cremos que ele é o Senhor de nossa vida?

 

 

Sermão do Domingo do Próprio 7

(Zacarias 12: 8-10, 13:1; Gálatas 3: 23-29; Lucas 9: 18-24)

TEMA: As promessas da Graça de Deus (Gálatas 3: 23-29).

Introdução: Quando meu filho mais velho era uma criança de cerca de quatro anos, lembro que precisei sair para resolver alguns afazeres no centro da cidade. Ao sair ele me parou à porta de casa e me pediu, simplesmente, que eu trouxesse um saco de pipocas. Algumas horas depois, quando cheguei em casa, ele simplesmente parou em minha frente e estendeu a mão, sem nada dizer. Eu retirei da sacola o saco de pipocas e dei para ele. Mas, naquele momento eu perguntei: porque você não pediu a pipoca? Ele me respondeu: “porque o senhor disse que traria e eu acredito no senhor”. Ele acreditou na promessa que eu fiz.

Elucidação: Entre os versículos 15 e 22, deste capítulo, Paulo recapitulou os mais de dois mil anos de história que vão desde Abraão, passando por Moisés e chegando até Jesus Cristo. Aqui, no transcorrer dessa história, aprendemos que Deus deu uma promessa para Abraão e uma lei a Moisés. Mas revela muito mais. Revela que a lei tinha como grande propósito, demonstrar que ela jamais conseguiria cumprir a promessa que Deus fizera a Abraão. Por isso Cristo era necessário. O ilustre teólogo John Stott nos ensina que “esse progresso da promessa através da lei para o cumprimento da promessa é mais do que a história do Antigo Testamento e da nação judia. É a biografia de cada um de nós, ou, pelo menos, de cada cristão”. Com base nesses textos que fazem o contexto do texto de hoje, podemos apresentar três grandes verdades sobre a promessa da graça, aos filhos do pacto:

I. AS PROMESSAS NÃO SE REALIZARIAM SOB A LEI (v. 23-24)

  1. Porque ela nos aprisionava. A primeira informação importante sobre aqueles que estão sob a lei é que eles estão sob sua “tutela”. Quando nos aproximamos do verbo usado por Paulo para descrever essa situação percebemos que ele usou o verbo grego phroureô, que nos fala de uma “proteção com guardas militares”. Conforme explicam Rienecker e Rogers, “O verbo transmite a idéia de montar guarda para proteção; vigiar. Tem a idéia de uma guarnição que mantinha a guarda de uma cidade” (sic). É importante perceber que esse tipo de guarda tanto tinha a obrigação de defender os que estavam dentro da cidade, mantendo os inimigos fora dela, quanto tinham a obrigação de evitar que alguém deserdasse ou abandonasse sua função na cidade.

Mas Paulo vai mais adiante e, além de nos dizer que estávamos sob a tutela da lei, estávamos nela “encerrados”. Ao usar o verbo grego sungcleiô, Paulo está nos dizendo que a lei nos “agarra”, nos “engaiola”, assim como os peixes descritos em Lucas 5:6 – que descreve a pesca maravilhosa – afirma que os discípulos “apanharam grande quantidade de peixe”. É isso que a lei faz conosco. Ela nos aprisiona. Donald Guthrie nos diz que ela “impunha uma limitação tão severa que até sua função de custódia resultou num senso de encarceramento sem esperança”. Prisioneiros não poderiam receber, por meio da lei que os aprisionava, a graça que os libertaria.

  1. Porque ela nos castigava. No entanto, além de nos aprisionar a lei, segundo Paulo, agia de uma segunda forma bastante importante, ela é descrita por Paulo como “Aio”, ou seja, como paidagôgôs, em grego, o que significa, literalmente, como “tutor” ou como “guardião de uma criança”. Comentando esse termo, John MacGorman nos diz que esta palavra se referia a um escravo “que – como guardião – era encarregado de um menino entre os seis e os dezesseis anos de idade”. Este escravo, que possuía o dever de disciplinar a criança, era sempre representado nos vasos antigos, com uma vara na mão, apontando que seu papel era o de ser um severo governante de tomava conta do comportamento moral da criança e, para tanto, tinha a autoridade para castiga-la. Crianças sob o julgo dos seus guardiões não podiam receber a promessa da graça.

Aplicação: Na leitura do Evangelho de hoje aprendemos uma grande lição que inverte os valores de nossa sociedade. Jesus nos ensina aqui que “quem quiser salvar a sua vida vai perde-la; mas quem perder a sua vida por amor de mim, esse a salvará” (Lucas 9:24). Jesus quer nos ensinar que a verdadeira salvação não se encontra no lugar comum da obediência à normas, leis, preceitos, etc. Tampouco se encontra em um comportamento impecável, no sofrimento extremo ou na privação da alegria e da felicidade. Só ganha a vida quem é capaz de perde-la. Só vive para sempre quem é capaz de morrer e de tomar a Cruz – assim como Cristo tomou – e segui-lo. É no seguimento de Jesus, e não no cumprimento de obrigações, que encontraremos a realização das promessas de Deus para nós.

II. A FUNÇÃO DA LEI É APENAS NOS ACUSAR (v. 23, 24)

  1. A lei nos dava a convicção de que éramos pecadores. Em Deuteronômio 27: 26 lemos: “Maldita seja toda pessoa que não puser em prática as palavras dessa Lei”. Diante dessa colocação o povo respondeu: “Amém, assim seja!”. Mas eis, que ninguém foi capaz de cumprir toda a Lei de Deus. Pelo contrário, as Escrituras nos dizem que “todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus” (Romanos 3:23). Dizem também que “quem obedecer a toda a Lei, mas tropeça em apenas uma das suas ordenanças, torna-se culpado de quebra-la integralmente” (Tiago 2:10). Dessa forma a primeira grande lição que a Lei nos dá é que somos todos pecadores.
  2. A lei nos dava a convicção de que éramos culpados. Ora, se todos somos pecadores, o somos porque transgredimos às ordens e os mandamentos de Deus. E isso nos torna culpados diante dele. Eis a segunda grande lição que aprendemos com a Lei de Deus.
  3. A lei nos preparava para a vinda de Cristo. Mas a lei não era um fim em si mesmo. Ela era uma forma de mostrar ao homem que nós precisávamos de uma tábua de salvação. E é nesse momento que Deus nos apresente Cristo. Por isso, no texto que lemos, Paulo se expressa: “para essa fé que haveria de revelar-se”, ou seja, Paulo está nos dizendo que, no momento certo, nós, os que estávamos sob a Lei, receberíamos a revelação da fé em Cristo (v. 23). Da mesma forma ele diz no verso 24 que a lei “nos serviu de aio para nos conduzir a Cristo”. Uma vez que o aio é aquele que leva a criança até seu Pai, a Lei nos levou até Cristo. A Lei, que não podia nos salvar ou justificar, nos apresentou àquele que seria nosso Salvador e justificador eterno. Eis a terceira grande lição que aprendemos com a Lei: ela aponta o caminho da salvação, que é Jesus.

Aplicação: A leitura do livro de Zacarias nos fala de um Dia muito especial para todo o povo de Deus. Nesse dia, os que caíram vão se erguer, assim como aconteceu com Davi; neste dia o espírito de graça e de súplica será derramado sobre os habitantes de Jerusalém (símbolo do povo de Deus) E Deus lhes ouvirá as súplicas; neste dia todo pecado e toda impureza será lavada.

Não importa, meu caro amigo, qual seja seu pecado. Em Jesus Cristo encontramos o perdão para ele, porque ainda que vossos pecados sejam como a escarlata, diz o profeta Isaías (1:18) “eles se tornarão brancos como a neve”.

III. É A GRAÇA QUE NOS FAZ HERDEIROS DA PROMESSA (v. 26-29)

  1. Por isso, em Cristo, somos todos filhos de Deus. O versículo 26 diz que todos nós somos filhos de Deus, mediante a fé em Cristo Jesus. Ao invés de estarmos submetidos a um aio ou paidadôgô que nos disciplina e pune, somos todos, agora, chamados de filhos, em grego, uioi theu. Somos agora filhos de Deus por transformação espiritual o que significa que em cada um dos cristãos reside a natureza de “filho” de Deus. Ao dizer isso, afirma John MacGorman, “Paulo procura refutar a declaração dos judaizantes de que os gentios só podiam ser incorporados à comunidade da aliança mediante a circuncisão e a lealdade à lei”. Agora, Paulo diz que somos “filhos” porque fomos “batizados” e “revestidos” em Cristo. Todos os que revelam sua fé em Cristo são batizados e, portanto, revestidos, da mesma forma como se mudássemos a visão que as pessoas têm de nós. Agora, porque cremos e fomos batizados, usamos outra roupa ou, como se fala em nossa sociedade, uma nova grife, a dos cristãos.
  2. Por isso, em Cristo, somos todos um. O versículo 28 nos diz que, em Cristo, não pode haver qualquer distinção étnica (judeu ou grego), social (escravo ou livre) nem sexual (homem ou mulher). É importante reconhecer que, conforme escreve Stott, “Quando dizemos que Cristo aboliu essas diferenças, não queremos dizer que elas não existem, mas que não importam”. Estas diferenças continuarão existindo, mas elas não mais impedirão a comunhão do corpo de Cristo, que é a Igreja. Ninguém é melhor do que ninguém em função de sua etnia, sua condição social ou seu sexo. Todos são tratados igualmente. E são tratados igualmente, porque, em Cristo, “Todos vós sois um”. Segundo Lutero, citado por Champlin, “Em Cristo…todos são iguais. Todos temos recebido um só e o mesmo evangelho, ‘uma só fé’, um só batismo, um Deus e Pai de todos, um só Cristo, que é o Salvador de todos. O Cristo de Pedro, de Paulo e de todos os santos é o nosso Cristo”.
  3. Por isso, em Cristo, somos descendentes de Abraão. O verso 29 nos diz que se somos de Cristo, também somos descendentes de Abraão e herdeiros, segundo a promessa. É importante notar que, se em Cristo pertencemos a Deus e uns aos outros, também em Cristo, pertencemos à linhagem de Abraão. Sim, porque os verdadeiros filhos de Abraão não são aqueles segundo a carne ou à circuncisão, mas aqueles que creem, como Abraão creu. Esse é o ensinamento de Paulo aos Romanos em 4:3 quando diz: “Abraão creu em Deus, e isso lhe foi imputado por justiça”, ou seja, a justificação de Abraão se deu no momento em que ele “creu”, e isso foi o bastante para justifica-lo diante de Deus. Mais tarde, Paulo dirá em Rm 4:16: “A herança, portanto, vem através da fé, para que seja gratuita”. Em outras palavras, não é resultado de nosso esforço pessoal, mas de sua imensurável graça. E ele mesmo já havia ensinado nessa Epístola (Gl 3:6-9), que os homens de fé eram os verdadeiros filhos de Abraão. Portanto, não importa se somos descendentes de judeus ou de gregos, não importa nossa cor ou sexo, o que importa é que crendo em Jesus, somos justificados e, portanto, recebemos a herança prometida à Abraão. A grande lição que Paulo nos quer dar é que, contrariamente ao que ensinavam os judaizantes, confirma Guthrie, “os herdeiros não vieram a possuir sua herança mediante a lei”.

Conclusão: Conforme nos ensina Stott, “A tragédia é que tanta gente separe as duas coisas, desejando uma sem passar pela outra. Alguns tentam ir a Jesus sem se encontrar primeiro por Moisés. Querem ignorar o Antigo Testamento, herdar a promessa da justificação em Cristo sem o prévio sofrimento da condenação pela lei. Outros vão à Moisés e à lei para serem condenados, mas continuam nessa servidão infeliz. Continuam vivendo no Antigo Testamento. Sua religião é um jugo lamentável, difícil de suportar. Jamais foram a Cristo para serem libertados”. No que diz respeito recebimento da herança que Deus prometeu à Abraão, não importam as suas obras, nem se você foi ou não capaz de cumprir um grande número dos preceitos da lei judaica. Sem que você reconheça que é pecador e que precisa da graça de Deus para ser salvo, e, dessa forma, abrace a Jesus como seu Senhor e Salvador, você jamais receberá o que foi prometido aos que creem.

 

 

Sermão do Domingo do Próprio 8

(I Reis 19: 15- 16, 19-21; Gálatas 5: 1, 13-25; Lucas 9: 51-62)

TEMA: Andando no Espírito (Gálatas 5: 1, 13-25).

Introdução: Segundo reza a mitologia sobre o surgimento da Maratona, tudo começou quando, em 490 a.C., os soldados atenienses estavam marchando até a planície de Marathónas, para enfrentarem os persas. Uma vez que eles estavam em menor número, o comandante Milcíades pediu a um de seus melhores corredores para ir até a cidade de Atenas – distante 40 Km – pedir ajuda. O corredor escolhido, Pheidippides, percorreu todo o percurso e, chegando lá, reuniu mais 10 mil soldados que voltaram com ele para a batalha. Após a vitória, Milcíades mandou novamente seu corredor até Atenas com as boas notícias. Mesmo cansado, ele percorreu mais uma vez aquele terreno acidentado e, chegando lá, exausto, antes de cair morto, disse apenas uma palavra: “Nenikêkamen”, que significa, “Vencemos”.

Elucidação: A grande marca da segunda metade da epístola aos Gálatas é que viver em Cristo é viver em liberdade. Antes estávamos presos, amaldiçoados e condenados pela lei; agora, como Filhos de Deus, não somos mais escravos. Estamos livres da Lei, mas não estamos sem Lei. Há uma outra lei que deve orientar nosso comportamento e nossa vida. Em Romanos 8:2 Paulo nos diz que “A lei do Espírito da vida, em Cristo Jesus, te livrou da lei do pecado e da morte”. No texto que lemos hoje, aprendemos o que significa “andar no Espírito”. E somos convidados por Paulo para percorrer a nossa maratona da vida sob a orientação do Espírito Santo. Mas isso, traz consigo três implicações claras.

I. QUANDO VIVEMOS UMA VIDA DE LIBERDADE (v. 1, 13-15)

  1. Uma liberdade definitiva (v.1). Na primeira frase do verso 1, Paulo já renova a tese de que não podemos nos deixar levar pelo legalismo. Ou seja, não devemos nos submeter novamente à escravidão aceitando normas e regras que nos aprisionam. É interessante perceber que nós fomos chamados à liberdade. E quando Paulo usa a palavra “chamados” (no grego eklêthêté), ele usa a palavra cuja raiz está na base da palavra “Igreja” ou eklésia: os que foram chamados.
  2. Uma liberdade que difere de libertinagem (v.13). Não devemos usar a liberdade que recebemos de Jesus para dar ocasião à carne ou aos nossos instintos egoístas. A palavra grega “ocasião” (aphormên), afirma John MacGorman, “era um termo militar que descrevia uma base de operações, lugar do qual um ataque era desfechado”. Nossa liberdade não deve criar a possibilidade de produzir a libertinagem. Sempre que se fala em liberdade, algumas pessoas se inclinam para a libertinagem ou o antinominismo. A verdadeira liberdade nos faz crescer em amor, ao passo que a libertinagem é a tentativa de transformar todos ao redor em nossos servos.
  3. Uma liberdade que se revela no amor (v. 14, 15). Paulo deliberadamente faz entrar em choque duas expressões: “toda a lei” e “um só preceito”. Paulo está concentrando o cumprimento de “toda a lei”, não na prática da circuncisão ou na guarda das festas e cerimônias judaicas, mas na prática do amor. Quem está livre do cumprimento da lei não apenas deixa de seguir seus instintos egoístas, mas também passa a moldar sua vida com base no amor – exigência presente na própria lei (Lv 19: 18) – e abandona a prática da selvageria nas relações com as pessoas, coisa que os judaizantes faziam com maestria. Ao se referir a pessoas que se “mordem e devoram uns aos outros” Paulo descreve as lutas selvagens entre animais.

Aplicação: No texto de I Reis vemos como Elias convoca Eliseu para segui-lo na atividade profética. Ao jogar sobre ele seu manto Elias o escolhe para a missão. Ora, assumir uma atividade profética – guiada pelo Espírito Santo – exige que possamos nos desfazer de todos os demais obstáculos que eventualmente nos impeçam de cumprir nossa missão. Por isso Eliseu foi se despedir de seus familiares, largou seu trabalho e sacrificou seus bens (os bois) em sacrifício ao Senhor. Ele tinha a liberdade de recusar. Mas preferiu dizer “sim” ao chamado profético de Deus.

Cada um de nós tem a mesma escolha e faz a mesma escolha todos os dias. Diariamente nós podemos nos colocar nas mãos de Deus para sermos profetas e levarmos sua mensagem às pessoas com as quais nos relacionamos ou, por outro lado, também podemos escolher omitir as Boas-Novas para essas mesmas pessoas. Que escolha você fará de hoje em diante?

II. QUANDO ABANDONAMOS AS OBRAS DA CARNE (v. 16-21)

  1. Porque andamos segundo o Espírito (v.16). Aquele que vive segundo o Espírito não se inclina mais a fazer o que seus instintos egoístas mandam. A palavra grega traduzida por “andar” (peripeteite), afirma Champlin, “indica a maneira de viver, os costumes da vida diária, o impulso geral e a direção de uma vida humana”. Ademais, estando o verbo na voz ativa, quem deve “andar” somos nós, os que somos “guiados” (voz passiva) pelo Espírito. Quem anda sob a orientação do Espírito Santo jamais buscará satisfazer as concupiscência (epithumian) ou paixões da carne, ou seja, nunca ansiará por aquilo que é proibido.
  2. Este abandono implica em uma luta interna (v. 17). Segundo Paulo, mesmo quem já está livre em Cristo, tem que travar uma luta diária, em seu interior, entre o Espírito e a carne, ou os instintos egoístas. Estas são duas orientações completamente distintas de comportamento com atitudes bem delineadas que Paulo vai passar a descrever. Embora em meio a um conflito interno, o que nos anima, diz Champlin, é que “o fator decisivo no conflito e que nos proporciona a vitória” é a presença do próprio Espírito Santo em nós. Ele é a garantia de que a vitória sobre a carne (sarks) está garantida.
  3. As obras da carne que temos que abandonar são exemplificadas (v. 19-21). Segundo Ivo Storniolo e Euclides Balancin, esses vícios do homem egoísta podem ser divididos em quatro categorias: “a impureza, que perverte o amor humano; a idolatria e a feitiçaria, que pervertem a relação com Deus, único absoluto; as divisões, que pervertem as relações sociais; os excessos da mesa, que revelam a perda da dignidade humana”. É claro que esta lista não é definitiva mas apenas exemplificativa. Existem muitas outras formas pelas quais nosso egoísmo pode se manifestar. Mas cabe a nós, superar o egoísmo (amor por si mesmo) pelo altruísmo (amor pelo próximo).

Aplicação: O texto do Evangelho de Lucas nos coloca diante do encontro de Jesus com três pessoas, enquanto caminhava para Jerusalém. Lucas quer mostrar o que deve fazer aquele que quer se unir à Jesus em seu caminho. Alguns sequer entendem que Jesus se encaminhava para o lugar onde deveria salvar a humanidade; outros dizem que o seguirão a qualquer lugar, mas são logo avisados que nem mesmo Ele tem onde “reclinar a cabeça”. Seguir a Jesus implica em renunciar ao conforto e à segurança, além ter convicção e de jamais olhar para trás.

Ainda hoje há quem queira seguir a Jesus mas continuar satisfazendo suas paixões. Hoje, particularmente, vemos “seguidores” que se dizem cristãos, mas que não estão dispostos a abandonar sua “zona de conforto”, seu salário, sua popularidade, sua relação com os poderosos, seu desejo de poder travestido de humildade, para assumirem uma voz profética. São os pregadores da prosperidade, do evangelho sem cruz, da missa de libertação, de um cristianismo sem luta e sem conflito.

Que tipo de seguidor você pretende ser? Quer ir com Jesus até Jerusalém? Então tome a sua cruz e siga-o, sem olhar para trás.

III. QUANDO VIVEMOS SEGUNDO O FRUTO DO ESPÍRITO (v. 22-25)

  1. Sendo guiados por outras marcas (v. 22-24). Diferentemente dos que se permitem guiar pelos vícios do homem egoísta, quem está em Cristo, vive manifestando o fruto de quem é orientado pelo Espírito. Os tradutores e comentaristas da Bíblia Pastoral – Ivo Storniolo e Euclides Balancin – nos dizem que nestes versículos temos “as condições em que nasce e se desenvolve o amor (fé, mansidão, domínio de si), os sinais da perseverança do amor (alegria e paz) e as manifestações ativas do amor (paciência, bondade, benevolência)”. É claro que esta lista também não é completa e que existem inúmeras formas distintas de praticar o amor ao próximo e, portanto, de viver cristicamente.
  2. Evitando a vanglória (v. 25). Os que conseguem viver segundo o Espírito podem se inclinar para a vanglória, gerando a inveja nos outros. Paulo quer prevenir essa possibilidade. Por isso utiliza aqui o que Donald Guthrie chama de clausula retórica. Segundo ele, o que Paulo quer dizer é: “Já que vivemos no Espírito”… ou seja, a vida no espírito leva inevitavelmente à consequências inevitáveis.

Conclusão: Escrevendo aos Coríntios (I Cor 9:24) Paulo, referindo-se aos jogos comuns entre os gregos nos diz: “Não sabeis vós que os que correm no estádio, todos, na verdade, correm, mas um só leva o prêmio? Correi de tal maneira que o alcanceis”. Não podemos viver nossa vida ou “correr nossa carreira” de qualquer forma. Devemos fazê-la de tal forma que alcancemos a vitória. Para que isso ocorra é preciso a disciplina do atleta e a submissão ao seu treinador. Sem que nos submetamos ao que preconiza o Espírito Santo podemos até usar roupas talares, pronunciar sermões eloquentes, cantar de forma vibrante, mas nossas celebrações não passarão de abominações, por que Deus não suporta a iniquidade associada ao “ajuntamento solene” (Is 1:13). Qual será sua escolha? Qual sua opção? Espero que você escolha andar sob a direção do Espírito.

 

 

Sermão do Domingo do Próprio 9

(Isaías 66: 10-16; Gálatas 6: 14-18; Lucas 10: 1-12, 16-20)

TEMA: O verdadeiro Cristianismo (Gálatas 6: 14-18).

Introdução: Certo dia um pai caminhava com seu filho para a Igreja quando foi interpelado por ele com a seguinte pergunta: “Pai, o que é um cristão?”. O pai tentou responder à pergunta dizendo que “ser cristão era amar a Deus acima de todas as coisas (inclusive o dinheiro e a fama) e ao próximo; era ser amável, ser cordato, era respeitar os outros sem julgar ninguém em função de sua cor, raça, sexo ou condição social; enfim, ser cristão era ser parecido com Jesus. Diante dessa explicação, o garoto fez uma segunda pergunta: “Pai, quando a gente passar por um, o senhor me mostra?”.

Elucidação: Neste contexto o autor está acusando os defensores das teses judaizantes de orgulho, covardia e falsidade. Eles se preocupam apenas com a glória pessoal e fazem de tudo para escapar da perseguição. Ademais, eles pregam a lei mas não se submetem à ela. Paulo, ao contrário, se gloria apenas, mesmo sendo perseguido, na cruz de Cristo. E é assim porque é de lá, da cruz de Cristo, que nasce a nova criação, na qual a circuncisão não tem relevância alguma.

I. TEM SUA GLÓRIA NA CRUZ DE CRISTO (v. 14)

  1. Não em uma prática legalista. Os judaizantes se vangloriavam, afirma Erdman, “na conquista de adeptos, que conduzissem à obediência dos ritos judaicos”. Eles não conseguiam compreender que a verdadeira religião nada tem a ver com o que fazemos para Deus, mas com o que Deus faz por nós. Nas palavras de Stott: “a circuncisão não era apenas um ritual exterior e físico; era também uma obra humana, realizada por um ser humano em outro ser humano”. E porque o humano estava tão presente, era o homem que tinha que receber a glória, de circuncidar e de ser circuncidado.
  2. Paulo se gloria na Cruz. Paulo é profundamente incisivo em sua crítica contra os judaizantes. Ele chega a afirmar, diz Stott, que eles não poderiam “seriamente crer que a salvação seja uma recompensa pela obediência à lei, e argumenta, porque ‘nem mesmo aqueles que se deixaram circuncidar guardam a lei’ (v.13)”. Gloriar-se na cruz parece ser algo estranho e contraditório, porque a cruz era um sinal de vergonha, ignomínia e morte. A cruz de Cristo parecia ser o último sinal de glória e alegria, mas, nela morreu crucificado àquele que mostraria o caminho para uma vida autêntica e não um fantoche manipulado pelos senhores da religião oficial. Mas, o ódio que os judaizantes tinham da cruz vinha do fato de que ela apontava para o “nosso” pecado. Por isso diz Stott: “Toda vez que olhamos para a cruz Cristo parece nos dizer: ‘Estou aqui por sua causa. É o seu pecado que estou assumindo, é a sua maldição que estou sofrendo, é a sua dívida que estou pagando, é sua morte que estou morrendo’”. Não nos gloriamos no que fizemos, mas no que Deus fez por nós.

Aplicação: No texto do Evangelho de hoje Lucas descreve o envio dos setenta para exercerem a missão para a qual Jesus os designou. Quando retornaram demonstraram toda sua alegria porque até mesmo os demônios se submetiam à eles. Jesus, contudo, os adverte dizendo que os verdadeiros motivos de alegria para eles não devem ser as manifestações externas mas o fato de que eles estão com os nomes arrolados nos céus. Este é o verdadeiro motivo da alegria do cristão: eles são parte de uma nova realidade desconhecida e até abominada pelos judaizantes. Eis nosso grande motivo de alegria, a cruz de Cristo e suas consequências!

II. ESTÁ PREOCUPADO EM GERAR NOVAS CRIATURAS (v. 15)

  1. A cruz de Cristo oferece um novo caminho. A conjunção “porque” (outé gar) que inicia o versículo, o liga ao anterior e quer dizer que: é porque a circuncisão não tem valor algum que a salvação vem da cruz, gerando um novo caminho. O caminho dos judaizantes era cheio de obrigações e exigências que deveriam ser praticadas para se chegar até Deus.
  2. A cruz de cristo produz pessoas que assumem uma postura. Alguém que é “nova criatura” em Cristo, rompe com o velho “sistema” de coisas, com a velha religião baseada na troca, na barganha e no sacrifício. O que interessa, afirma Hendriksen, é compreender que “Essa ‘criação’ é nova em contraste com a natureza velha e gasta do homem. (…) [esta] é uma criação que sai fresca do coração de Deus o Todo-Poderoso, e é um presente seguro das glórias mais maravilhosas que estão por vir como resultado de seu poder transformador”. O Novo Homem vive em razão da fé, pela graça de Deus e não em razão de suas obras e de seu esforço próprio. Ele assume essa postura e esse compromisso com o novo mesmo que isso implique em perseguição.
  3. A cruz de Cristo gera indivíduos que já nascem mortos. Por isso ele pode dizer que o mundo está crucificado para ele e ele para o mundo” (v.14). apesar de usar a palavra kosmô, esta palavra está revestida de seu aspecto moral e não físico. Moremos para o mundo porque fomos crucificados com Cristo e vivemos uma nova vida, com novos padrões e novos valores. Paulo está se identificando com Cristo em sua morte e assumindo para si as consequências disso: viver uma nova vida fruto da fé em Cristo.

Aplicação: O texto do profeta Isaías aponta para um momento em que, aqueles que choravam e prateavam por Jerusalém, serão, agora, regozijados porque a amamos. Serão consolados como quem é consolado e amamentado por uma mãe e terão seus ossos revigorados como erva tenra. Este texto profético aponta para o futuro de Sião, a Jerusalém de Deus, ou a Nova Jerusalém, que é a cidade santa ou o povo santo de Deus. Este povo será renovado, revigorado e restaurado pela nova realidade trazida por Cristo e que já se havia sido profetizado no livro de Isaías. Na leitura paulina e na interpretação feita pelos cristãos da igreja primitiva, os judeus não foram capazes de reconhecer em Jesus o Cristo esperado. Mas, todos aqueles que o reconhecem, tornam-se Novas Criaturas e rompem com os padrões de exploração, individualismo, manipulação ideológica e consumismo que marcam nossa sociedade. As novas criaturas têm compromisso com um novo eon que os tornam novas criaturas com compromissos com novos valores.

III. ANDAM CONFORME A REGRA ESTABELECIDA POR PAULO (v. 16)

  1. As novas criaturas não andam de qualquer forma. Elas possuem uma “regra” (kanóni) ou um novo “padrão”. Para o comentarista Donald Guthrie, este termo “significa literalmente ‘uma beirada reta, uma regra’, no sentido de um ‘princípio’, e decerto se refere ao princípio enunciado nos dois versículos anteriores, i.e., a importância central da cruz”. Segundo Erdman, “A ‘regra’ a que Paulo se refere é o grande princípio por ele estabelecido. É a regra daqueles que põem sua inteira confiança na obra redentora de Cristo, e cuja alegria decorre do poder de viver uma vida santa pela virtude do Espírito de Cristo”.
  2. Eles são o Israel de Deus. Esta expressão não ocorre em nenhum outro lugar no Novo Testamento. Portanto uma vez que ele fala em “Israel” referindo-se às pessoas que andam “conforme a regra”, parece-nos claro que ele se refere aos Cristãos como o “novo Israel”, ou como aqueles que realmente são descendentes de Abraão. Não existem cristãos de primeira e de segunda classe. Quando Paulo usou essa expressão ele quis dizer que todos os que depositam sua confiança em Cristão fazem parte do “Israel de Deus”. Eles são os verdadeiros descendentes espirituais de Abraão, o “pai de todos os que creem”.

Conclusão: No livro de Gênesis lemos que Deus chamou um homem por nome Abrão e o enviou para uma terra desconhecida com a promessa de que ele seria pai de uma grande nação. Sem pestanejar ele seguiu à orientação de Deus. Este homem também recebeu a promessa de que, apesar da idade de sua esposa, seria pai, e ele acreditou. Quando seu filho Isaque, nasceu, Deus estabelece a “marca externa” daqueles que são filhos dos que creem: a circuncisão. Mais tarde Paulo dirá que, a verdadeira circuncisão é a feita no coração e não na carne. Aqueles que tiverem a marca em seus corações serão, esses sim, os verdadeiros filhos de Abraão. Citando suas palavras: “judeu é aquele que o é interiormente, e circuncisão, a que é do coração, no espírito, não segundo a letra, e cujo louvor não procede dos homens, mas de Deus” (Rm 2:29).

Não podemos imaginar que somos verdadeiramente Cristãos se nossa religião não se caracteriza pela circuncisão no coração ou na mudança interna e paradigmática na mente. Ser cristão não é frequentar a igreja; ser cristão não é dar o dízimo; ser cristão não é fazer sacrifícios ou entrar em “correntes”. Ser cristão é ter uma nova vida, fruto de novos padrões de comportamento e assumir compromisso com a justiça, a vida e com a verdade. Ser cristão, assim, pode até produzir perseguição, mas isso é sinal de alegria; é sinal de que estamos no caminho certo.

 

 

Sermão do Domingo do Próprio 10

(Deuteronômio 30:9-14; Colossenses 1: 1-14; Lucas 10: 25-37)

TEMA: Os sentimentos de Paulo para com a igreja (Colossenses 1: 1-14).

Introdução: Alguém já disse que “Quando você ama alguém de verdade, não interessa o que pensam e o que dizem, o que interessa é o que você sente”.

Elucidação: No texto que acabemos de ler, podemos encontrar alguns profundos sentimentos que Paulo tinha para com a igreja na cidade de Colossos. Paulo não conhecia pessoalmente àquela comunidade. Durante os dois anos em que esteve baseado na cidade de Éfeso (At 19: 10) ele exerceu um ministério que fez com que enviasse missionários por toda a Ásia Menor, atingindo os rincões mais distantes da Província, incluindo Colossos, que distava cerca de 200 Km de Éfeso. Os cristãos colossenses eram provenientes do paganismo e se reuniam em grupos familiares e eles receberam essa carta em torno do ano 55 e 57, enquanto Paulo estava preso em Éfeso. Informado por Epafras sobre a situação de Colossos, Paulo toma conhecimento dos problemas enfrentados, provenientes de uma heresia que mesclava elementos cristãos, judaicos e pagãos. É diante dessa realidade que Paulo, no texto que serve de base para nossa reflexão hoje, ainda encontra espaço para apresentar àquela igreja três de seus sentimentos mais profundos para com aquela comunidade:

I. UM AGRADECIMENTO FUNDAMENTADO (v. 3-8)

Paulo inicia essa perícope dando graças a Deus e orando pelos colossenses:

  1. Pois ouviu falar de sua fé em Cristo. Aquela era uma igreja que manifestava uma fé (pistis) que era digna de nota. Por isso Paulo “ouvia falar” dela. A fé dos colossenses não era um sentimento intimista, mas uma escolha que tinha consequências visíveis. Por isso essa fé era notória.
  2. Pois ouviu falar do amor que tinham por todos os santos. Além de manifestar uma fé notória em Cristo, aquela igreja também se manifestava por um amor (agapên) que se estendia por todos os santos. Sendo o amor um fruto do Espírito, Champlin nos lembra que “essa é uma virtude obtida e aperfeiçoada através da comunhão no Espirito, um produto do desenvolvimento espiritual”. Muito provavelmente Paulo estaria se referindo ao fato de que “os colossenses eram conhecidos pela hospitalidade demonstrada para com os crentes que viajavam pela grande oriental” (R.E.O. White).
  3. Pois ouviu falar da esperança reservada à eles. Paulo também ouvira falar (akousantes) – uma vez que não conhecia pessoalmente a igreja -, da esperança (elpida) que, segundo Ralph Martin, era “parte do querígma apostólico” acerca do qual eles não estavam dispostos a abrir mão. Por isso ela estava reservada ou, no grego (apokeimai), entesourada ou reservada nos céus. Eles além de manifestarem sua fé e amor, expunham também a esperança que tinham aos seus amigos. Por isso Paulo podia dizer que eles frutificavam nestes três elementos, conforme haviam aprendido de Epafras.

Aplicação: A leitura do Evangelho de hoje descreve a chamada “parábola do bom samaritano”. Nela, Jesus fala de um homem caído, vítima de ladrões, que lhe roubaram tudo e o deixaram ferido ao chão. Eis que vem um sacerdote e passa ao largo; em seguida, um levita também passa por ali e também nada faz. Mas eis que passa um samaritano – povo malvisto pelos Judeus – olha para o homem ferido, para, trata dele, e o leva até uma estalagem, pagando sua estadia até o momento em que ele voltará. Depois de contar essa parábola Jesus pergunta ao intérprete da lei: “Qual desses três lhe parece ter sido o próximo do homem que caiu nas mãos dos salteadores?”. Ouvindo que era aquele que usou de misericórdia, Jesus disse: “vai tu e faz o mesmo”.

A igreja é a comunidade que acolhe aqueles que estão caídos pelo caminho. Ela não é o juiz; é a testemunha. Ela não acusa; ela acolhe. Se a Igreja escolhe seus membros pela cor de sua pele, pela condição sexual, pela condição social, pela sua etnia, ou por qualquer outro elemento, então ela não reproduz o comportamento de Jesus, que “não faz acepção de pessoas”. Nossa fé deve ser refletida em nosso amor e em nossa esperança.

II. UMA INTERCESSÃO SINCERA (v. 9-12)

Mais uma vez Paulo nos diz que ouvira (êkousanmen) falar das características daquela igreja e que isso o fazia, desde o primeiro dia em que ouvira falar, orar por aquela igreja.

  1. Pelo pleno conhecimento de sua vontade. Segundo Paulo, e orava para que os colossenses fossem plenos do conhecimento da vontade de Deus. Pleno (plêrôthêté), na voz passiva indica que Deus é que daria o conhecimento. Este conhecimento (epignôsise) é o conhecimento de Deus e de sua vontade (thelêmatos), ou seja, da vontade universal, que é a salvação da humanidade; da salvação prática, que é relativo ao comportamento diário do cristão no mundo, e da vontade missionária, que diz respeito à grande comissão que todo cristão recebeu de Deus. Em resumo, afirma R.E.O. White, “Paulo ora para que eles tivessem conhecimento não dos mistérios ou de doutrinas especulativas, mas da vontade de Deus”. Tudo isso realizado em sabedoria (sofía) e inteligência ou entendimento espiritual. Ao utilizar o adjetivo “espiritual” (pneumáticos) Paulo está fazendo uma “alusão à ajuda que o cristão pode invocar à medida em que procura o auxílio do Espírito Santo”, afirma Ralph Martin.
  2. Pelo pleno exercício das boas obras. A conduta daquele que agrada a Deus está relacionada com o pleno conhecimento que temos dEle. Nosso esforço por agradar a Deus deve ser um esforço consciente do cristão. Segundo Hendriksen “Paulo atribui às boas obras um imenso valor quando são considerados como o fruto – não a raiz – da graça”. É por isso que há traduções que dizem: “frutificando em toda boa obra”, o que revela, no caso das árvores, mas também nos cristãos, a vida que como seiva, corre dentro deles.

Aplicação: O texto de Deuteronômio é extremamente relevante porque traz uma linda promessa aos filhos de Deus. Lá lemos que o Senhor nos dará abundância em todas as obras de nossas mãos, no fruto do ventre, dos animais, da terra e nos beneficiará. E Ele assim fará para com todos aqueles que derem ouvidos à sua voz e guardarem seus mandamentos. Afinal, o que ele deseja não está distante de nós, está perto, em nosso coração e em nossa boca para que cumpramos.

O que Deus espera da Igreja é que ela não apenas conheça a vontade de Deus, mas que a cumpramos. Não adianta conhecer as Escrituras e saber a vontade de Deus sem que estejamos dispostos a cumpri-la. Qualquer outra posição só pode ser identificada com a hipocrisia.

III. UM RECONHECIMENTO DE FATOS (v. 13, 14)

  1. Estamos livres do poder das trevas. Elaborando as possessões adicionais que Deus deu à Igreja, Paulo passa a escrever no plural. A primeira verdade que o povo de Deus precisa reconhecer é que ele está liberto, no grego errusato. Esta palavra significa “salvar” ou “resgatar” de alguma servidão. Neste caso o texto diz que fomos libertos do “império das trevas” (eksousías tou skótou). Paulo está nos dizendo que os cristãos estão livres do poder ou do domínio da escuridão ou da obscuridade, onde o maligno está (Lc 22: 53). R.E.O. White sugere que aqui encontramos “Talvez a metáfora do Êxodo em relação à conversão fosse familiar outrora, tanto quanto o novo nascimento, a nova criação e morte-ressurreição”.
  2. Nos transferiu para o reino do seu Filho. Ao lado dessa liberdade vem nossa transferência ou, em grego, metestêsen, que se refere, diz Ralph Martin “a uma remoção ou migração de um povo, como quando Antíoco III transportou vários milhares de judeus para a Ásia Menor na primeira parte do século II a.C. (…) Esta migração, no entanto, é um movimento espiritual enquanto os cristãos obtêm a admissão para o reino de Cristo, i.é, a comunhão do povo de Cristo na Igreja”.
  3. Em quem temos a redenção e a remissão de pecados. A palavra redenção expressa perdão de pecados, mas também era uma palavra usada para se referir ao “êxodo do Egito e, mais tarde, para a volta do exílio na Babilônia” (R.E.O. White). Neste texto Paulo claramente pretende identificar “redenção” com “remissão dos pecados”. Desta forma a proposta de Paulo se refere à liberação e libertação mais necessária para os homens pecadores. Muito provavelmente ele está fazendo referência à compra mediante resgate, pelo sangue de Cristo, como ocorre em Ef 1:7.

Conclusão: Dizem que certo dia Júlio César resolveu passar em revista sua tropa. Todos estavam perfilados enquanto o Imperador caminhava entre os soldados. Eis que, repentinamente, ele percebeu um jovem soldado que não refletia o garbo exigido de um soldado romano. Era um rapazola franzino com um olhar amedrontado e uma postura retraída. Diante daquele soldado, dizem que o imperador perguntou qual era seu nome, ao que o soldado respondeu: Júlio. Extremamente irritado, o Imperador olhou profundamente para o jovem soldado e disse: “Ou você muda sua postura ou muda seu nome!”. No texto que lemos hoje descobrimos que os cristãos precisam aprender a viver a trilogia fé-amor-esperança, sabendo que é ela que dá a concretude prática de nosso compromisso com Jesus Cristo, que nos levou para seu Reino. Se somos cristãos, devemos viver como cristãos!

 

 

Sermão do Domingo do Próprio 11

(Gênesis 18: 1-10; Colossenses 1: 21-29; Lucas 10: 38-42)

TEMA: Consequências inevitáveis da salvação (Colossenses 1: 21-29).

Introdução: Não existem atitudes sem consequências. Todos nós devemos aceitar o fato de que na vida, nossas escolhas acabam por definir as consequências, boas ou más que delas advirão.

Elucidação: Depois de escrever pormenorizadamente sobre a proeminência do Filho tanto na criação (v. 15-17), quanto na redenção da humanidade (v. 18-20), Paulo agora vai fazer referência a três verdades essenciais que são também, consequências e que devem estar presentes na vida e na mente de quem, além de criado, foi redimido pelo Senhor. Pensando nisso meditaremos brevemente sobre o tema consequências inevitáveis da salvação.

I. UM AMOR QUE RECONCILIA (v. 21, 22)

  1. A condição anterior. Paulo inicia sua exposição descrevendo qual era nossa consequência espiritual antes de nos encontrarmos com nosso redentor. Para ele, nossa realidade era descrita em três palavras.
  2. a) Estranhos. Em primeiro lugar éramos, religiosamente, estranhos. A palavra grega usada aqui (apêllotriômévous) significa “alienar”, “separar” e está no particípio presente passivo e o tempo perfeito afirma mais fortemente a consistência da separação. Em outras palavras, eles estavam “contínua e perfeitamente fora da harmonia com Deus” (Ralph Martin).
  3. b) Inimigos no entendimento. A segunda palavra que Paulo usa é, no grego, echthrós, que aponta para a hostilidade ativa. Mas esta hostilidade é qualificada psicologicamente, ao ser adjetivada como sendo “no entendimento” (dianóia) ou seja, na sede da vida intelectual do homem, apontando, como diz Champlin, aqueles que “são inimigos do Senhor em todo seu intelecto ou processo mental”.
  4. c) Pelas vossas más obras. No original Paulo usa o substantivo ergon, que significa “trabalho”, “feito” ou “realização”, e acrescenta o adjetivo ponêrois que tanto significa “mal-intencionado” quanto “ímpio”. Ralph Martin sugere que existe aqui “uma combinação de idolatria e de imoralidade, como em Romanos 1: 21-32)”.

Por tudo isso que Paulo menciona a situação de quem estava sem Cristo era desesperadora e exigia uma saída urgente. Esta saída nos foi apontada pelo Senhor.

  1. Uma realidade presente. Na nova realidade Paulo nos mostra que, por iniciativa divina, Jesus vem ao nosso encontro e, por sua morte, age para destruir essa realidade que nos separa de Deus. O texto diz que Fomos reconciliados no corpo de sua carne, pela sua morte. Dando continuidade sobre a sublime mensagem do Evangelho de Cristo, Paulo nos diz que, na sua morte, Ele nos reconciliou com Deus. Ao utilizar a palavra apokatêllagêté, Rienecker e Rogers nos dizem que Paulo tanto pode estar se referindo “a vitória sobre a hostilidade cósmica, mediante o senhorio de Cristo” quanto “a restauração de homens pecaminosos ao favor e à família de Deus”. Conforme afirma Louis Berkhof, citado por Guillermo Hendriksen: “O Deus reconciliado justifica o pecador que aceita a reconciliação, e de tal maneira opera em seu coração mediante o Espírito Santo que o pecador também põe de lado sua perversa separação de Deus, e assim participe dos frutos da expiação perfeita de Cristo”. A relevância nas palavras usadas por Paulo: “corpo de sua carne” (sômati tês sarkós) atestam que seu corpo era de verdade, que seu sofrimento foi real e que ele realmente morreu.
  2. Uma expectativa futura. Uma vez que nossa condição de inimigos de Deus mudou e fomos reconciliados por Ele mesmo pela morte de seu Filho Jesus Cristo, eis, que agora Paulo nos apresenta a razão desse plano: “Para vos apresentar santos, sem defeito e irrepreensíveis”. Reconciliados, somos agora apresentados ao mundo com três qualificações fundamentais. Somos chamados primeiro de “santos”, ou seja, ágios, que em grego, não significa “sem pecados” mas “separado do mundo para uso exclusivo de Deus”. Agora somos de Deus e estamos à seu serviço. Em segundo lugar Paulo nos chama de “sem defeitos”, ou seja amômous, que conforme Rienecker e Rogers, significa “sem mancha. Na LXX a palavra era usada como um termo técnico para designar a ausência de qualquer coisa errada em um sacrifício, de qualquer coisa que pudesse torna-lo indigno de ser oferecido”. Finalmente, Paulo nos diz que Deus nos quer “irrepreensíveis” (no grego anegklêtous) que significa apontar para um aspecto judicial de alguém que é “inculpável” ou acima de qualquer censura ou reprimenda e que, por isso, não pode ser levado ao tribunal. Mas agora, uma vez que fomos redimidos, seremos apresentados perante Ele. As criaturas remidas encontrarão com seu salvador e se ajoelharão e cantarão o hino de vitória. Diante dEle estaremos, não diante de um juiz que nos acusará, mas diante de um Pai que acolhe seus filhos que andaram perdidos pelo mundo, os abraça e manda fazer uma festa.

Aplicação: Paulo apresenta seu ministério como sendo um ministério de reconciliação. Não apenas porque pela pregação do Evangelho Deus se reconcilia com o homem, mas também porque, uma vez reconciliados com Deus, quebramos toda as barreiras que nos impediam de nos relacionar com outras pessoas. Não importam mais as diferenças de cor, sexo, raça ou condição social. Em Cristo somos todos irmãos e, dessa forma, temos que estar com os braços abertos para acolher a todos os diferentes que têm a mesma fé, são santos e irrepreensíveis, em Cristo.

II. UM DESPRENDIMENTO PARA SE PERMANECER NA FÉ (v. 23a)

  1. Se é que permaneceis na fé, fundados e firmes. Aqui temos o que Ralph Martin chama de “advertência necessária, que impede a salvação cristã de ser vista como uma experiência inalienavelmente garantida e certificada como uma transação de uma vez para sempre, independentemente da conduta subsequente da parte do crente”. Colossos era um lugar onde era preciso fazer esse tipo de admoestação.

Muito ao revés, era preciso permanecer fundamentado e firme na fé. A primeira palavra (no grego teyhemeliôménoi), indica, segundo Champlin, “alicerçar”, “lançar o fundamento de” o que nos leva para a ideia de “estabelecer” ou “firmar”. Quando entregamos nosso próprio ser à Cristo, estamos firmes sobre este único alicerce que temos: a fé. Quanto à segunda palavra (no grego edraioi), que significa “firme, constante, fixo”, o foco é lançado, diz Champlin, na “firmeza no exercício e no propósito espirituais, pois o crente conta, em seu interior, com o fortalecimento do Espírito, além da fixidez de propósito, sem jamais abandonar a Cristo, na doutrina ou na prática”.

  1. Sem abandonar a esperança do evangelho que ouvistes. É como se Paulo estivesse dizendo: “não permitam que lhes tirem ou lhes apartem da esperança”, que, conforme Hendriksen, era uma “expectação ardente, completa confiança, espera vigilante”, daquilo acerca do qual fala o Evangelho e que os colossenses não apenas tinham ouvido ou escutado, mas praticado e obedecido. A palavra abandonar ou afastar, (no grego, metakinoumenoi) significa, segundo Champlin, “mudar” ou “remover algo de uma situação para outra”. Os cristãos não se devem permitir mudar de situação, abandonando as esperança do Evangelho pelas falsas promessas dos falsos cristãos.
  2. E que foi pregado à toda criatura debaixo do céu. O Evangelho que os colossenses ouviram era o mesmo que estava sendo pregado à toda criatura debaixo do céu, ou seja, era uma mensagem que estava sendo “pregada, com êxito, não apenas para os crentes de Colossos, tendo produzido fruto por onde quer que vinha sendo anunciada” (Champlin). Isso significa que aqueles cristãos não estavam resistindo sozinhos, uma vez que eram apoiados por uma multidão que tinham a mesma esperança.

Aplicação: No texto do livro de Gênesis lemos que Abraão recebeu ao Senhor na figura de três homens de pé, no calor do meio dia. Ele logo se prostra diante deles, faz trazer água para lavar seus pés, em sinal de hospitalidade e pede para que sua esposa Sara prepare uma refeição. É neste momento que os homens, mandados por Deus, lhe dá a notícia de que a promessa estava para se cumprir: “no ano que vem, por esse tempo, voltarei a ti, e Sara, tua mulher, já terá um filho”. Apesar do tempo que havia passado desde a sua saída de Ur dos Caldeus e apesar da idade de Sara – já quase noventa anos -, Abraão, acreditou na promessa.

Não importa o que dizem as circunstâncias ao nosso redor. Se temos uma promessa de Deus, Ele a cumprirá. Devemos sempre confiar no Senhor porque Ele jamais falha. Como diz o antigo hino: “Não desanimes Deus proverá, Deus cuidará de ti”.

III. UM MINISTÉRIO A SER ASSUMIDO (v. 23b-29)

  1. Paulo, que foi constituído ministro. No final do verso 23 Paulo se declara “ministro” (no grego, diákonon), ou seja, “aquele que serve” ou “um ajudante”. É claro que não estamos vislumbrando aqui uma referência ao ofício diaconal. O que Paulo está dizendo é que mesmo um Apóstolo é um servo dos servos de Deus, e está aqui para servir, assim como fez o Senhor que “não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos”.
  2. a) Que se alegra em seu sofrimento pela igreja. Na mente de Paulo se é ele que tem o verdadeiro Evangelho, e não os mestres gnósticos, todo sacrifício ou sofrimento para anunciar essa mensagem vale a pena. A palavra usada por Paulo (pathêmasin) tem no seu sufixo a indicação do passivo, ou seja, do resultado de uma ação. Desta forma, sofremos as ações externas com a alegria (chairô) do Espírito Santo (Gálatas 5:22).
  3. b) Que cumpre na carne as aflições de Cristo. Paulo se alegra em seu sofrimento porque por ela, ele “cumpre as aflições de Cristo”. Para os exegetas, como Ralph Martin, Paulo está recorrendo ao seu pano de fundo judaico sobre as “aflições do Messias”, ou seja, “Esta é a expectativa no judaísmo apocalíptico de que, como prelúdio ao tempo do fim que anunciará a vinda de um soberano ungido, o povo de Deus será conclamado à sofrer (assim como as mulheres têm dores de parto, Mc 13:8 e par.). Deus coloca um limite a estes sofrimentos e preceitua uma medida específica para as aflições que os justos e os mártires judaicos terão que suportar (1 Enoque xlviii)”. Paulo, como um ex judeu, adora esta perspectiva, mas a modifica segundo seu propósito.
  4. c) Por seu corpo que é a Igreja. Conforme nos ensina Hendiksen, “Paulo também está convencido do ato de que seus sofrimentos são para o benefício do glorioso corpo de Cristo, a igreja”, que tem como cabeça o próprio Cristo (Colossenses 1:18). É interessante o debate desenvolvido por Ralph Martin sobre a expressão “corpo de Cristo”. Para ele, “a sugestão mais provável é que a experiência de conversão que Paulo teve, em que as palavras do Cristo ressurreto O identificavam com Seu povo (At 9: 4 e par.), colocou o Apóstolo na pista da unidade de Cristo e a Igreja com a linguagem figurada da cabeça e do corpo”. O ministro Paulo se alegra em poder sofrer, em sua carne, pelo corpo de Cristo que é a Igreja.
  5. Segundo a dispensação de Deus. Paulo foi constituído ministro (diákonon) não pela escolha dos homens, mas segundo a dispensação de Deus, ou seja, segundo a oikonomia divina, que aponta para a “orientação”, a “gerência” e o “governo” de Deus. Como esta palavra era usada também para designar aqueles que administravam uma casa – até porque na raiz da palavra está a palavra grega oikos que significa casa, champlin entende que Paulo fora chamado para exercer uma “mordomia” específica para o Senhor da casa.
  6. a) Que lhe foi concedida. Este ministério acerca do qual Paulo fala lhe foi concedida (no grego, dotheisan), palavra que, estando na voz passiva, faz de Paulo o receptáculo dessa graça. O verdadeiro ministério não é conquistado por quem deseja, é, antes, uma doação divina para que o escolhido seja um mordomo que esteja a serviço do povo de Deus.
  7. b) A fim de cumprir a palavra de Deus. Quando Paulo usa a palavra grega plêrôsai – que significa “encher” ou “preencher” -, ele tem em mente a ideia de “fazer plenamente” ou de “levar ao término”, ou ainda de “cumprir as obrigações de uma missão”, qual seja, aquela para a qual ele fora chamado, que é a de pregar o Evangelho de Jesus. Para Hendriksen significa “proclamar a Cristo em toda a sua gloriosa plenitude a todos os homens, sem importar a raça, nacionalidade ou posição social”.
  8. c) E o mistério que esteve oculto dos séculos e das gerações. Paulo está dando continuidade a um ministério que é descrito como um “mistério” (mustêrion), ou seja, “aquilo que estava oculto aos homens, mas foi revelado por Deus (Rienecker e Rogers). Este mistério é diferente das doutrinas gnósticas que se mantêm herméticas e só são apresentadas aos iniciados. O Evangelho de Jesus deve ser anunciado à todos em todos os lugares. Este mistério da graça esteve oculto às gerações passadas – restrita apenas aos judeus -, chegando à plenitude dos tempos, se manifestou, se desvelou e se apresentou para todos em todas as nações.
  9. d) Agora manifesta aos seus santos. É interessante que Paulo usa a palavra grega efanerôthê, que significa “tornar claro”, “conhecido”, “manifestar” e “tornar manifesta”. A Igreja cristã celebra a festa da epifania se referindo à revelação da graça de Deus à todas às nações, nas pessoas dos magos do Oriente que vieram adorar ao menino Jesus.
  10. c) E que diz respeito à riqueza da glória desse ministério entre os gentios. O grande mistério que estaca oculto e que se manifestou agora aos santos de Deus, tinha a ver com a glória desses mistérios que deveriam incluir, também, os gentios. Ou seja Deus quis tornar conhecido seu “abundante suprimento divino da graça e da misericórdia” (Champlin) que deveria ser concedida, agora, em Cristo, aos “vasos de misericórdia”, ou seja, aos receptáculos dessa graça.
  11. d) Que se reduz numa frase: “Cristo em vós, esperança da glória”. Rienecker e Rogers nos lembra que “Para Cristo estar entre os gentios, envolvia estar ‘em’ aqueles que criam”. Isto significa que o Cristo residente em nós, nos dá e nos traz a absoluta segurança da fruição de nossa esperança acerca da glória.
  12. Diante de quem Paulo. Ante a este glorioso fato, Paulo, agora, diante de todos os homens (panta anthrôpon), manifestando a qualidade universal da mensagem cristã em três palavras:
  13. a) Anuncia. No grego kataggellomen nos fala de “uma proclamação oficial e solene”. E Rienecker e Rogers nos mostra que o tempo presente nos revela uma ação habitual e contínua.
  14. b) Admoesta. Rienecker e Rogers nos diz que esta palavra no original grego (nouthetountes) significa “corrigir mediante instrução e admoestação”.
  15. c) Ensina em toda sabedoria. Originalmente Paulo escreveu didaskontes en pasê sofia. Aos convertidos precisa está garantida a possibilidade de crescimento no ensino das verdades de Deus e de como viver essa vida cristã da melhor maneira possível.
  16. d) Para que nos apresentemos perfeitos em Cristo. Ser “perfeito em Cristo” (teleion en Christô) não significa que o ensino, a admoestação e o anuncio nos tornará capazes de viver uma vida sem pecar. Mas significa que por meio desses instrumentos nos tornaremos não só mais maduros, mas também viveremos uma vida tão próxima à de Cristo que nos identificaremos com Ele.
  17. Por isso Paulo trabalha. Esta é a razão do seu trabalho (kopiô) árduo e do seu esforço que o leva até à exaustão.
  18. a) E luta segundo Sua eficácia. A palavra “luta” no original grego é agônizomenos, uma palavra retirada do contexto esportivo e que se refere ao atleta que se esforça para ser eficaz na sua prova. Mas tanto seu trabalho quanto sua luta, são segundo a eficácia (energoumenên) de Deus.
  19. b) Que opera nele poderosamente. Paulo trabalhava confiado em uma “fonte real de poder externo a si mesmo” (Champlin). A palavra que ele usa aqui é dunamei que se traduz por “poder”. Lembremos que Cristo deu poder à sua Igreja para ser testemunha em todos os lugares, a começar de Jerusalém até os confins da terra.

Conclusão: Na leitura do Evangelho de hoje vemos Jesus entrando na casa de duas mulheres: Marta e Maria. Estas duas mulheres podem muito bem servir de modelos para dois estilos de vida. Uma delas, Marta, estava extremamente ocupada com os afazeres da casa. Queria limpá-la; estava preocupada com o almoço, queria saber se havia poeira sobre algum móvel, etc.; ao passo que sua irmã Maria, estava assentada aos pés do Senhor “e escutava suas palavras”. Quando se dirigiu à Marta, Jesus disse: “Marta, Marta! Tu te preocupas e andas agitada com muitas coisas. No entanto uma só é necessária. Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada”.

Paulo, assim como Maria, escolheu a melhor parte. E como resultado de sua escolha surgiram as consequências. Ao invés de continuar em sua louca perseguição aos cristãos, ele próprio se torna um cristão para, mesmo sendo perseguido, assumiu seu ministério em favor do Corpo de Cristo que é a Igreja, afim de anunciar, admoestar e ensinar a todos o a mensagem que estava oculta mas que, agora, deveria ser anunciada a todas as pessoas.

 

 

Sermão do Domingo do Próprio 12

(Gênesis 18: 20-33; Colossenses 2: 6-15; Lucas 11: 1-13)

TEMA: O comportamento de quem recebeu a Cristo (Colossenses 2: 6-15).

Introdução: Lamentavelmente vivemos hoje em dia uma inversão de valores. As pessoas valorizam muito mais a aparência do que a essência das coisas; o que é assessório ao invés do que é fundamental. No mundo chamado “cristão” verificamos a mesma inversão de valores. O ministro de “sucesso” é aquele que tem a igreja lotada de gente, embora ele traia a essência do cristianismo. Da mesma forma, o “verdadeiro cristão” tem que ser aquele que possui uma linda casa própria e um ou dois carros de luxo.

Elucidação: No texto da Epístola que lemos hoje Paulo está ensinando aos colossenses como deve ser seu comportamento diante de uma realidade hostil ao Evangelho de Cristo e cheia de ensinamentos antagônicos à fé cristã. Em resumo, uma realidade bem parecida com a nossa. E é justamente nesse contexto que Paulo pretende dizer aos irmãos de Colossos, como deve ser o comportamento de quem recebeu a Cristo. Este comportamento se caracteriza por, pelo menos, três inclinações:

I. ESTANDO PROFUNDAMENTE LIGADO À ELE (v. 6, 8)

  1. A quem recebemos como Senhor. Segundo R.E.O. White, receber “é um termo técnico, que designa a perpetuação do ensino tradicional mediante instrução formal”, e a grande mensagem que recebemos é que Jesus Cristo é o Senhor.
  2. Com quem devemos andar. A ideia de Paulo era bastante simples. Devemos andar conforme o ensinamento que recebemos. Se já recebemos esse ensinamento, andemos como quem é servo de Jesus. E isso significa: a) estar arraigados, ou seja, estamos plantados em Cristo como uma arvore está arraigada ao solo, recebendo dele tanto a segurança quando os nutrientes necessários para uma vida saudável. Em segundo lugar devemos andar como quem está b) edificados, ou seja, fundamentado e com firmeza em sua vida e propósitos. Em seguida Paulo diz que devemos andar c) confirmados na fé, dando a entender, com essa palavra, que está em jogo “associações legais, de se garantir uma compra, confirmar testemunho ou juramento” (R.E.O. White). Além disso, devemos andar d) conforme fomos ensinados, ou seja, de acordo com a vossa fé, segundo a qual Só Jesus é o Senhor, e) abundando em ações de graças, por tudo o que dele recebemos e que será exposto logo em seguida pelo Apóstolo.
  3. Tendo cuidado com as filosofias e vãs sutilezas. Além de “impelir aos cristãos a se lembrarem da plenitude da experiência que eles já tinham recebido” (R.E.O. White), Paulo também os conclama a se desligarem das especulações ociosas. Isso significava que a rica e profunda experiência que eles tinham em Cristo contrastava fortemente com a “natureza predatória” da filosofia daqueles hereges. Por isso era necessário ter cuidado para não se tornarem “presas” dessas pessoas, “levando-vos como rapina, para a escravidão” (R.E.O. White). Esta filosofia era a) segundo a tradição dos homens, ou seja, absolutamente produzida pela vã imaginação e especulação humanas, e b) segundo os rudimentos do mundo, ou como diz uma tradição: “de acordo com os espíritos elementares do universo ou do cosmo” ou como simples “rudimentos de religião”, referência aos ensinos ditos “avançados” dos gnósticos. d) e não segundo Cristo: viver segundo Cristo, para o coração do cristão já é o bastante.

Aplicação: Assim como os frutos, as flores, e as folhas de uma árvore recebem a seiva que vem pelo tronco e se espalha pelos galhos, da mesma forma, os cristãos, unidos à Cristo, recebem dEle tudo o que é necessário para uma vida em união com Deus. Isso implica em uma nova realidade que muda nossa mente e que tem repercussões em nossa vida.

II. RECONHECENDO QUE ELE É SENHOR SOBRE TUDO (v. 9-10)

  1. Nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade. Ao invés de olhar para o Cristo como um mero “homem glorificado” ou um “espírito evoluído”, Paulo diz que nEle está presente, inteiramente, toda a plenitude da divindade. Paulo usa emprestado a palavra mais usada pelos gnósticos – plêrôma – para indicar que “Cristo possui a natureza divina inteira, com todos os seus atributos e manifestações: tudo concentrado ‘em uma só pessoa’” (Champlin). E arremata dizendo que a plenitude da divindade está presente corporalmente ou seja, sômatikôs, que se traduz por “pertencente ao corpo. Com essa palavra ele contrariava os dualistas gnósticos que acreditavam que o corpo (soma) era o princípio de todo mal. Mas Deus, ao revelar-se a nós, assumiu a forma e a natureza humana, mostrando que sua ação atingiria o homem todo, não apenas a metade dele.
  2. Em quem temos nossa plenitude. Ter a plenitude nEle, segundo William, citado por R.E.O. White, significa que “tudo o que uma pessoa não apenas precisa, mas também pode ter”, está disponível. O cristão não precisa de qualquer complementação vinda do gnosticismo, das religiões de mistério, do judaísmo ou de qualquer outra expressão religiosa ou filosófica. Cristo nos preenche com sua plenitude.
  3. Naquele que é o cabeça de todo principado e potestade. É por sua condição de “Deus que se fez carne”, que ele pode se colocar na condição de “cabeça” de todos os “principados e potestades”, ou seja, ele tem a supremacia sobre todos os seres celestiais e todos os demais poderes do universo.

Aplicação: No texto do Evangelho de hoje Jesus nos ensina a orar. Ele não apenas nos mostra a chamada oração do “Pai nosso”, mas também, nos ensina que se nós, humanos e maus, sabemos presentear nossos filhos com coisas boas, quanto mais nosso Pai celestial, que se encarnou por amor a nós, e nos tornando plenos, nos uniu ao Cabeça que é Cristo – submetendo todos os principados e potestades do universo – não nos daria sua graça maravilhosa!

III. VIVENDO UMA NOVA VIDA À SEU LADO (v. 11-15)

  1. Já que nele fomos circuncidados (v. 11). Aqueles que estão em Cristo já devem se sentir “circuncidados nEle”. Isso significa, diz R.E.O. White, que “Se os hereges insistiam na circuncisão como ordem divina, como ato profilático contra o pecado da carne, como um talismã contra os espíritos maus ou como um sinal de superioridade dos mestres judeus, o problema foi levantado claramente”. E a resposta é simples: para Paulo a circuncisão não vale nada (Gl 5:6; 6: 15; I Co 7:19). Para Paulo, todo cristão já é circuncidado, mas com outro tipo de circuncisão: a) a que não é feita por mãos humanas, porque não é operada por um sacerdote humano, porque é espiritual e operada por Cristo; b) a que não exige que se jogue fora a carne, ou seja, o cristão, ao encontrar-se com Cristo, não joga fora apenas um pedaço de carne – o prepúcio -, mas abre mão de todo o “corpo da carne”; c) mas a circuncisão de Cristo: Paulo não está fazendo referência à circuncisão ao qual o próprio Cristo se submeteu, mas à entrega de seu próprio corpo na cruz (ver 1: 22).
  2. Já que com ele fomos sepultados no batismo (v. 12). Uma vez que Cristo sofreu, morreu e foi sepultado em nosso lugar e para o nosso benefício, Hendriksen nos diz que “Quando pela graça soberana de Deus recebestes a Cristo como vosso Salvador e Senhor recebestes também a segurança de que vosso ser anterior, tão detestável e carregado de culpa como era, foi sepultado com ele, e o estado que tinhas em relação à lei mudou de objetos de condenação para recipientes de justificação (Rm 8: 1-4; 5:1). Por conseguinte, não apenas fostes sepultados com ele, mas também fostes ressuscitados com ele”. Na metáfora do batismo Paulo nos ensina que aquele que está em Cristo já passou pelo rito iniciatório que marca o começo de uma nova vida de obediência ao Senhor Jesus.
  3. Em quem fomos ressuscitados. Paulo nos diz com a metáfora do batismo e da ressurreição que, assevera Ralph Martin, “O meio sacramental mediante o qual Sua vitória fica sendo a deles [os cristãos] é o batismo, em que a fé é um integrante vital. É mediante a fé e no batismo que a nova vida do crente começa” de modo apropriado.
  4. Por quem fomos vivificados e perdoados (v. 13). Estas duas palavras fazem toda a diferença para quem vivia aprisionado pelas doutrinas que nada faziam a não ser manter cativa nossa mente e coração por meio da culpa que sentíamos. Paulo usa a palavra grega sunezôopoiêsen, para se referir a “vivificar juntamente com”, justamente porque ela indica que fomos vivificados com Cristo. E não apenas isso, fomos também perdoados, ou, em grego charisámenos, cuja raiz charis, nos fala da graça perdoadora de Deus que “dá livremente e graciosamente” o perdão para todos os delitos. Isso significa que aquele que está em Cristo já não vive na esfera da morte e da culpa, mas da vida e do perdão.
  5. O qual riscou nossa dívida (v.14). O significado do perdão que recebemos em Cristo é apresentado por Paulo por meio de uma metáfora bastante comum no comércio da época, a nota promissória que exigia um pagamento. Ao cancelar o escrito de nossa dívida – cumprindo as exigências da lei em nosso lugar -, Ele nos deu o perdão. Por isso Paulo nos diz que Cristo fez duas coisas com esse documento: a) removendo-a de nós, o termo usado por Paulo no original grego é exaleiphein, que tanto significa “apagar”, quanto significa “remover esfregando” e portanto, “tirar da vista”, assim como apagamos o que se escreve em uma lousa na sala de aula. Nossa dívida foi apagada e em seguida, b) cravando-a na cruz, ou seja, cravar ou pregar esse documento – agora completamente apagado e sem nada a ser lido – na cruz, é uma confirmação da vitória de Nosso Senhor contra as forças espirituais que nos acusam constantemente. Para Bruce, citado por Ralph Martin, essa ação sugere “um ato de desafio triunfante diante daqueles poderes chantagistas” que ameaçavam os colossenses por meio de um sistema herético com aparência de santidade.
  6. O qual triunfou sobre os principados e potestades. Comentando esta frase Ralph Martin é muito feliz ao dizer que: “As forças espirituais que vos acusavam (diz ele) foram finalmente derrotadas por Cristo, que Se despiu do ataque deles que se apegava a Ele. Despojo-as de seu governo e desmascarou-as – usurpadores e tiranos, dominando os seres humanos e fazendo deles as petecas do destino e da necessidade férrea em subserviência a um culto astrológico”. E Cristo triunfou sobre eles, primeiro, a) despojando-os, ou seja, quando Paulo o usa o particípio aoristo médio do verbo apokduomai, que quer dizer “tirar”, Paulo nos diz que Cristo mesmo, retirou de si, portanto despojou-se, de todas as forças malignas que lutaram tão intensamente durante seu ministério tentando força-lo a abandonar o caminho da cruz. E foi justamente lá onde Ele venceu todas essas forças. b) na cruz. A cruz de Cristo foi o cenário cósmico do desmascaramento público e cabal dessa doutrina, bem como de seu triunfo retumbante.

Conclusão: Na leitura do texto de gênesis encontramos um diálogo entre Abraão e Deus. Neste diálogo Abraão toma conhecimento dos planos de Deus em destruir as cidades de Sodoma e Gomorra em função de sua vida cheia de pecados e de individualismo. Ao saber disso, Abraão intercede por aquelas cidades dizendo que Deus não poderia destruir o justo com o injusto. Deus concorda com ele. Daí em diante, Abraão passa a perguntar quantos justos seriam necessários para que Deus não destruísse a cidade. E esse número decresce de 50 até 10, mostrando que Deus é gracioso o bastante para permitir a existência daquelas cidades se existissem lá, pelo menos 10 justos. Às vezes temos que insistir com Deus para que tenha misericórdia dos pecadores, ou melhor, de nós! E Ele tem. Por isso, quando se tornou impossível não reagir às iniquidades daquelas cidades, Deus retirou Ló e sua família de lá.

 

 

Sermão do Domingo do Próprio 13

(Eclesiastes 1: 18-23; Colossenses 3: 5-11; Lucas 12: 13-21)

TEMA: As exigências da nova vida em Cristo (Colossenses 3: 5-11).

Introdução: Estamos prestes a assistir uma nova Olimpíada, agora em nosso pais. Milhares de atletas estão chegando ao Rio de Janeiro na busca de alcançar uma medalha de ouro. Todos ele, no entanto, têm algo em comum: eles treinaram muito para isso. Sempre que se deseja algo é preciso pagar um preço.

Elucidação: Nos versículos anteriores, Paulo está ensinando à igreja de Colossos que, se alguém está em Cristo, essa pessoa foi ressuscitada com ele e, por conseguinte, é uma nova criatura. Esta mudança que ocorre em nossa vida atinge, principalmente nossa mente e por isso, passamos a pensar, não nas coisas meramente humanas, vazias e fúteis, mas nas coisas que são do alto, onde Cristo está. Mas esses pensamentos precisam produzir um comportamento que lhe seja consequente. Em outras palavras, no texto que lemos, Paulo está nos dizendo que o novo nascimento – a ressurreição -, implica em, pelo menos três grandes exigências para aqueles que se dizem cristãos:

I. EXIGE A EXTERMINAÇÃO DAS INCLINAÇÕES CARNAIS (v. 5-7)

A primeira palavra que Paulo usa é “exterminar” e ela vem do grego nekrôsaté – de onde vem a palavra “necrose” -, que significa “fazer morrer”, “mortificar” e “considerar morto”. A ideia na mente do autor é que, aquele que já ressuscitou para uma nova vida deve fazer morrer, de dentro de si, aquelas inclinações de nossos membros, ou seja, inclinações de nosso corpo. Obviamente uma vida plena em Cristo não pode ser cheia de elementos que manifestam nem “contém” Cristo. Por isso precisamos abrir mão de uma série de elementos.

  1. Prostituição. Paulo sabia que ressuscitar para uma nova vida não garantia uma vida de santidade. Por isso era preciso se esforçar para vencer os principais inimigos do cristão. E o primeiro que ele nomeia é a prostituição ou, em grego, pornéia, que melhor seria traduzido por “imoralidade”, porque esta palavra implica em muito mais coisas do que apenas o tráfico do sexo. Em seu sentido mais íntimo ela fala de um comportamento semelhante ao de uma prostituta, que vende seu corpo, mas, em nossa sociedade, há quem venda seus valores, sua fé, e a própria a religião. E isso também é pornéia.
  2. Impureza. Ao usar a palavra akatarsían, Paulo estava fazendo menção a qualquer forma de impureza sexual ou moral, mas certamente ele também estava incluindo as impurezas espirituais que sempre são consequências das duas primeiras.
  3. Paixão. No texto grego original a palavra usada é pathos, que aponta para a “paixão” ou para o “desejo irrestrito” que é tão forte que faz doer e nos domina. São interessante as considerações de Champlin quando ele diz que “Tal vocábulo pode indicar anelos bons e maus, dependendo do modo como é empregado. Pode indicar uma emoção passiva ou ativa; mas, usualmente, é usada para indicar paixões violentas e prejudiciais, que irrompem na forma de cólera, de ira descontrolada”.
  4. Concupiscência, ou seja, “a constante ambição por algo mais” (R.E.O. White) e que é, em I Co 5:10; 6:9s, colocada ao lado da pilhagem e do roubo. É interessante saber que a palavra grega epithumían, nos fale de “anelos” e “desejos”, nos manuscritos P46 e G, vem acompanhada do adjetivo kakên, que significa “maligno”. Isso, certamente indica que os leitores deveriam entender esse desejo como algo negativo. Nem tudo o que se quer é certo.
  5. Avareza. Este é o pecado de se desejar “o que pertence a outros, a cobiça pela fama, pelo lucro ou pelas vantagens terrenas” (Champlin). Em seu termo original – pleonexian -, também pode significar insaciabilidade. Para Paulo, esse pecado também pode ser chamado de idolatria. Erra quem pensa que a idolatria é apenas a adoração de uma imagem. Ela tanto pode significar “a adoração procurada como um meio de prosperidade” (Barcley), como “fazer do lucro um deus” (Ashby). Sempre que alguém coloca algo em lugar de Deus, comete idolatria.

E, contra aqueles que cometem esses pecados e, portanto, revelam que naõ “ressuscitaram com Cristo” e que não possuem uma “nova natureza”, virá, inevitavelmente, a ira de Deus (orgê tou theou). Mais uma vez destacamos, essa ira virá sobre aqueles que são identificados (pela prática destes gestos) como “filhos da desobediência”, um hebraísmo que indica aqueles que, por natureza, são desobedientes.

Aplicação: A leitura do livro de Eclesiastes nos lembra que “tudo é vaidade”, ou seja, que nada nesse mundo é duradouro, estável, importante e tão relevante a ponto de impedir que vejamos que somente em Deus podemos viver uma vida plena. De nada adiantará o dinheiro, o poder, a fama, o sexo, a condição social ou qualquer outro elemento que o faça pensar que você é superior a alguém. No fim de tudo, você irá para o mesmo lugar: uma sepultura. Porque, então, valorizar tanto o que é tão fútil?

II. EXIGE A PRIVAÇÃO DE ANTIGOS HÁBITOS (v. 8, 9)

Além de exterminar aquelas inclinações carnais, o cristão é alguém que busca se provar de certos hábitos que não cabem mais na vida de quem “pensa nas coisas que são do alto” e que ressuscitou com Cristo para uma nova vida. Para Paulo, é preciso se privar, ou como no original grego – apothesthe – diz, “tirar de si mesmo”, “remover”, “se despir” de uma velha roupa com a finalidade de usar outra mais adequada e nova. O verbo está no imperativo médio para nos lembrar que este gesto é uma ordem que Deus nos dá e que o ato é realizado por nos mesmo, e não por Ele. Assim, precisamos jogar fora ou nos despir:

  1. Da ira. Ou como Paulo escreveu no original, Orgên, que é uma obra da carne (Gl 5:20) característica das pessoas insensatas (Pv 12:16) e que pode vir acompanhada, ou levar à crueldade.
  2. Da cólera. O termo grego usado por Paulo, thumón, também se traduz por “raiva abrasadora” ou “indignação”. Ela também é uma obra da carne (Gl 5: 20) e se refira à “ira apaixonada” e “explosão de ira”. Enquanto a ira é algo fixo, a cólera é uma manifestação súbita e inesperada.
  3. Da malícia. Esta palavra no grego – kakia – é traduzida não só por “malícia”, mas por “maldade”, “malignidade” e, por uma série de outras palavras que, em geral, refere-se à natureza viciosa que se inclina a fazer o mal para as outras pessoas.
  4. Da maledicência. Esta palavra, mesmo no original grego, é conhecida de todos nós. Paulo usa o termo blasfêmian para se referir a “fala abusiva contra Deus ou contra os homens”. Trata-se aqui, do pecado da difamação ou da injúria contra a honra ou a reputação de outrem. Parece-nos que Paulo vai fazendo uma sequência que começa dentro de nós, com a ira, e que vai se exteriorizando cada vez mais.
  5. Das palavras torpes. Quando Paulo usa o termo aischrologian, que, segundo Lightfoot, significa “linguagem abusiva, ofensiva e torpe”. Mas o termo também pode significar “palavras obscenas”. Segundo Maclaren, citado por R.E.O. White, “O que flui de palavras ociosas, palavras tolas, palavras que ferem… inunda o mundo”. Uma vez que estas palavras saem, diz o texto, “de vossa boca”, e considerando que a raiz do termo usado por Paulo é aischros, que significa “feio”, “vergonhoso” ou “aviltante”, podemos traduzia a frase como “abuso de uma boca suja”.
  6. Da mentira. Ao usar a palavra pseudesté, Paulo está se referindo a algo muito sério e que diz respeito a uma exortação fundamental para uma comunidade de cristãos. Segundo nos ensina Ralph Martin, “A mentira leva a um rompimento da comunhão cristã, porque engendra a suspeita e a desconfiança, e assim destrói a vida em comum no corpo de Cristo (Rm 12:4) mediante a qual somos ‘membros uns dos outros’”.

A razão para que nos privemos desses antigos hábitos é apresentada por Paulo quando ele diz: “uma vez que vos despistes do velho homem com seus feitos” (v.9). Paulo está usando a metáfora de alguém que joga suas roupas velhas e sujas fora, para se revestir de novas vestimentas.

Aplicação: Alguém já disse que a maledicência “é o que acontece quando alguém que não tem nada de útil a fazer, resolve gastar seu tempo falando da vida de outra pessoa, prejudicando a troco de nada alguém que, com certeza, ele inveja”. Ela é a irmã mais nova da mentira e da falsidade e só pode produzir o que é ruim. Como acreditar que um cristão seja capaz de subir pela escada de pecados apresentada por Paulo, que começa na ira, vai para a cólera, e daí segue para a malícia, maledicência, palavras torpes até chegar à mentira? O verdadeiro cristão não tem alegria com a mentira. Afinal, diz a Bíblia, “os lábios mentirosos são abomináveis ao Senhor” Pv 12: 22. Quem se despiu do velho homem, com seus feitos, deve viver em novidade de vida (Rm 6: 4).

III. EXIGE UMA NOVA VESTE (v. 10, 11)

  1. Vos vestistes do novo. Segundo comenta Ralph Martin, “Todos os comentaristas concordam que há um tema batismal nestes verbos, tirados da atividade de despir-se para o ato do batismo, quando o novo cristão entrava na água, e de vestir-se depois”. Em Cristo somos revestidos de um “novo homem”, regenerados e passamos a viver em novidade de vida. Esta novidade implica em que, cada um de nós, Que se renova para o pleno conhecimento. Ao usar a expressão “pleno conhecimento” ou em grego “epígnôsin”, Paulo está deliberadamente usando um termo gnóstico para indicar que o verdadeiro e pleno conhecimento é oriundo da nova vida em Cristo. Segundo ensina Hendriksen, “Este conhecimento supera em muito qualquer ‘conhecimento’ em que se gloriavam os falsos mestres que estavam perturbando as igrejas (…). Este conhecimento pleno tem a ver com o coração e a mente, é experimental e tem como meta a santa vontade de Deus (Rm 12:2)”. A renovação de nosso conhecimento ocorre, conforme Paulo ensina, segundo a imagem daquele que o criou, ou seja, Paulo nos diz que o modelo, o padrão e a medida desta renovação “é a imagem de Deus, como se estivesse falando de Adão. Em outras palavras, “o homem novo não é simplesmente a restauração de tudo o que pertencia ao primeiro homem antes da queda”. Mas assim como trazemos a imagem do primeiro Adão em nós, também trazemos a imagem do celestial (I Co 15: 49) que é Cristo.
  2. Em uma comunidade de iguais. Paulo neste texto faz referência à Igreja como sendo uma comunidade onde não existem diferenças ou privilégios espirituais relacionados ao nascimento, por isso ele se refere aos circuncidados e aos não-circuncidados (judeus e gregos). Em Cristo, as promessas feitas à Abraão se estendem à toda a humanidade, mesmo os mais bárbaros conhecidos – os citas – que assolavam toda a área do mar Mediterrâneo oriental, mostrando que também não existem diferenças culturais ou etnicas. Em Cristo não existem diferenças oriundas de aspectos ou estamentos sociais (escravo ou livre). Mas, a Igreja é vista como uma comunidade onde Cristo é tudo em todos, ou seja, o que importa é estar em Cristo. Segundo Hendriksen, “Sua morada pelo Espírito em todos os crentes de qualquer transfundo racial, religioso, cultural ou social, assegura a criação e gradual perfeição em todos e em cada um deles”. O próprio tema desta carta chega ao seu ápice nessa frase, uma vez que o Cristo, em quem habita toda a plenitude da divindade, agora compartilha seu ser com todos os seu, ou seja, com sua Igreja, a noiva do Cordeiro. Em Cristo entramos em um mundo novo e em uma nova realidade que prefigura o Reino que virá no escatón.

Conclusão: No texto do Evangelho de hoje, Jesus é interpelado por alguém do meio da multidão pedindo que ele impele seu irmão a repartir a herança que tinha direito, com ele. Jesus olha para aquele homem e diz: “Quem me fez árbitro ou juiz entre vós?”. Em seguida nos ensina a nos resguardarmos de toda espécie de ganância porque a vida não consiste na abundância de bens. Em seguida ele passa a contar uma parábola sobre alguém que construiu um grande celeiro para colocar todos os seus bens e que, ao final, disse a si mesmo: “Descansa, come, bebe e goza a vida!”. A este homem Jesus chama de tolo, pois sua alma seria levada naquela noite.

Hoje descobrimos que precisamos cumprir certas exigências para atestar que, efetivamente, estamos em Cristo. E, dentre as exigências expostas por Paulo se encontra, em resumo dois atos, um despir e um vestir. Despir-se de todos os gestos, atos, ações e obras que falam e apontam para o velho homem e revestir-se de um “novo homem” em Cristo Jesus, usando uma nova roupa. Uma roupa que aponta para uma nova pessoa e um novo comportamento. A maior marca deste comportamento é a capacidade de distinguir o que é vão ou vaidade, daquilo que realmente é importante em nossa vida. Você já é capaz de fazer essa diferença? Você já vive uma nova vida em Cristo Jesus?

 

 

Sermão do Domingo do Próprio 14

(Eclesiastes 1: 12-14, 2:1-7; Hebreus 11: 1-3; Lucas 12: 32-40)

TEMA: O significado da fé (Hebreus 11: 1-3).

Introdução: Enquanto escrevo estas linhas, tomo conhecimento de uma reportagem que saiu em uma das mais vendidas revistas semanais do nosso país, sobre o relato de um homem que foi “pastor” por sete anos em uma das maiores “igrejas neo-pentecostais” do Brasil. Em seu relato, que envolve extorsão, homicídio, uso de drogas, etc., me chamou a atenção o fato de que ele afirmou que a maioria dos pastores dessa denominação – inclusive ele – era composta de ateus. Eles estavam lá apenas por causa do dinheiro fácil. A fé, não era importante para eles.

Elucidação: Este tem sido visto por alguns comentaristas como um dos mais importantes capítulos do Novo Testamento. Ademais, há quem diga que esse é o “clímax do livro” e que ele contêm tudo o que devemos fazer para não nos afastarmos de Cristo nem cairmos na apostasia. Esta é a razão do livro de Hebreus: fortalecer a fé dos cristãos para que não abandonassem a fé. O tema da fé, que fora introduzida no livro no capítulo anterior, é agora desenvolvida com a apresentação de sua definição e da apresentação daqueles que, no passado, obtiveram a justiça por meio da fé. Pensando nisso, meditaremos brevemente, hoje, sobre O significado da fé.

I. SUA SUBSTÂNCIA (v. 1)

O versículo primeiro, que é uma verdadeira pérola teológica. Nele o autor faz algumas considerações sobre a fé. É preciso que saibamos, no entanto, que o autor não está pretendendo fazer uma exposição exaustiva sobre a fé. Ele, no entanto, começa fazendo três afirmações importantíssimas sobre sua substância.

  1. É geral. Quando nos aproximamos do texto original em grego, nos damos conta que o autor escreveu: “estin dé pistis”, que se traduz “ora, fé é”. Note a ausência do artigo definido que, para David Guthrie significa que o escritor está falando “da fé em geral e não especificamente da fé cristã”. Isso significa que esta fé mais geral possui “certas qualidades que se aplicam tanto à era pré-cristã quanto à era cristã” (David Guthrie). E aqui vemos as duas palavras-chaves que dizem respeito a um estado e a uma atividade.
  2. É a certeza das coisas que se esperam. A primeira palavra que expressa a fé e diz respeito a um estado é a palavra “certeza”, no grego hypostasis. Qualquer exegeta quando se vê diante da palavra hypostasis, sabe que ela é a palavra mais comum para indicar a natureza real ou essencial de alguma coisa e é, geralmente traduzida por substância. Esta palavra, segundo Champlin, “Significa a ‘realidade’ de algo, em contraste com seus meros ‘acidentes’. Enquanto os acidentes se referem a elementos não-essenciais à existência de algo – como a cor, a forma, o peso, o gosto, etc., o uso da palavra hypostasis “parece indicar que ele encarava a fé como algo que dá ‘substância’ às realidades invisíveis, em nosso consciente” (Champlin). Portanto, é por meio da fé que somos capazes de ver, aceitar e acolher o invisível. É nesse aspecto que a fé é um estado.
  3. É a convicção dos fatos que não se veem. Mas a fé também é uma atividade. Por isso o autor usa a palavra elenchos, que é traduzida aqui por “convicção”, mas que também fala de “prova” e “teste”. Não estamos falando da fé como se ela fosse uma mera emoção. Charles Trentham é muito feliz quando afirma que aqui, mais uma vez se deve enfatizar: “que as realidades invisíveis não se tornam reais pela fé. Pelo contrário, é a convicção de que Deus preparou uma cidade que justifica a nossa fé”. Em outras palavras, ter convicção das coisas que não vemos não é prova de fé; é a convicção de que nosso futuro está nas mãos de Deus que faz com que a fé veja. Neste aspecto, a fé, além de um estado, é uma atividade diária daqueles que conhecem à Deus.

Aplicação: O Dr. Turner, cita as palavras de A.B. Davidson, interpretando esse versículo da seguinte forma: “A fé é o ato de dar substância às cousas esperadas; é o ato ou estado da mente que faz, das cousas que são objeto da esperança, algo tão substancial como se já fossem possuídas”. Uma vez que Deus nos fez promessas, e ele, por sua natureza, não pode mentir, podemos acreditar na substância de suas promessas. Se possuirmos esse tipo de fé, assim como os antigos tiveram, nada nos separará ou nos desviará de sua vontade.

II. SUA RELAÇÃO COM AS PESSOAS (v. 2)

David Guthrie nos informa que neste capítulo, o autor procura “ilustrar a continuidade entre os cristãos hebreus e os homens piedosos da antiguidade”. Conforme o segundo versículo, foi por meio da fé que os antigos alcançaram um bom testemunho. O que isso significa? Para Charles Trentham, neste texto o escritor está lembrando a seus ouvintes que, “neste ínterim, antes da volta de Cristo, eles precisam viver como viviam os fiéis de Israel, isto é, pela fé nas promessas de Deus”.

  1. Os antigos. Quando o autor fala nos “antigos”, ele usa o termo presbuteroi, que pode ser traduzido literalmente por “anciãos”. Mas o autor está realmente se referindo aos grandes heróis da fé e aos santos descritos no Antigo Testamento e – muitos deles -, citados nesse capítulo. Champlin nos diz que neste texto “Não há qualquer alusão aos ‘anciãos’ de Israel, os líderes do sistema religioso do judaísmo”. Estes não importavam ao autor de Hebreus.
  2. Obtiveram bom testemunho. Sobre essa expressão é interessante ver que ele foi traduzido na Revised Standard Version (em inglês) como “aprovação divina”. Para o comentarista D.D. Turner, “Esse testemunho foi dado por Deus; consistia na aprovação divina de sua atitude”. É interessante perceber que no original grego a palavra testemunho – emarturêthêsan – está na forma passiva. E essa forma nos fala de uma ação que vem de fora, por isso, segundo essa interpretação, eles “foram aprovados”, seu testemunho foi “favorecido”. Por quem? Por Deus, primeiramente, só depois pela comunidade da fé. É como afirma David Guthrie, esse texto é “uma espécie de resumo da experiência humana no passado, e especialmente dos homens a serem mencionados no catálogo que se segue”. Todos eles receberam a aprovação divina, ou o testemunho divino, e receberam, também, a aprovação da comunidade de fé.

Aplicação: A leitura do livro de Eclesiastes é bastante reveladora. Ela se refere ao homem que “aplicou o seu coração a esquadrinhar, e a informar-me com sabedoria de tudo quanto sucede debaixo do céu; esta enfadonha ocupação deu Deus aos filhos dos homens, para nela os exercitar”. De fato, somente, como diz o texto, quando atentamos para todas as obras que se fazem debaixo do sol, descobrimos que tudo é vaidade e aflição de espírito. Essa foi a prática dos homens do passado, ou dos “antigos”, que foram aprovados por Deus obtendo um bom testemunho. Essa deve ser a nossa prática hoje: reconhecer que tudo o que nos cerca é vaidade e que a nossa vida deve ser vivida inclinando nosso coração para “esquadrinhar” a verdade da futilidade que caracteriza o mundo ao nosso redor.

III. SUA RELAÇÃO COM A CRIAÇÃO (v. 3)

Este texto revela a crença da igreja primitiva acerca da relação entre Deus e a criação. Aqui descobrimos que:

  1. Pela fé entendemos. Esta expressão é importante para que percebamos que (pistei) e entendimento (nooumen), não precisam andar em caminhos opostos ou separados. Mas o autor está dizendo que quando contemplamos toda a criação é necessário fazer o que Kierkegaard chama de um “salto” da fé. Isso é óbvio, conforme afirma David Guthrie, “Se a explicação fosse restrita a fenômenos que podem ser testados, nenhuma fé seria necessária”. Afinal para que precisaríamos da fé de já dispomos de uma explicação suficiente?
  2. Que os mundos foram criados pela palavra de Deus. Isso quer dizer, segundo Charles Trentham, que o “crente não deve ter nenhuma dúvida a respeito da fonte primordial do Universo”. O autor estava certo de que Deus era o responsável pela criação do Universo, ainda que se resuma a dizer que tudo ocorreu pela “Palavra de Deus”. Note-se que as Escrituras, na realidade, não estão preocupadas em dizer o como, mas quem criou o Universo. Em outras palavras não há, necessariamente, qualquer choque entre a fé a ciência já que as declarações bíblicas não exigem nem podem ser empiricamente verificáveis. É importante registrar as considerações feitas por David Guthrie quando ele diz que “O escritor já deixou claro em 1:2 que o Filho foi o agente através de quem Deus criou o mundo, embora empregue aqui um verbo mais expressivo (katertisthai) para o ato da criação”. Segundo o autor citado logo acima, “criar” significa “mobilhar completamente ou equipar”, chamando a atenção tanto para a ordem quanto para o equilíbrio. A fé percebe esses fatos.
  3. E que o visível não foi feito daquilo que se vê. Ao fazer essa afirmação, o autor está procurando refutar um argumento muito comum em sua época. Charles Trentham explica esse pensamento dizendo que esse argumento “insistia em que o mundo fora feito de material imperfeito, que já existia antecipadamente. De acordo com esse ponto de vista, o mundo era inerentemente mau; portanto, o homem não podia ser pessoalmente responsável pelo mal nele existente”. Segundo o autor da carta, um poder invisível foi o responsável – ou como Aristóteles diria “causa eficaz” – pela criação desse mundo fenomênico. É claro que o texto de Gênesis está na mente do autor e que a tese, defendida também por ele, é a de uma criação ex nihilo, não aceita pelos helenistas. Foi nesse mundo que o Filho se encarnou e pregou as Boas Novas trazendo fé a um mundo sem fé.

Conclusão: Conforme a leitura do Evangelho de Lucas, aquele que tem fé não precisa ter medo. Muito pelo contrário, ele herdará o Reino. E por isso, a experiência do desapego dos bens materiais, tanto pela venda quanto pela doação, é algo natural pois o nosso tesouro está nos céus e lá, o ladrão não chega nem a traça corrói. Por isso o significado da fé implica tanto no conhecimento de sua substância quanto na relação com as pessoas e na forma com que vemos o mundo ao nosso redor. Aquele que crê tem o mesmo tipo de fé dos “antigos”, obtêm bom testemunho perante Deus e percebe que o mundo é o palco da atuação do Filho.

 

 

Sermão do Domingo do Próprio 15

(Jeremias 23: 23-29; Hebreus 12: 1-4; Lucas 12: 49-56)

TEMA: O estímulo das grandes testemunhas do passado (Hebreus 12: 1).

Introdução: A importância de uma testemunha é fundamental. Há quem interprete essa “nuvem de testemunhas” como aqueles que nos observam em nossa vida. Pessoalmente entendo que estamos cercados de uma nuvem de testemunhas no sentido de pessoas que deram seu testemunho. Com essa mesma tese Turner chega a dizer: “não devemos considerá-los como nossos expectadores, e sim como testemunhos da fé que compartilhamos com eles”. Afinal, a palavra testemunha, em grego (martyrôn), vai dar origem ao termo mártir, ou seja, aquele que sofreu agruras em razão de sua fé.

Elucidação: Neste texto o autor invoca o testemunho dos grandes homens do passado para nos servir de exemplo. Esta lista está apresentada no capítulo 11 e são apresentados como homens e mulheres que foram torturados (v. 35), experimentaram o escárnio, o açoite, a prisão, foram apedrejados, serrados ao meio, morreram à espada, foram maltratados, aflitos e passaram necessidades (v. 36, 37). E acerca dele, diz o autor: “o mundo não era dignos”, tal a galhardia e o brio que apresentavam. Diante disso, proponho para o dia de hoje, refletirmos sobre o seguinte tema: O estímulo das grandes testemunhas do passado. Quando pensamos nas grandes testemunhas do passado, certamente podemos receber dele, pelo menos três tipos de estímulos.

I. ELES NOS ESTIMULAM A DEIXAR TODO EMBARAÇO

  1. Também nós. Diante de uma tão grande nuvem de testemunhas, diz o autor, “também nós” temos nossa porção de sacrifício a dar. Isso significa que, nós precisamos provar, em nossa geração, que é possível viver a vida cristã de forma vitoriosa.
  2. Devemos nos desembaraçar. O verbo que é utilizado pelo autor do livro, aqui, é apothemenoi, que, literalmente pode ser traduzido como “pôr de lado”. Como o termo está no particípio presente médio, ele aponta para uma ação que deve ser feita continuamente pelo cristão. Devemos sempre “pôr de lado” qualquer coisa que nos impeça de chegar até Cristo.
  3. De todo. Qualquer peso ou roupa que atrapalhasse o desempenho do atleta deveria ser retirado, seja ele qual for. Ao falar em “todo”, o autor está nos dizendo que precisamos ter a lucidez de identificar qualquer “peso” ou impedimento que interfira em nossa performance.
  4. O peso. O termo grego “ogkos” é corretamente traduzido por “peso” ou “massa” e só aparece aqui em todo o Novo Testamento. Um atleta, dizem Rienecker e Rogers, citando Hughes: “iria se despir para a ação, tanto pela remoção do peso supérfluo – mediante rigoroso treinamento -, como pela remoção de todas as suas roupas”. Neste mesmo caminho segue Turner quando afirma: “O ‘peso’ é a roupa excessiva que leva, ou a gordura do corredor ou qualquer cousa que impeça a competição”.

Aplicação: No texto do Evangelho de Lucas para hoje, lemos que Jesus veio anunciar um reino que inevitavelmente fará com que haja conflito entre os projetos pessoais e sociais de nosso mundo. Por isso ele disse: “vim trazer divisão” (Lc 12: 52). Aquele que quer seguir os valores do Reino de Deus não se compromete com o lucro, mas com a partilha; com a dominação, mas com o serviço; com a morte, mas com a vida, e vida com abundância. Em um mundo consumista que olha para a religião como “moeda de barganha”, precisamos assumir corajosamente nossa posição ao lado de Jesus.

II. ELES NOS ESTIMULAM A ABANDONAR O PECADO

  1. O que é “pecado”? Sabemos que os corredores usavam roupas que os mantinham aquecidos preparando-os para a corrida. Mas chegaria a hora em que o atleta teria que se despir daquilo que poderia impedi-lo de chegar ao pódio. Como ensina Trentham “O pecado aqui é considerado como roupa que embaraça os movimentos do corredor”. Essa metáfora, obviamente, se refere a qualquer tipo de elemento que nos faça cambalear ou cair em nossa carreira cristã.
  2. Que está perto. As traduções mais modernas dizem “tenazmente” ao invés de “tão perto”. De fato, a palavra euperistatom, que também só aparece aqui no Novo Testamento, tem um significado incerto. Os exegetas discutem quatro possibilidades para essa palavra. Seja qual for a mais adequada, o fato é que, conforme assevera Donald Guthrie, “Seja qual for o significado exato, fica evidente que o escritor considera o pecado o principal empecilho na corrida espiritual”.
  3. Nos acedia. A ideia de nos assediar equivale a nos rodear. Todo cristão sabe por experiência própria que estamos constantemente sendo assediados para sair da nossa “raia” de corrida, ou para corrermos carregando mais peso do que o necessário. A graça de Deus tem a grande função de nos livrar desses empecilhos que nos acedia e nos conceder a vitória.

Aplicação: O profeta Jeremias acusa os falsos profetas que mentem dizendo que tiveram “sonhos” e em nome de Deus profetizam mentiras. Eles usam esses sonhos e essas profecias para fazer com que o povo de Deus se esqueça das verdadeiras palavras que Javé, que são como o fogo ou como o martelo que tritura a pedra. Por isso, precisamos estar sempre próximos da Palavra de Deus para não nos deixarmos levar por aqueles que têm seus sonhos megalomaníacos mas que, na realidade, nada mais desejam, além de criarem seus feudos eclesiásticos.

III. ELES NOS ESTIMULAM A CORRER NOSSA CARREIRA

  1. Corramos perseverantemente. Esta expressão é claramente retirada dos jogos que os gregos estavam acostumados a fazer. Por isso, diz Turner: “Aqui há uma figura do atleta em uma corrida”. Este gesto certamente facilitaria o desempenho na corrida. O autor não nega as dificuldades que existirão, mas insiste que nossa corrida deva ser realizada de forma perseverante, e mantendo sempre o ritmo, sem nos deixarmos envolver por elas.
  2. Esta carreira. Quando voltamo-nos para o termo original em grego da palavra “carreira”, encontramos a palavra agôna, que quer dizer “conflito”. A carreira cristã não é descrita como uma carreira sem problemas, sem dificuldades ou sem dores. Muito pelo contrário, a vida cristã é uma luta diária por seguir o exemplo de Cristo.
  3. já nos estava proposta. A carreira do cristão já está estabelecida e proposta por Deus com as regras bem definidas. Ele estabeleceu o programa que temos seguir para correr nossa carreira cristã e não devemos, jamais, fugir de sua proposta ou criar outra que a substitua.

Conclusão: Enquanto escrevo essas palavras as Olimpíadas estão ocorrendo na cidade do Rio de Janeiro. Cada um dos atletas que estão lá conhecem a palavra disciplina, luta, combate e batalha. Nem todos ganharão a medalha de ouro, mas, se seguirmos a Cristo, olhando para o bom testemunho dado pelos grandes santos do passado, o cristão deve se sentir encorajado a abandonar qualquer forma de pecado que, de alguma forma, procure nos impedir de correr a grande corrida da nossa vida, olhando para Jesus como nosso grande alvo.

 

 

Sermão do Domingo do Próprio 16

(Isaías 28: 14-22; Hebreus 12: 18,19, 22-29; Lucas 13: 22-30)

TEMA: A superioridade da Nova Aliança (Hebreus 12: 18,19, 22-29).

Introdução: Toda experiência de mudança de realidade é amedrontadora. Primeiro porque, por pior que seja nossa atual realidade, nós acabamos encontrando um espaço de conforto que nos faz aceitar a realidade por pior que ela seja. Diante disso, quando vemos algo melhor, superior, mais elevado ou significante, ainda há dentro de nós um certo receio de abraçar a novidade que se apresenta.

Elucidação: O contexto desses versículos nos mostra o povo da Antiga Aliança e sua enorme dificuldade de aceitar a Nova Aliança e tudo de bom que ela nos traz. O autor do livro se envolve em nos trazer instruções aprofundadas para que o povo de Deus não se deixe enganar e venda sua primogenitura, como fez Esaú, dando um passo atrás. Muito pelo contrário, a Igreja precisa ser convencida da superioridade da nova aliança e, dessa forma, seguir em frente, compreendendo três grandes verdades associadas à essa afirmação e encontradas nesse texto lido:

I. NÃO É ASSOCIADA À UMA REALIDADE HUMANA (v. 18, 19)

  1. Palpável. Os versículos 18 a 21 fazem referência aos fatos ocorridos diante do monte Sinai, onde Deus estabeleceu a primeira Aliança com seu povo. O versículo começa dizendo que nossa aproximação de Deus não se deu da mesma forma da aproximação feita pelos israelitas, que estavam diante de um monte palpável. A palavra psêlafômenô aponta para essa realidade física, palpável e possível de ser tocada. Mas eis que há, aqui, uma contradição. Era um monte palpável que ninguém poderia tocar.
  2. Marcado por um clima de terror. O texto usa palavras como “fogo”, “escuridão”, “trevas” e “tempestades”. Segundo descreve D.D. Turner, “O terror da revelação foi tal que requeria a morte até do animal que tocasse o monte. Toda a narrativa descreve o terror da revelação mosaica. É verdade que Deus Se revelou aos homens, mas sempre o fez como Invisível, Inacessível, disposto a manifestar Sua ira contra o pecado. A Sua revelação era sempre rodeada de sons e cenas espantosas. Os fenômenos eram tão terríveis que o próprio Moisés disse ‘sinto-me aterrado e trêmulo!’” (TURNER, 1987, p. 138). Esse era o clima no qual a Velha Aliança fora entregue.
  3. Marcado por um clima de sobressalto. Além de se referir ao clangor das trombetas, o texto fala do “som de palavras”, ou, no grego original phonê rêmatôn, que foi igualmente aterrorizador. Sempre que Deus se aproxima, ouvem-se o clangor das trombetas, para anunciar sua chegada. Esse foi um momento extremamente solene para todos. As trombetas associadas à voz de Deus produziu um ambiente de espanto, vez que Deus respondia por meio de trovões. A situação era tão assombrosa que a multidão que ouviram tais coisas rogaram (parêtêsanto), ou seja, pediram e imploraram, para não mais ouvi-las.

Aplicação: No texto do Evangelho de Lucas de hoje, Jesus está caminhando para Jerusalém, atravessando cidades e povoados e ensinando os que estavam pelo caminho quando foi arguido sobre se eram poucos os que se salvariam. Para responder essa pergunta Jesus fala de um homem, dono de casa, que fecha a porta e deixa do lado de fora algumas pessoas. Estes, por mais que batam e clamem, dizendo que são conhecidos, ou que compartilharam a mesma mesa, ouvem do dono da casa a seguinte resposta: “Não sei de onde são vocês! Apartai-vos de mim todos os que praticais a injustiça” (Lc 13: 27). Esta palavra nos mostra que o fato de serem vizinhos, amigos, conhecidos, ou padrinhos, de nada vale quando o assunto é entrar no Reino de Deus. Ou você é Filho de Deus ou não é. Deus não tem neto nem sobrinho. Em outras palavras, você precisa entrar pela porta estreita, abrindo mão dos valores dessa sociedade transitória e fugaz, e atendendo à voz de Deus.

II. É SUPERIOR EM TODOS OS ASPECTOS (v. 22-24)

  1. Está ligada à Jerusalém celestial. Esta Jerusalém celestial é chamada aqui de cidade do Deus vivo e de Monte Sião. Aqui, contudo, podemos entrar e tocar, porque a realidade é outra. Nas palavras de Charles Trentham, “vocês chegaram à realidade espiritual final, à cidade que permanece para aqueles que sabem que a soma total da realidade não reside nas coisas que os nossos olhos podem ver, nossos ouvidos ouvir e nossos dedos tocar. Este é o mundo daqueles que sabem que a realidade básica da vida é espiritual”. Eis a razão porque não nos enganamos na defesa insana de uma cidade material.
  2. Está associada à miríade de anjos. É interessante saber que a Revised Standard Version, em inglês, traduz esse texto falando dos “inumeráveis anjos em reunião festiva”, e a Bíblia Pastoral, traduz “milhares de anjos reunidos em festa”. A razão é a presença do termo panêguris, que, conforme indicam Rienecker e Rogers, significa uma “grande reunião para uma ocasião festiva”. Algumas traduções preferem falar em uma “assembleia universal”. No entanto, afirma Champlin, o certo é que “o autor sagrado salienta a alegria e o bem-estar dos lugares celestiais, a exultação de seus habitantes, em contraste com o terror do Sinai”.
  3. Está associada aos que têm seus nomes escritos nos céus, a assembleia dos primogênitos. Esta nova realidade celestial é em muito superior também porque ela nos faz estar associado àqueles cujos nomes estão escritos no céu e aos primogênitos. Esta expressão, para Charles Trentham, significa que os primogênitos eram aqueles que tinham “direito às bênção de Deus (Ex 4:22)” e a referência a existência de livros celestiais, nos quais os nomes dos salvos estavam escritos “davam firme certeza ao povo de Deus”. Embora ainda não estejam lá, o fato de saberem que seus nomes estão escritos no livro os enche de certeza e de convicção para enfrentarem todas as dificuldades.
  4. Está associada à aproximação do Deus que é juiz de todos. O centro deste texto que dizer que um dia todos nós estaremos na presença do juiz. Mas do juiz que é juiz de todos, “dos vivos e dos mortos” (At 10:42). Com sua imparcialidade ele julgará todos os homens e declarará quem são os culpados e quem são os inocentados das acusações. Diferentemente da Aliança do Sinai, que afastava as pessoas de Deus, agora podemos ter “ousadia para entrar no santuário pelo sangue de Jesus” (Hb 10:19). Lá no Santo dos Santos, está a presença de Deus, e pelo sangue do cordeiro, encontramos a oportunidade de adentrarmos à sua presença.
  5. Está associada à aproximação com os espíritos justos que atingiram a meta final. Todos aqueles que podem chegar diante do Juiz são chamados de “justos aperfeiçoados”. Há aqui uma referência a todos os justos – muitos dos quais já foram citados no capítulo anterior – que foram aperfeiçoados (teteleiômenôn) para poderem contemplar o que a Antiga Aliança não podia revelar. A voz passiva do verbo dá a entender que o processo de aperfeiçoamento é de fora pra dentro, ou seja, Deus operará em nós, por meio do Espírito Santo, que em nós habita.
  6. Está associada à aproximação de Jesus, o mediador da nova aliança. Segundo o autor do livro, o mediador dessa Nova Aliança não é mais um homem, igual a todos os demais; é Jesus, o Cristo, o Messias esperado. O Deus que se fez homem para nos elevar à sua presença.
  7. Está associada à aproximação do sangue que fala mais alto do que o sangue de Abel. Se o sangue de Abel foi suficiente para fazer com que Deus se inclinasse e ouvisse o clamor do que foi morto injustamente, lembramos do pregador citado por Trentham e que dizia: “Quando o sangue de nossa culpa clama a Deus, o sangue de Cristo clama mais alto”. A diferença é que o sangue de Abel é um sangue que clamava por vingança, ao passo que o sangue de Jesus clama por reconciliação. Seu sangue é sobremodo gracioso!

Aplicação: No texto de Isaías de hoje, podemos ouvir Deus falar que vai assentar no monte Sião uma pedra escolhida, angular, preciosa e bem firmada; ela nunca será abalada. Ele vai estabelecer o direito por medida e a justiça como critério. Quem se associar com o erro ou com a morte e a injustiça sofrerá as consequências de suas escolhas. Com essas palavras Deus está nos falando que estabelecerá um Novo Pacto, semelhante ao que ocorreu no Sinai, e que esse pacto terá uma pedra angular –referência à Jesus – que julgará com os critérios da justiça e do direito. Será que seu compromisso de vida tem sido com esse direito e com a justiça de Deus?

III. EXIGE UMA ADVERTÊNCIA SEVERA (v. 25-29)

  1. Para não rejeitar ao que nos fala. A voz que abalou o céu e a terra acabou de falar. E ela é a voz de Deus. Dessa forma ela não pode jamais deixar de ser ouvida. Assim como o sangue fala no verso anterior, agora é Deus que se manifesta e fala com sua voz que abala mas que também tranquiliza. Atentem sempre para sua voz.
  2. Quem não o escutou foram castigados. A história mostra que todos os que não deram ouvidos à sua voz, morreram. Eles se responsabilizaram por não aceitarem a advertência celestial. Os israelitas não escapara. Por isso, afirma Donald Guthrie “As consequências da falta de fé da parte dos leitores não seriam menores para eles do que para os israelitas”.
  3. Ele é aquele cuja voz abalou o mundo. Esta expressão certamente faz referência ao terremoto que ocorreu no Monte Sinai e que invocam a lembrança da majestade de Deus e da instabilidade da terra.
  4. Ele anuncia o desaparecimento de tudo o que é instável. O propósito do autor ao anunciar a voz que abala o mundo, é revelar a completa instabilidade de nossa realidade cósmica. Em outras palavras, nós não devemos confiar na estabilidade de nossa realidade. Somente a realidade o Reino de Deus é absoluta e estável.
  5. Ele anuncia a estabilidade eterna do Reino inabalável. O comentarista Charles Trentham nos diz que “O peregrino cristão é chamado a ser agradecido por essa realidade inabalável, o reino de Deus, do qual agora está se aproximando”. Este Reino que recebemos deve ser visto por nós como uma graça de Deus e que devemos conservar a todo custo.
  6. Portanto devemos servir a Deus com respeito e temor. Diante de um Deus grandioso que nos leva à uma Nova Aliança, nos quedamos de joelhos em adoração. Além disso, essa adoração deve ser reverente porque revela uma atitude mental que reconhece a grandeza de Deus. Associada a essa reverência, diz Guthrie, está “o santo temor (deous), que é especialmente apropriado tendo em vista a idéia de Deus como um fogo consumidor, ecoando as palavras de Deuteronômio 4:24. O conceito de Deus como inspirador de santo temor toma seus tons de evento do Sinai” (sic). Ou seja, devemos estar sempre “agradando-o” pois ele é “fogo devorador”.

Conclusão: Esta semana o cristianismo celebrou a festa da Dormição de Maria ou Koimêsis teotoku. Como o próprio nome – koímêsis – aponta, a festa fala de seu sono ou sua “dormição”, ou seja, de sua morte. Esta é uma das maiores e mais antigas festas das Igrejas Ortodoxas. Em 1950, o papa Pio XII definiu como dogma a Assunção de Maria, deixando em aberto se ela chegou a experimentar a morte ou não, ou seja, se ela subiu aos céus em corpo ou se o corpo ressuscitou depois de sua morte e subiu aos céus. Questiúnculas escolásticas à parte, o fato é que, assim como a mãe de nosso Senhor, todos os cristãos, um dia, experimentarão sua própria dormição. E nesse momento, ao fecharmos os olhos para essa realidade palpável e, simultaneamente, vazia, os abriremos para contemplar uma realidade eterna ao lado de Deus e de nosso Redentor, Jesus Cristo. Nesse momento veremos a realidade trazida pela Nova Aliança que não apenas salvou a mãe de nosso Senhor mas também salva a todos quantos se aproximam dele com fé. Para estes, a morte – ou a dormição – nada mais é do que nosso encontro, na grande festa, com os anjos e com os primogênitos, na grande festa que nos foi proporcionada pelo sangue de Jesus, que nos permitiu chegar à presença de Deus sem medo. É por isso que a Coleta do dia 15 de agosto, presente no Livro de Oração Comum, assim se expressa na Festa da Bem-aventurada Virgem Maria: “Ó Deus, que chamaste à tua presença Maria, bem-aventurada mãe de teu Filho Encarnado, por cujo sangue fomos redimidos; concede-nos participar com ela na glória do teu eterno reino, por Jesus Cristo, nosso Senhor, que vive e reina contigo e com o Espírito Santo, um só Deus, agora e sempre. Amém”.

 

 

Sermão do Domingo do Próprio 17

(Eclesiástico 10: 12-18; Hebreus 13: 1-8; Lucas 14: 1, 4-14)

TEMA: A concretude do amor cristão (Hebreus 13: 1-8).

Introdução: Como se reconhece um cristão? Sabemos que – grosso modo – os judeus podem ser identificados pelas roupas típicas que usam e pela longa barba que possuem; que os pentecostais são caracterizados pela forma mais esfuziante de adoração; que as mulheres mulçumanas pelo uso do véu e os hare-crishna por suas roupas cor de rosa. Mas como identificaremos um cristão? Qual sua marca? A bíblia ao lado? Algum tipo de corte de cabelo especial? Não. Segundo as Escrituras, Jesus disse: “Nisto conhecerão todos que sois os meus discípulos: se vos amardes uns aos outros” (Jo 13: 35). A marca do cristão não é outra senão o amor!!

Elucidação: Esta Epístola nos faz ver o grande privilégio que todo cristão tem de entrar no santuário pelo sangue de Jesus e desfrutar da maravilhosa presença de Deus. Há, nesta última parte do livro, três formas de manifestar esse privilégio: conforme o capítulo 11, vivendo uma vida de fé; conforme o capítulo 12, vivendo uma vida de santidade, e, conforme o capítulo 13, vivendo uma vida de amor. Pensando nisso, meditaremos no texto de hoje, tendo como base o seguinte tema: A concretude do amor cristão.

I. SE EXPRESSA EM GESTOS CONCRETOS (v. 1-4)

  1. De amor fraternal. Ao que tudo indica, o fato de alguns judeus haverem abandonado a fé cristã para voltar ao judaísmo, produziu entre alguns membros da comunidade algum tipo de divisão “até o pondo de o amor fraternal não se manifestar” (Turner). Por isso era preciso ser constante nesse amor. A palavra usada aqui pelo autor, para traduzir o “amor fraternal” é Philadelphia. Segundo comenta Donald Guthrie, esta palavra “expressa aquela consideração mútua uns pelos outros, independentemente de raça, que é uma característica peculiar dos cristãos”.
  2. Sendo acolhedores. Por causa da ausência do amor fraternal, muitos naquela comunidade haviam esquecido de ser hospitaleiros. Donald Guthrie nos lembra que “As hospedarias para os transeuntes, onde existiam, eram infames pela sua imoralidade”. O amor, por outro lado, nos faz agir com hospitalidade, assim como em vários exemplos do Antigo Testamento, nos quais as pessoas, sem saber, “hospedaram anjos”. Ver Gênesis 18:19; Juízes 6: 11-24; 13: 2-23). Às vezes, algumas visitas inesperadas, nos trazem bênção celestiais. O princípio geral aqui, afirma Donald Guthrie, “é que é melhor tomar por certo que hóspedes são anjos e os tratar à altura, do que arriscar tratar indignamente pessoas indignas”.

Além do mais, agindo com hospitalidade, segundo o contexto do Novo Testamento, estamos compartilhando a comunhão da comunidade. É importante ressaltar que a hospitalidade (philoxenia) é uma das qualidades exigidas por Paulo dos bispos (I Tm 3:2; Tt 1:8).

  1. Lembrando dos presos e torturados. Os hebreus já haviam sido elogiados pelo autor por causa de sua preocupação com as pessoas atribuladas (10: 33). Agora, eles são exortados a agirem da mesma forma com os presos e com aqueles que são objeto de tortura e maus-tratos. E essa preocupação deve ser de tal forma como se fossem eles mesmos que estivessem presos e suas próprias carnes que estivessem sob tortura. E, de fato, muitos cristãos estavam presos, àquele momento da história, em função de seu compromisso com Cristo.
  2. Respeitando a vida matrimonial. Que é digna de honra e que se expressa no cuidado com o leito conjugal. Aqui o autor exalta a castidade que deve, também, evitar práticas ilícitas e impuras. Segundo Turner, “É possível que os homens do primeiro século se tivessem descurado destas ofensas morais porque eram tão comuns, mas o texto lhes faz lembrar que Deus as considera nefandas” e que os libertinos e adúlteros serão, por Ele, julgados.

Aplicação: Na leitura do Evangelho de Hoje encontramos Jesus criticando um dos chefes dos Fariseus durante uma ceia em sua casa. O texto diz que, enquanto o Senhor comia, era observado por ele. Percebendo que os convidados escolhiam os primeiros lugares para a festa, Jesus os ensina que devemos sempre escolher os últimos lugares, e que, quando dermos uma festa, ao invés de só chamarmos aqueles a quem amamos, conhecemos e nos retribuem, nos convidando para suas festas, deveríamos chamar, antes, os pobres, aleijados, mancos e cegos. Pois, já que eles não podem retribuir, nossa retribuição virá de Deus, o que é muito melhor!

II. SE INSPIRA NO AMOR DE DEUS (v. 5-6)

  1. Não no amor ao dinheiro. Inspirados no amor de Deus por nós, não poderemos, jamais buscar viver uma vida avara ou mesquinha. Nosso maior exemplo foi a kenósis do próprio Deus que se humilhou, assumiu a forma humana e sofreu morte de cruz. Jesus, que sendo o próprio Deus, não teve por usurpação ser igual a Ele, antes de humilhou e assumiu nossa humanidade. O amor ao materialismo era e é um problema no passado e hoje. Paulo já havia dito que o amor ao dinheiro (aqui, a avareza) era a raiz de todos os males (I Tm 6: 10). Isso acontece quando o dinheiro “quando o dinheiro se torna uma finalidade em si mesma” (Donald Guthrie) e não, apenas um meio.
  2. Satisfazendo-se com o que se tem. Não devemos desejar o que é dos outros nem alimentar qualquer espécie de avareza ou inveja. Afinal, o autor nos faz lembrar as promessas feitas por Deus em Deuteronômio 31:6: “Eu nunca deixarei você; nunca o abandonarei”. Esta promessa feita por Deus aos israelitas por meio de Moisés, acredita o autor, é também aplicável aos cristãos, hoje. Dessa forma “o verdadeiro cristão não deve ser cercado pelo amor ao dinheiro e às possessões terrenas, mas deve contentar-se com a toda-suficiência de Deus” (Turner). Lembremos que Paulo não está defendendo uma atitude de passividade e sim nos fazendo ver que o dinheiro é relativo.
  3. Confessando com ânimo: A citação do Salmo 118:6: “O Senhor está comigo, eu não temo. O que me pode fazer o homem?”, é uma consequência da verdade anterior. Se confiamos completamente em Deus, podemos enfrentar todas as lutas da vida sem temer o que nos pode fazer o homem. Afinal, “se Deus é por nós, quem será contra nós?” (Rm 8:31). Para o autor, tanto o povo da Velha, quanto o povo da Nova Aliança, podem confiar no mesmo Deus e esperar dEle a mesma proteção.

Aplicação: Lendo as Escrituras vemos nosso Senhor dizer que somente aqueles que entram pela porta estreita entrarão no Reino dos Céus. Para tanto, Cristo exige que sejamos capazes de abandonar tudo e segui-lo. Na leitura do texto e Eclesiástico lemos que “a essência do orgulho humano é afastar-se do Senhor e manter seu coração longe de quem o criou”. Por isso o Senhor pune os poderosos e arranca as nações pela raiz e planta em seu lugar os oprimidos. Este texto nos faz lembrar da palavra que diz: “Deus não ouve a pecadores; mas a todo adorador de Deus, e a todo o que faz sua vontade, a esse Ele entende” (Jo 9:31).

III. SE REVELA NO EXEMPLO DE NOSSOS LÍDERES (v. 7, 8)

  1. Que são nossos dirigentes. O texto nos incita a “lembrar” de nossos dirigentes – guias ou pastores. É interessante ver que o verbo “lembrai-vos” (mnêmouneuete) é significativo porque ressalta continuidade. Ou seja: “continuem se lembrando!”. É muito provável que o autor esteja fazendo uma referência aos fundadores daquela comunidade que, certamente, já haviam morrido.
  2. Que nos ensinam a Palavra de Deus. Esta expressão “palavra de Deus”, expressa e resume a revelação de Deus. Para Donald Guthrie, “Há valor em lembrar-se dos agentes humanos através dos quais Deus fala, ainda que a própria revelação seja infinitamente mais importante”. Destaque-se que o pronome relativo usado aqui (oitines, os quais) destaca o fato de que estes líderes eram do tipo dos que falam a mensagem.
  3. De quem devemos imitar a fé. Segundo comenta Turner, “a conduta deles deve ser lembrada e sua fé imitada”. Esta imitação proposta pelo autor, afirma Donald Guthrie, “não é nenhuma cópia mecânica das ações dos outros”, mas uma chamada para o reconhecimento de que alguns santos nos precederam e devemos honra-los, seguindo a fé que tiveram.
  4. Lembrando de como eles morreram. Neste momento da história da Igreja certamente já se conhecia, universalmente, o martírio de Estevão, Tiago e, quem sabe, até mesmo Pedro. Todos eles morreram em paz, conservando um bom testemunho e trazendo maior glória à Deus.

Conclusão: No texto de I João 3: 18, encontramos a seguinte verdade bíblica: “Filhinhos, não amemos só com palavras e de boca, mas com ações e de verdade”. Quantos se dizem cristãos com suas bocas e negam essa mesma afirmação com seus atos! Aquele que se diz cristão não o pode ser apenas “de boca”, ou para o censo do IBGE. Precisamos assumir nossa condição de cristãos e honrar os compromissos que foram feitos em nosso nome no dia de nosso Batismo, ou por nós mesmo na Confirmação. Isso significa renegar o mundo e toda a sua maldade e comprometer-se com Jesus, o Senhor. Na vida cristã não há espaço para quem quer apenas “posar” de cristão e muito menos para quem quer “posar” de sacerdote. Somos chamados ao amor abnegado. E essa é a grande marca do Cristão.

 

 

Sermão do Domingo do Próprio 18

(Deuteronômio 30: 15-20; Filemom 1: 1-20; Lucas 14: 25-33)

TEMA: Uma Igreja que vive novos paradigmas (Filemom 1: 1-20).

Introdução: Quando o Reverendo John Stott teve seu comentário ao sermão da montanha publicado no Brasil pela primeira vez, o título do livro era: “Contracultura cristã”. Este título procurava demonstrar que o ensinamento de Jesus se chocava frontalmente com a cultura e com o estado de coisas que marca nossa sociedade. Ser cristão, portanto, significava assumir uma postura que contrariava os valores sociais, políticos e econômicos vigentes.

Elucidação: Esta é a carta mais curta e mais pessoal de Paulo. Ele a escreveu na prisão e a enviou por meio de Onésimo – um escravo fugitivo – para seu antigo “dono” Filemom, membro da igreja em Colossos e líder da igreja que se reúne em sua casa. Esta carta é enviada à Filemom para que este receba seu ex escravo fugitivo, agora, como seu irmão em Cristo. No entanto, ao escrever esta carta, Paulo fornece à Igreja algumas mudanças de paradigmas que são extremamente atuais. Pensando nisso, refletiremos hoje sobre o seguinte tema: Uma Igreja que vive novos paradigmas.

I. É UMA IGREJA COM NOVOS PARADIGMAS RELACIONAIS (v. 1-3)

  1. Aquela era uma igreja que se reunia nas casas. O texto é claro quando diz que provavelmente uma parte da igreja em Colossos, se reunia na casa de Filemom (v.2). De fato, é comum encontrar no Novo Testamento, referências de igrejas que se reuniam nas casas dos fiéis (Rm 16: 5, 23; At 2: 46; 5: 42; 20: 20; I Co 16:19 e Col 4: 15).
  2. Era uma igreja-comunidade. Fica claro no texto que Filemom é o líder daquela igreja; mas o texto se refere também à Áfia – provavelmente a esposa de Filemon -, e a Arquipo como “companheiros de luta”. Este último título é também aplicado à Epafrodito (Fil 2: 25). Segundo Ray Robbins, “Esses dois homens haviam partilhado dos trabalhos e fadigas do apóstolo. Eles haviam tomado parte na causa e nos perigos comuns de serviço no evangelho”.
  3. Era uma igreja onde não havia um “donatário”. As palavras que Paulo usa para com àquela igreja são significativas. No verso 1º ele se auto intitula de “prisioneiro de Cristo”, e se refere aos destinatários como “amado” (v. 1), “colaborador” (v. 1) e “companheiro de lutas” (v.2). Em que pese a autoridade exercida claramente por Paulo, ele não se expressa como um “dono” da Igreja de Deus e nem mesmo – como é comum em seus textos, como apóstolo -, mas como um co-servo em Cristo.

Aplicação: Historicamente sabemos que somente depois que os cristãos passaram a ser aceitos pelo Império Romano é que surgiram os templos, enquanto locais de adoração. Esses lugares eram normalmente chamados de basílicas. Por todo o período Medieval e Moderno a Igreja Cristã se reuniu em torno dos templos e as paróquias se tornaram – bem como as dioceses – realidades espacialmente e geograficamente determinados. No mundo pós-moderno, pode-se questionar se se esse paradigma ainda se sustenta. Talvez uma das maiores lições da igreja primitiva seja justamente nos mostrar que ser igreja é mais do que estar cerceado por um aspecto geográfico; ser igreja é ser comunidade, é viver como uma família de irmãos.

II. É UMA IGREJA COM NOVOS PARADIGMAS PATRIMONIAIS (v. 4-6)

  1. Aquela era uma igreja que vivia o “amor”. Esse “amor”, diz Paulo, era expresso tanto em relação ao Senhor Jesus quanto para “todos os santos” (v. 4). O tema do amor é muito presente nessa carta. Ela pode ser vista nos versos 5, 7, 9 e 16. E isso aponta para uma comunidade cuja prática destoa do modelo de instrumentalização que marca muitas das comunidades cristãs modernas.
  2. O texto diz que “todos os bens que temos são para Cristo”. Esta frase é peculiar e bastante controvertida no original grego. No entanto há tradutores – como Storniolo e Balancin – que a preferem porque ela revela melhor o sentido da carta, ou seja, que tudo o que Filemom tem, inclusive Onésimo, pertence a Cristo. Portanto vemos, aqui, uma clara demonstração da mordomia cristã, ou seja, nada do que temos é de fato nosso. Tudo é de Cristo.

Aplicação: O texto de Deuteronômio é muito importante para aplicamos nesse momento. Lá vemos que Deus coloca diante de nós a vida e o bem, de um lado, e a morte e o mal do outro. Se guardarmos os mandamentos e amarmos a Deus, andando em seus caminhos e guardando seus mandamentos e estatutos, viveremos. No entanto, se nosso coração se desviar e formos seduzidos pelos deuses de nossa sociedade – como mamom, o deus do dinheiro -, então pereceremos. Os céus são testemunhas de que Deus coloca os dois caminhos diante de nós e nos insta para que busquemos a vida, rompendo com os paradigmas desse mundo.

III. É UMA IGREJA COM NOVOS PARADIGMAS SOCIAIS (v. 7-20)

  1. Que troca a “ordem” pelo “pedido” (v. 8,9). Neste momento Paulo, embora reconheça que tem a autoridade para ordenar como deveria ser o comportamento de Filemom, prefere, contudo, “solicitar” em nome do amor um novo comportamento para um dono de escravos. Paulo prefere não “ordenar”, no grego epitassein, que significa “determinar”, e sim, apenas pedir ou rogar – no grego parakalô. Segundo afirma Champlin, esta “palavra usada nas páginas do N.T. por cento e oito vezes, com o sentido de ‘consolar’, ‘rogar’, ou ‘exortar’” é usada aqui “em nome do amor” (diá tên agapên). Para Rolton, citado por Robbins, “Em vez de Paulo ordenar, ele preferia apoiar-se no senso de inteireza moral de Filemom, que tinha a sua base na sua fé em Cristo e no seu amor pelos santos”.
  2. Que inverte a ordem social (v. 15, 16). O pedido de Paulo era para que Filemom recebesse a Onésimo não como um escravo fugitivo, mas como um irmão em Cristo. Para Paulo, seu encontro com Onésimo não foi algo sem propósito. É por isso que ele diz: “pode ser que ele se tenha separado de ti por algum tempo, para que o recobrasses para sempre”. Por isso, comenta Hendriksen: “Embora Paulo de nenhuma maneira livre Onésimo de sua culpa, deseja que Filemom veja e considere a gloriosa e soberana providência de Deus”. Onésimo era muito querido de Paulo, por isso ele estava se separando de seu “próprio coração” (v. 12). E por isso ele entendia que a fuga e a conversão de Onésimo tinha um propósito celestial: modificar o estamento social daquela sociedade e transformar um serviçal em um irmão amado (v. 16).

Conclusão: Vivemos em uma sociedade nominalmente cristã; ou, como disse certa vez um bispo em um programa transmitido pela Rede Vida, uma sociedade de “pagãos batizados”. Quem quiser ser realmente um cristão terá que romper com os padrões dessa sociedade. É por isso que na leitura do Evangelho de hoje, Jesus afirma que se alguém quiser segui-lo, terá que contrariar seu pai, sua mãe, sua esposa, filhos, irmãos e até sua própria vida. Ou seja, terá que romper com os paradigmas estabelecidos, tomar sua crus e se transformar em um aprendiz. Aquele que não renuncia a tudo quanto tem, não pode ser um discípulo. Será que nossa forma de ser Igreja representa um contraste com o status quo ou somos apenas mais uma estrutura que legitima a exploração do outro, a escravidão, a posse das mentes e de seus corpos por meio do capital?

 

 

Sermão do Domingo do Próprio 19

(Êxodo 32: 1, 7-14; I Timóteo 1: 12-17; Lucas 15: 1-10)

TEMA: A manifestação da Graça de Deus sobre nós (I Timóteo 1: 12-17).

Introdução: Em geral as pessoas fazem muita confusão com dois termos bíblicos: graça e misericórdia. A graça é o favor imerecido de Deus dirigido ao homem pecador, ao passo que a misericórdia é a cessação de qualquer pena a ser aplicada a alguém que é culpado. Uma forma de distinguir as duas palavras é dizer que na misericórdia Deus não nos dá o que merecemos e na graça Deus nos dá o que não merecemos.

Elucidação: No texto que foi citado, Paulo faz uma explanação sobre seu chamado para o exercício do ministério e, dessa forma, ele entabula uma exposição sobre o Evangelho e, acima de tudo, sobre a graça de Deus que o atingiu. Pensando nisso, meditaremos hoje sobre o tema: A manifestação da Graça de Deus sobre nós.

I. NOS FORTALECE APESAR DO NOSSO PASSADO (v. 12, 13)

  1. O que nos torna grato à Cristo Jesus, nosso Senhor. Dar graças, no texto original, é um latinismo karin ekô – que viria da expressão gratiam habeo -, que é diferente da forma convencional de Paulo falar, quando usa a expressão eukaristeô. Há comentadores que defendem a tese que sua longa permanência em Roma tenha feito com que Paulo assimilasse expressões latinas.
  2. Que nos fortaleceu. A expressão endunamôsatin me traz para Paulo uma ação especial de fortalecimento feito por Cristo Jesus, nosso Senhor. Essa expressão é eminentemente paulina e ele acreditava que essa deveria ser a primeira qualificação de um Apóstolo (Gl 2:8; Cl 1:29).
  3. Que nos considerou fiel. Em outras palavras, aquele que nos fortaleceu, nos considera dignos de confiança. No texto original a palavra é pistós e indica que Jesus reconhece em Paulo um bom dispenseiro ou mordomo, uma vez que o que ele espera dos mordomos é que eles sejam encontrados fies (I Co 4: 2).
  4. Que nos designa para o ministério. Tendo sido fortalecido e considerado fiel, Paulo é agora designado para o ministério. A expressão designado é êgêsato e pode ser traduzida por “apontado” ou “considerado” digno. Este termo, no original é diakonian, que indica nossa condição de “servos” e não de “senhores” na Igreja de Deus.
  5. Apesar de nosso passado. Todas as expressões anteriores estão no aoristo, o que indica que Paulo está se referindo àquela experiência no caminho de Damasco, no qual ele foi confrontado com o Senhor e teve sua vida mudada completamente daí em diante. Em seu passado ele havia se comportado como um blasfemo, perseguidor e insolente, mas agora – e desde aquele momento – ele era uma pessoa diferente, atingida pela graça de Deus.
  6. Obtivemos a misericórdia de Deus. Se Paulo, com toda sua carga de maldade e pecado, obteve a misericórdia de Deus, será que Ele se negaria a dá-la a nós, igualmente pecadores? Estando o verbo (êleêthên) na voz passiva, chama a atenção para o agente da ação misericordiosa: Jesus Cristo. Afinal ele agiu na ignorância e estando na incredulidade.

Aplicação: Durante o século 18 existiu um grande comerciante de escravos chamado John Newton (1725-1807) que foi comandante de um navio negreiro. Confrontado com uma grande tempestade ele percebeu quão frágil era frente à morte e resolveu dedicar toda sua vida à Deus. Ele tornar-se-ia famoso em todo o mundo por ter sido o autor do lindo cântico Amazing Grace. Quando tinha 82 anos, depois de ter pregado o Evangelho por 43 anos, ele pronunciou a seguinte frase em seu leito: “Minha memória já quase se foi, mas eu recordo duas coisas: que eu sou um grande pecador, e que cristo é meu grande salvador!”.

II. REVELA SEU GRANDE FAVOR POR NÓS (v. 14, 15)

  1. Na forma de uma graça que transborda. Sair do verso 13 para o 14 é mudar completamente de atmosfera. Lá vemos o pecado que abunda. Aqui vemos a graça que é superabundante. Esta graça produziu na vida de Paulo uma enorme mudança, e essa mesma mudança é esperada na vida de todos quantos são atingidos por ela.
  2. com fé e amor. Segundo Hendriksen, “a frase ‘com fé e amor’ indica o efeito da graça no coração e na vida de Paulo”. Na realidade, a graça faz surgir esses dois elementos e inunda nossa alma de forma tremenda. Essa é e esse amor são centrados em Cristo, ou seja, Paulo possui essas graças em razão de sua união mística com seu Salvador.
  3. Esta palavra é fiel e digna de toda aceitação. A expressão pistós ó logos, ou seja, “fiel é essa palavra” é provavelmente retirada de alguma expressão helenista e precede uma declaração solene. Esta declaração nos impulsiona a pensar que nem todas as absolvições dadas pelos sacerdotes ou nossa própria consciência são dignas de crença. Somente aquilo que será dito em seguida deve ser visto por nós como algo digno de fé e aceitação. E qual é essa declaração?
  4. Jesus veio para salvar os pecadores. A palavra sôsai usada por Paulo significa “salvar”, “libertar” e “resgatar”, é aplicada aos pecadores, no grego: amartôlous, ou seja, aqueles que “erraram o alvo” em suas existências.
  5. Eu sou o principal. No texto grego original Paulo se auto proclama como prôtos eimi egô, ou seja, “eu sou o primeiro” ou o “principal”. Segundo afirma Calvino, “Nossa mente se sente sempre inclinada a considerar nossa própria dignidade”, mas ela de desfaz com muita facilidade se olharmos para dentro de nós mesmos. Ao encontrar Jesus Paulo reconhece que ele mesmo é o principal dos pecadores. Em sua mente está sempre presente a lembrança de todos os males e sofrimentos que infligiu sobre os cristãos. Mas ele também ressalta a graça e a misericórdia de Deus que o encontrou, por meio de Cristo, seu Senhor.

Aplicação: No texto de Êxodo lemos que enquanto Moisés estava sobre o monte Sinai, na presença de Deus, e em razão de sua demora em voltar ao povo de Israel, o povo se acerca de Arão e este manda fundir um bezerro de ouro para ser adorado pelo povo. Diante disso, o Senhor resolve consumir todo o povo. Diante da postura de Javé, Moisés suplica ao Senhor pelo povo e invoca sua misericórdia para com Abraão, Isaque e Jacó, implorando pela mesma misericórdia para com aquele povo que havia saído do Egito. Segundo o texto, Deus ouviu a súplica de Moisés e não castigou seu povo.

III. NOS TORNA EXEMPLOS PARA O MUNDO (v. 16, 17)

  1. Exemplo da longanimidade de Jesus Cristo. A ele, o “principal”, foi dada a “completa” longanimidade de Jesus. Paulo nos diz que Deus foi longânimo ao tolerar os maus tratos, os insultos e as provocações feitas por Paulo e, ao invés de castiga-lo – porque era isso que ele merecia -, agiu graciosamente dando-lhe seu perdão.
  2. Para os que viriam a crer. Paulo se tornaria modelo, no grego upotupôsin, ou seja “exemplo”, padrão” e “modelo” para, segundo Chaplin, todos os pecadores. Segundo esse comentador, “Observando eles o que Deus fizera em seu favor, nenhum deles precisaria retroceder em temor, como se seu caso estivesse fora do alcance do poder remidor de Cristo”. De fato, se há força em nossos pecados em nos condenar, há mais poder em Cristo em nos perdoar e perdoar a todos os que viriam a crer nEle.
  3. Em uma doxologia. Como é típico em Paulo, logo após uma grande exposição vem uma notável doxologia. Esta, em particular, ensina Robertson, é uma “explosão de gratidão, devido à graça de Deus”. Nessa doxologia Paulo exalta o Rei dos séculos, imortal, invisível e único Deus, que deve receber toda a honra e glória eternas.

Conclusão: No texto do Evangelho de hoje, Jesus é alvo da murmuração dos fariseus e escribas pelo fato de se acercar de publicanos e pecadores. Em resposta a essa crítica, Jesus conta três parábolas nas quais revela que Deus está sempre disposto a buscar aqueles que se julgam perdidos e sem jeito. Principalmente na primeira parábola – a da ovelha perdida -, Jesus nos ensina que se um homem tiver 100 ovelhas e uma delas se perder, ele deixa as 99 em segurança e vai buscar a ovelha perdida até encontrá-la. Assim age Deus para com suas ovelhas que se desviam do caminho. Ele as procura até encontrar e trazê-las de volta ao redil. Essa é uma exposição de seu amor e de sua longanimidade para com os pecadores.

 

 

Sermão do Domingo do Próprio 20

(Amós 8: 4-7; I Timóteo 2: 1-8; Lucas 16: 1-13)

TEMA: Igreja, comunidade que intercede (I Timóteo 2: 1-8).

Introdução: A palavra “interceder” significa “colocar-se no lugar do outro e pleitear sua causa como se fosse sua”. Nesse aspecto, os sacerdotes e todos os cristãos são chamados a serem intercessores. Mas há um Intercessor especial entre Deus e os homens.

Elucidação: No texto da Epístola de hoje vemos que, a partir desse momento, Paulo vai passar a abordar uma série de temas relacionados ao culto em geral e à oração em particular. Seu intento, provavelmente será orientar Timóteo a responder às doutrinas erradas que haviam se imiscuído na comunidade cristã e que precisavam ser extirpadas. É pensando nisso que meditaremos hoje sobre o tema: Igreja, comunidade que intercede.

I. A INTERCESSÃO GERAL DA IGREJA PELO MUNDO (v. 1-3)

  1. Sua exigência: Antes de iniciar sua exposição Paulo que fazer uma “exortação”. A expressão grega original (parakalô), que é traduzida por “rogar”, “admoestar”, “exortar” ou “encorajar”, revela que a igreja deve orar por todos os homens, assim como Deus deseja salvar a todos. Devemos notar que esta palavra vem antes da expressão “antes de tudo” (prôton pantôn) que, segundo Glenn Hinson, é a “forma clássica da correspondência privada” e mostra que ele estava pronto a “dar início ao corpo principal de sua carta”. Segundo comenta Guthrie, esta primazia é de importância e não de tempo.
  2. Sua amplitude. Paulo nos exorta a suplicar (deêseis), orar (proseuchas), interceder (enteukseis), e dar graças (eucharistias) em favor de todos os homens (pantôn antrôpôn). Isso inclui, principalmente, os reis e as demais autoridades. Essa fraseologia não apenas revela a amplitude dos gestos intercessórios que devemos ter para com os outros, bem como a amplitude daqueles que devem ser objeto de nossa intercessão.
  3. Seu benefício. Orar sempre faz bem. Mas nesse caso, Paulo nos ensina que devemos orar por pelo menos duas boas razões: a primeira delas é “para que vivamos vida tranquila e mansa, com toda tranquilidade e respeito”. Ter uma vida tranquila ou quieta (êremon) é exatamente o contrário de uma vida agitada e que perturba nossa alma; e mansa (esuchion), ou seja, tranquila e quieta.

Em segundo lugar, dessa razão, Paulo acrescenta uma segunda razão pela qual devemos orar por todos os homens: “isso é bom e aceitável diante de Deus, nosso Salvador” (v. 3). Para Paulo, orar pelos homens é bom (kalon) e aceitável (apodekton), ou seja, é do agrado e bem recebido por Deus, nosso Salvador. É interessante notar que nas vinte e quatro vezes em que aparece a expressão “Salvador” (sôteros) no Novo Testamento, somente oito se referem ao Pai, enquanto as demais se referem à Cristo.

Aplicação: Conforme ensina E. Glenn Hinson, “As instruções de Paulo acerca da oração fazem soar de novo a nota de universalidade contra o exclusivismo dos judaístas, que se opunham à missão entre os gentios”. A igreja não pode cometer o mesmo erro que os Judeus cometeram, achando que Deus era propriedade exclusiva de sua etnia ou de sua religião. Devemos, como bons despenseiros, apresentar todo o mundo em oração diante de Deus, pedindo que o Senhor os atinja com sua graça irresistível.

II. A INTERCESSÃO ESPECIAL DE JESUS PARA A SALVAÇÃO (v. 4-6)

  1. Deus deseja que todos sejam salvos. Este texto começa ressaltando que a universalidade salvadora de Deus. Mas é preciso ser honesto e entender que, se Deus deseja algo (que todos sejam salvos) e não consegue (porque sabemos que nem todos serão salvos), então estamos diante de um Deus frustrado. Temos, portanto, que interpretar ou bem a palavra “deseja” ou bem a palavra “todos” de uma forma diferente. São João Crisótomo, por exemplo, distinguia duas “vontades” em Deus: a antecedente e a principal. Assim, afirma E. Glenn Hinson, “Por sua vontade antecedente, Deus deseja a salvação de todos, mas por sua vontade principal ou absoluta, ele permite que alguns se percam de acordo com o seu livre-arbítrio”. Há, também quem distingua essa duas vontades em permissiva e diretiva. Por outro lado, autores como Calvino, preferem investir na interpretação da palavra “todos”. Dessa forma, dizer que Deus deseja que “todos” sejam salvos, significa dizer que “o Apóstolo simplesmente quer dizer que não há povo nem classe no mundo que esteja excluída da salvação; porque Deus quer que o Evangelho seja proclamados a todos sem exceção. (…) o presente discurso se relaciona a classe de homens, e não a pessoas individuais”. Em outras palavras, Calvino, à luz do contexto, interpreta que a vontade de Deus é que o Evangelho atinja a todos os povos, e não que fique restrito aos judeus.
  2. Deseja que cheguem ao pleno conhecimento da verdade. Toda essa expressão: “pleno conhecimento”, é oriunda de uma única palavra grega: epignôsis. É importante ressaltar que, ao invés de termos apenas um “conhecimento” (gnôsis) falso oriundo dos mestres gnósticos daquela época, Paulo se refere a uma epignôsis. Em outras palavras, ao utilizar o prefixo “epi”, Paulo está intensificando a “gnôsis” fazendo com que seja adequado falar em um “pleno conhecimento”. E mais, o prefixo aponta para o fato de que essa “gnôsis” vem de cima, ou seja, tem origem em Deus. Afinal Jesus já havia afirmado que Ele era o “caminho, a verdade e a vida”. A palavra “verdade” usada aqui por Paulo (alêtheias) é a mesma usada no Evangelho de João. Segundo o comentarista J.N.D. Kelly, o “conhecimento” inclui “não somente a apreensão racional da parte do crente, como também a aceitação pela fé, ao passo que a ‘verdade’ é a totalidade da revelação de Deus em Cristo”.
  3. Mas há um só Deus. Quando o texto sagrado diz que “Há um só Deus”, estamos diante da exaltação do monoteísmo. Mas há algo mais. Para Calvino, e à luz do contexto, “há aqui uma comparação implícita de um Deus com todo o mundo e com as diferentes nações”, de forma que só há um Deus, mas não um Deus só para os judeus, mas também para os gentios. Ora, sabemos que essa é uma declaração já conhecida por todos os judeus. A unicidade de Deus, afirma Kelly, é o “fundamento da universalidade do Evangelho”. A crença na existência de um só Deus deveria fortalecer o monoteísmo mas não necessariamente reduzir sua ação a apenas uma nação. Esse foi o erro dos judaizantes.
  4. Em seguida destaca a exclusividade intercessória de Jesus: Segundo Paulo, “há um só mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo, homem”. Se há um só Deus, por outro lado, há também, somente um intercessor entre Ele e os homens, e esse intercessor é Jesus Cristo. Estamos, conforme assegura a maioria dos comentaristas, diante de um hino. E no centro desse hino está o conceito de aliança. Em outras palavras, assim como Moisés era o mediador da antiga aliança, Cristo é o mediador da nova. Esse tema é desenvolvido de forma mais aprofundada em Hebreus, mas a Igreja Primitiva sempre fez uma relação tipológica, em sua hermenêutica, entre Moisés e Jesus. Ambos são mediadores de alianças entre o homem e Deus. Mas, nesse caso, a mediação de Jesus é única e superior.
  5. Que realizou uma obra: E a superioridade da mediação feita por Jesus consiste no fato, segundo Paulo, de Jesus ter “a si mesmo se dado em resgate por todos” (v. 6). Por traz dessa expressão certamente podemos encontrar os textos de Mc 10: 45 e Mt 20: 28. O estilo foi obviamente adaptado para a forma de um hino e, portanto, para as feições poéticas. A diferença é que enquanto os Evangelhos falam em “muitos”, Paulo faz uma referência à “todos”. É claro que Paulo está dizendo que a obra salvadora de Jesus é universalista. Mas precisamos entender melhor esse tema. À luz do contexto, como já foi dito, só podemos interpretar esse “todos” no sentido de “todas as nações ou etnias” e que nenhuma raça ou povo em especial, tem privilégio sobre outro.
  6. Este testemunho deve ser dado no bom tempo de Deus. Esta expressão é enigmática em razão de algumas variações manuscritológicas. Muito provavelmente aqui deva ser aplicada a regra segundo a qual a leitura mais simples é a mais próxima do original. Se assim o for, a melhor tradução seria: “no tempo oportuno de Deus”, ou seja, naquele momento da história em que Deus, por seu propósito, estabeleceu para realizar sua obra. Essa é a também a ideia em Tito 1:3, quando Paulo fala em um kairós idios, e ao usar o dativo ressalta a “época própria”, ou seja, em um “tempo certo”.

Aplicação: Assim como o administrador chamado de infiel, no texto do Evangelho de Lucas, precisamos aprender que quem é infiel no pouco não pode ser fiel no muito. Não podemos, portanto, na qualidade de sacerdotes ou de cristãos, aceitar tacitamente a existência de outros “deuses” que assumam na nossa vida o espaço que deve ser exclusivamente dedicado à Deus. por isso não devemos simplesmente assumir uma postura verbalmente monoteísta, temos que viver como quem rejeita a existência de qualquer outra entidade que assuma uma postura de absolutidade em nossa vida. Isso significa que nem o dinheiro (baal) nem a vaidade ou o orgulho (ubris), podem assumir o espaço de nosso Deus que, por tanto amar, no tempo certo, realizou uma obra de salvação graciosa em nosso favor. 

III. A AUTORIDADE DE QUEM NOS ENSINA A INTERCEDER (v. 7-8)

  1. É a autoridade de quem foi designado pregador e apóstolo. A palavra que Paulo usa para afirmar que ele foi designado é etethên, que tem o sentido de ser “colocado”, “apontado” ou “comissionado”. E ele o foi pelo próprio Deus. Dito isso, vemos que ele foi designado como um “pregador”, ou seja, no original grego, um kêruks. Essa palavra, conforme ressalta Rienecker & Rogers, nos fala de um arauto que “era alguém que tinha importantes notícias a oferecer. Anunciava freqüentemente um evento atlético ou festival religioso, ou funcionava como um mensageiro político, portador de notícias ou ordens da corte do rei. (…) A qualificação mais importante do arauto era que ele representasse ou relatasse fielmente a palavra da pessoa que o enviara”. Ele não detinha a origem da mensagem; apenas a entregava como sinal de fidelidade a quem o enviou, por isso ele era também apóstolo – palavra que significa “enviado”.
  2. É a autoridade de quem foi designado mestre dos gentios. Ao ser designado pregador e apóstolo, ele assume também a condição de “mestre dos gentios”, no grego “didaskalos ethnôn”. A ideia de “mestre” traz consigo a noção de guardião do conhecimento que recebeu de Deus, por isso a expressão “na fé”, ou seja, “en pistei”. Ademais, como mestre dos gentios na fé, ele também o é “na verdade”, ou seja, “kai alêtheia”. Essa última palavra nos aponta para o fato de que seu ensino era desenvolvido não apenas tendo como fundamento a fé, mas também, compromissado com a “verdade”. Não era isso que ele via em muitos pregadores de seu tempo. Não havia compromisso com a verdade do Evangelho.
  3. Por isso quero que todos vocês orem com mãos santas. Para Paulo há uma clara ligação entre a fé a oração, de sorte que já não podemos raciocinar no sentido da causa e do efeito ou do efeito para a causa. Por isso ele quer “boulomai” com sua autoridade apostólica, que todos orem, em “todo lugar”, ou seja, “en panti topô”, indicando que a oração não está circunscrita a apenas um lugar especial ou sagrado, mas que deve ser feita em todos os lugares. Mas ela deve ser feita “com mãos santas”, no texto original: “isious cheiras”, lembrando os sacerdotes que, antes de entrarem no santuário, precisavam lavar suas mãos. A ênfase era afirmar que quem tem “mãos santas” se envolvem em ações piedosas, puras e limpas, indicando que essas mesmas mãos não podem ser usadas para o que é ímpio, impuro, pecaminoso ou errado. Essas mão devem ser levantadas, em adoração, sem “ira”, ou seja, “orgês”, que significa sem qualquer espécie de vingança e sem “animosidade”. Essa palavra no texto original (dialogismou) é traduzida por “disputas” e “animosidades” ou “contendas” originadas nas adversidades trazidas pelos membros da comunidade que aceitaram as falsas doutrinas.

Conclusão: No texto de Oséias vemos uma forte repreensão de Deus contra aqueles que querem enriquecer ou lucrar com os mais pobres e necessitados. Há, aqui, uma clara acusação da prática de injustiça social por parte dos israelitas. Aqueles que se consideram “filhos de Abraão” não podem esquecer que Deus os chamou não apenas para pregar a verdade, mas para serem verdadeiros Apóstolos, ou seja, enviados, para ensinar às nações – ou as etnias – com as mãos santas e purificadas pelo Espírito Santo. Como ministros (diáconos, presbíteros e bispos) não podemos “vender” a sã doutrina ou mercadejar a Palavra. Muito ao revés, temos o múnus de anunciar o Evangelho – e só o Evangelho – deixando de lado todas os “conhecimentos” humanos que deturpam a sã doutrina e a verdadeira adoração.

 

 

Sermão do Domingo do Próprio 21

(Amós 6: 1-7; I Timóteo 6: 11-19; Lucas 16: 19-31)

TEMA: Uma exortação ao Homem de Deus (I Timóteo 6: 11-19).

Introdução: A palavra chave na vida de qualquer pessoa que quer ser alguém é “exortar”. Todos aqueles que foram bem exortados em sua infância galgam um espaço privilegiado, ao passo que aqueles que nunca receberam a exortação dos pais ou mais velhos, sempre caem em desgraça. A palavra “exortar” vem do latim: “exhortatio”, e significa o ato de encorajar. Aliás, a palavra é composta de uma raiz hortari, que significa “dar coragem”, associada ao prefixo “ex”, “de fora”. Ser exortado é ser encorajado ou incentivado de fora.

Elucidação: À medida em que Paulo vai se direcionando ao final de sua carta, ele passa a fazer uma série de exortações pessoais a Timóteo com a intenção de encorajar e fortalecer seu discípulo na fé, que agora exerce um papel episcopal na Igreja cristã. Essa exortação é extremamente forte e aplicada a todos os que possuem liderança na comunidade dos fiéis. Pensando nisso, refletiremos hoje sobre o seguinte tema: Uma exortação ao homem de Deus. Essa exortação é composta por três elementos:

I. É PRECISO ASSUMIR CERTAS POSTURAS (v. 11, 12)

  1. Fugir do que é pecado. Aquele que é chamado de “homem de Deus” (anthôpe theou) é exortado pelo Apóstolo a fugir (pheuge), ou seja, a buscar um lugar seguro e que lhe dê proteção contra as coisas que são mencionadas nos versos anteriores: heresias, invejas, contendas, difamações, mente pervertida, mentira, busca desenfreada de lucro e riquezas. Acerca de tudo isso, a palavra de Paulo ao jovem Bispo Timóteo é: foge dessas coisas.
  2. Buscar a justiça, a piedade, a fé, o amor, a constância, a mansidão. Se, negativamente há uma série de elementos dos quais devemos fugir, positivamente, há uma série de virtudes que devemos seguir (dioko), ou seja, esforçar-se em uma busca apressada. E Paulo enumera pelo menos seis: a justiça (dikaiosunên), piedade (eusebeian), a fé (pistis), o amor (agapên), a constância (upomonên), geralmente traduzida por paciência, e a mansidão (praupathian), que é associada à gentileza. Esse deve ser o caráter do verdadeiro “homem de Deus”.
  3. Combater o bom combate da fé. Além desse caráter interior, o “homem de Deus” é exortado a “combater o bom combate da fé”. O verbo “combater” (agonizomai) nos fala de uma luta que deve ser travada constantemente pela fé. E isso deve ser feito como um gladiador na arena (Easton) ou como um soldado no campo de batalha (Simpson), ambos citados por E. Glenn Hinson.
  4. Tomar posse da vida eterna. Somente quando somos capazes de deixar para trás toda espécie de pecado que de tão perto nos rodeia, de buscar praticar as grandes virtudes cristãs e de combater o bom combate da fé, estaremos aptos para “tomar posse” (epilabou) ou “agarrar-se” à vida eterna que nos é proporcionada por Cristo e que foi, por nós, confessada – como uma confissão de fé – diante de todos.

Aplicação: Uma das marcas mais claras de nossa sociedade é a incapacidade que as pessoas têm de assumir posturas. Elas vivem, como se diz popularmente, “em cima do muro”. No texto do Evangelho de hoje, Jesus é muito claro quando afirma em Lucas 16: 13 que “Ninguém pode servir a dois senhores; (…) Não podeis servir a Deus e às riquezas”. Isso significa que precisamos assumir posturas claras diante de uma sociedade consumista e que somente valoriza ou respeita quem tem o capital. Para Paulo, para tomarmos posse da verdadeira riqueza do homem – a vida eterna – precisamos abandonar o pecado, buscar e defender a justiça e combater o bom combate da fé. E isso significa tomar uma atitude; assumir uma postura clara e inequívoca de cristão nesse mundo pós-cristão.

II. É PRECISO GUARDAR O MANDAMENTO (v. 13- 16)

Além de assumir claramente, e publicamente, certas postura, o “homem de Deus” é exortado por Paulo a guardar o mandamento. A palavra grega para “mandamento” (entolên) implica em “ordem” ou “preceito”. E não seria errado entender que elas tanto incluem aquilo que Paulo vinha dizendo nos versos 11 e 12, quanto abarcam também tudo o que Paulo vinha ensinando nessa carta. Pois bem, Paulo exorta mais uma vez a Timóteo, invocando o sagrado. Por isso ele diz:

  1. Diante de Deus. Essa expressão quer indicar tanto “pela autoridade de Deus” como “tendo Deus por testemunha”. E esse Deus é aquele que “a todos dá vida”. Essa expressão certamente é recortada de algum cântico ou profissão de fé batismal primitivos. Deus não é apenas o criador, mas o preservador da vida que “no batismo outorga a vida nova e abençoada em Cristo para a qual Timóteo foi chamado” (J.N.D. Kelly).
  2. Diante de Cristo. Paulo está fazendo referência aqui à boa confissão feita por Cristo diante de Pilatos. Segundo Champlin, essa referência é feita “porque o Senhor fez boa profissão em sua severa provação, e desse modo nos deixou um modelo supremo”. É provável que Paulo esteja usando a imagem de Cristo perante Pilatos para se referir à confissão que Timóteo fez perante o mundo quando de seu batismo.
  3. Guardar sem mácula e irrepreensível. Guardar esse mandamento sem mácula (aspilon) significa mantê-lo inteiramente sem mancha ou defeito. Essa é a mesma palavra que é usada para descrever o cordeiro que deveria ser sacrificado. Mas, ao usar o termo “irrepreensível” (anepilêmpton), Paulo faz referência àquilo que não pode ser agarrado para ser criticado; em outras palavras, aquele que está isento de críticas. Ora, sabemos que mesmo Paulo se considerava o “principal dos pecadores”. Mas, uma vez encontrando o perdão em Cristo, estamos aptos para segui-lo sem seu caminho, levando nossa cruz.
  4. Até a manifestação de nosso Senhor Jesus Cristo. O “homem de Deus” é exortado a guardar o mandamento, até a “manifestação” (epiphaneias), ou seja, até o aparecimento de Cristo. Há, aqui, obviamente, uma referência ao segundo advento de Cristo, chamada, comumente no Novo Testamento de parousia. De acordo com o comentarista Chaplin, “A palavra epiphaneia é aqui escolhida ao invés de parousia, quiçá devido à influência do vocabulário gnóstico, que se referia ao ‘aparecimento’ das emanações angelicais ou ‘aeons’, como ‘epifânias’”. Portanto alguns gnósticos se referiam ao súbito aparecimento do “aeon-Cristo” que tomariam posse do corpo de Cristo até que ele cumprisse sua missão na terra. Paulo, contudo, faz referência a autêntica epifania que ocorreria quando Cristo viesse em sua segunda vinda, na parousia como Rei dos Reis e Senhor dos Senhores. Somente ele possui toda a honra e poder sempiterno. Até lá, devemos guardar o mandamento que recebemos.

Aplicação: Todo tesouro possui em si mesmo uma certa ambiguidade. Todos o querem, mas quem o tem, o esconde. Os principais tesouros dos países estão extremamente protegidos em cofres ou em museus com segurança acima de qualquer falha. Essa é a marca fulcral do tesouro: ser sempre bem protegido. Como cristãos recebemos um tesouro do céu, das mãos de Deus. Ele se chama “Evangelho”. E, diferentemente dos tesouros que são escondidos para que ninguém veja, nosso tesouro deve ser simultaneamente preservado e anunciado à todas as nações. Não podemos abrir mão dele ou negociá-lo. Mas devemos leva-lo até aqueles que vivem sem conhecer o verdadeiro tesouro que enriquece o homem. 

III. É PRECISO DISTINGUIR A VERDADEIRA RIQUEZA (v. 17-19)

Além de exortar o “homem de Deus” a assumir certas posturas e a guardar o mandamento, Paulo exorta a Timóteo, e a todos nós, a distinguir a verdadeira riqueza. Para tanto ele afirma que:

  1. Por isso os ricos não devem ser orgulhosos. Novamente Paulo fala em exortar. Agora ele manda Timóteo exortar aos “ricos” (plousiois) desse mundo. Paulo provavelmente estava se referindo a membros da igreja que eram ricos. A estes, Timóteo precisava exortar para que não fossem orgulhosos (upsêlofronein), uma palavra que é composta da raiz “mente” (fren) com o prefixo “elevado” (upselos). Por isso, Paulo está dizendo que os ricos não devem ter a mente altiva que busca dominar os outros.
  2. Mas devem depositar sua esperança em Deus. Além disso eles não devem depositar sua esperança na riqueza porque ela é instável. Afinal, o ladrão pode roubar, o fogo pode consumir e a traça pode comer todas as expressões de riqueza. Mas nossa esperança deve estar depositada em Deus, aquele que é o criador e mantenedor de nossas vidas.
  3. Pois Ele nos dá tudo. É Deus que nos dá e nos oferece, abundantemente, tudo o que precisamos. Por isso Paulo usa a expressão “para nosso aprazimento”, ou seja, para nosso “gozo” e nossa “felicidade”. Mas ao dizer isso ele também nos ensina que todas essas coisas podem ser desfrutadas mas jamais colocadas como base de nossas esperanças, como se fosse nosso deus.
  4. Que nossa verdadeira riqueza seja de boas obras. O verdadeiro “homem de Deus” é aquele que faz o bem, sendo generosos e prontos a repartir. Por isso, diz Champlin, o verdadeiro caráter do aprazimento é revelado quando “Um rico pode ‘desfrutar’ de suas riquezas, bem como levar outros a desfrutarem das mesmas”. Segundo ensina Calvino, Paulo está procurando corrigir as disposições pecaminosas dos ricos, afirmando com autoridade qual é o uso correto da riqueza: “para os homens mais ricos seus meios de ajudar aos outros serão mais abundantes”. Enquanto para muitos o sinal visível da graça de Deus na vida de alguém é a posse de bens, para Paulo, o sinal visível da graça de Deus na vida de alguém é a capacidade de repartir o que se tem.
  5. Que nosso acúmulo seja de tesouros espirituais. Para Paulo, nosso tesouro não deve estar nas riquezas porque elas não são sólidas e não servem de fundamentos para o futuro. Portanto, devemos, diferentemente dos “ricos desse mundo” tomaremos posse da verdadeira vida. Paulo havia dito algo parecido em II Coríntios 4:18: “…não atentando nós nas coisas que se veem, mas nas que se não veem; porque as que se veem são temporais, e as que não se veem são eternas”.

Conclusão: O texto do profeta Amós é muito adequado para encerrar essa prédica. Nele vemos o próprio Deus pronunciando os “ais” contra aqueles que se consideram “notáveis” e “principais em Israel”. Deus zomba daquele que acha que o dia mau nunca chegará e, por isso, dormem em camas de marfim. Estes que cantam à toa, se fartam com os cordeiros e bebem o bom vinho, um dia experimentarão o cativeiro. Isso ocorrerá porque Deus abomina a soberba (Am 6:8).

 

 

Sermão do Domingo do Próprio 22

(Habacuque 1: 1-6; II Timóteo 1: 6-14; Lucas 17: 5-10)

TEMA: Três marcas necessárias ao líder cristão (II Timóteo 1: 6-14).

Introdução: De uma perspectiva histórica, é inegável que a Igreja de Jesus Cristo precisa de líderes que se caracterizem por alguns elementos bem distintos. Vivemos em um mundo pós-moderno e, em largo grau, pós-cristão. Os cristãos que respondem às questões do IBGE revelam apenas uma “cristandade” que difere em muito do cristianismo primitivo. A realidade de superficialidade no cristianismo brasileiro, associado à teologia da prosperidade e ao esquecimento do evangelho da graça e sua substituição pelo evangelho da “vitória”, nos mostram que os novos líderes cristãos, nessa nova realidade epocal, precisam de marcas bem distintas. Estas marcas podem ser encontradas nas Sagradas Escrituras.

Elucidação: Esta é uma carta muito pessoal. Seu caráter íntimo se faz notar logo nos primeiros versículos nos quais Paulo se refere à Timóteo como “amado filho” (v. 2), lembra de suas lágrimas e sofrimento (v. 4) e lembra das figuras de sua avó Lóide e de sua mãe Eunice. Logo depois de fazer uma breve ação de graças, Paulo faz uma série de exortações àquele líder cristão antes mesmo de falar sobre sua própria situação de encarceramento. No texto que lemos hoje, encontramos, portanto, uma perícope que nos permite falar sobre o seguinte tema: Três marcas necessárias ao líder cristão. Essa exortação é composta pela apresentação dessas três marcas:

I. ELE PRECISA REAVIVAR O DOM QUE DEUS NOS DEU (v. 6-8)

  1. É preciso sempre reavivar o ministério. Quando Paulo usa a expressão “reavivar” (anazôpurein), ele usa uma palavra que também pode ser traduzida por “reacender” um fogo. Esta metáfora de uma fogueira, diz J.N.D. Kelly, nos faz lembrar que “as brasas sempre precisam de ser remexidas constantemente”. É por isso que o verbo está no presente do infinitivo.
  2. Pela imposição das mãos de Paulo. O dom (charisma) dado por Deus, segundo Paulo – no momento da ordenação -, foi entregue à Timóteo por meio da imposição (epitheseôs) das mãos do próprio apóstolo. O escritor I.H. Marshall nos dia que “Ações com as mãos eram uma parte importante do antigo ritual religioso, como por exemplo, na oração (I Rs 8: 54; I Tm 2:8), na invocação da bênção divina (Lv 9: 22; Eclesiástico 50:20)”. Nesse caso Paulo está ordenando Timóteo ao ministério.
  3. O que nos deve fazer vencer a covardia. Uma vez que não recebemos de Deus um espírito de covardia, ou seja, uma disposição de timidez ou medo, “não devemos nos envergonhar do testemunho de nosso Senhor”. Timóteo era naturalmente tímido. Mas, revestido da unção de Deus ele não deveria se deixar vencer pelo medo e dar sempre testemunho do Evangelho, ou seja, da fé cristã, a tempo e fora de tempo. Da mesma forma, “devemos sofrer com Paulo, dos sofrimentos do evangelho, segundo o poder de Deus”. Quando Paulo usa o termo “sugkapathêson” que é traduzido por “sofrer juntamente com alguém”, é possível ver na raiz do termo a palavra “empatia”, ou “sofrer junto”. Em outras palavras, o ministro de Deus deve ter a coragem de sofrer as mesmas dores que Paulo sentia em suas cadeias.
  4. O que nos faz assumir uma postura de poder, amor e moderação. Essa coragem para enfrentar o medo, nos dava, por via de consequência, a condição de assumir uma postura marcada pelo “poder” (dunameôs), ou seja, “força”; de “amor” (agapês), que é a “disposição de cuidar do outro como cuidamos de nós mesmos” (Champlin), e de “moderação” (sôfronismou), termo que se refere à autocontrole ou autodisciplina.

Aplicação: O Texto do livro de Habacuque nos faz ver a situação calamitosa em que se encontrava o povo de Deus na Antiga Aliança. Balancin e Storniolo destacam que “o profeta constata o caos social: os fortes oprimem os fracos. Estes recorrem ao tribunal, mas a justiça está esquecida e o direito é distorcido”. O que resta ao profeta? A fé que o fez sobreviver a essa realidade sem se corromper. Lembra ele em 2:4: “o justo viverá pela sua fé”. Como o profeta não podemos esmorecer em nossa fé nem nos acovardar frente ao ministério para o qual fomos chamados.

II. ELE PRECISA RELEMBRAR QUE FOI SALVO E CHAMADO (v. 9-12)

  1. Por meio de uma santa vocação. Paulo lembra a Timóteo que ele foi salvo e chamado com uma “santa vocação” (klêsei agia). Kelly nos informa que se de um lado essa salvação envolve a libertação do pecado e da morte, por outro, o verbo “chamar”, na linguagem paulina “denota a primeira etapa do processo da salvação (Rm 8:30; I Tm 6: 12), e o sentido da cláusula é que Deus, que é santo Ele mesmo, chamou os cristãos para fora do mundo para uma nova vida de consagração”.
  2. Não segundo nossas obras. Paulo enfatiza agora que a chamada divina nada tem a ver com as nossas boas obras ou com nada que tenhamos feito. Nossa participação ou merecimento é absolutamente nula e não tem valor algum para nossa salvação. Por isso, diz Paulo, não foi segundo as “nossas obras” (erga êmôn).
  3. Mas por sua determinação e graça. Pela sua própria natureza, a graça é algo que não pode ser comprado ou conquistado por nós e nossa força ou esforço. Ela é “dada” como um “favor não merecido”. Embora não a mereçamos, Deus, por sua livre graça, nos deu a salvação. Essa salvação nos foi dada “em Cristo Jesus”, ou seja, por meio dos méritos e dos merecimentos do próprio Salvador. E isso, “Antes dos tempos eternos”. Para Calvino “Paulo emprega essa frase com o mesmo sentido com que ele em outra parte fala da ininterrupta sucessão dos anos desde a fundação do mundo (Tt 1:2)”. E Kelly vai mais a miúde ao afirmar que “O pensamento tem relacionamento com aquele de Ef 1:4, onde está declarado que “…nos escolheu nele (i.é. em Cristo), antes da fundação do mundo.” As duas passagens pressupõem a ideia da preexistência de Cristo, e também dão a entender que Ele é o único Mediador que transmite a graça de Deus aos homens, mediante a união com Ele” (sic). Ademais, arremata Calvino, “é digno de nota que ele coloca o fundamento da salvação em Cristo; porque, fora dEle, não há adoção nem salvação”.
  4. Manifestada agora pelo aparecimento do Salvador Jesus Cristo. É interessante notar a forte vinculação existente entre a fé que temos no evangelho com a secreta eleição realizada por Deus. Por isso, diz Calvino: “Deus nos chama agora pelo Evangelho, não porque repentinamente tenha tomado consciência sobre nossa salvação, mas porque já a tinha determinado que assim fosse desde toda eternidade”. Cristo “apareceu” (epifaneias) ou manifestou-se, agora, porque o propósito gracioso de Deus, estabelecido antes da criação – ou seja, na eternidade -, se revelou – no tempo – ou no processo histórico, de forma visível, em Cristo Jesus.
  5. Que destruiu a morte. Cristo, em sua primeira vinda e em seu sacrifício, entende Paulo, “venceu a morte” e esta vitória tanto se refere à morte física quanto à morte espiritual. Se por morte entendemos “separação”, nunca mais estaremos separados de Deus e, pela ressurreição do corpo, o projeto eterno de Deus se concretizará.
  6. Que trouxe a vida e a imortalidade. Como consequência da vitória sobre a morte, eis que a vida e a imortalidade são realidades concretas para quem está em Cristo. É como se Paulo dissesse que quem está em Cristo tem a vida verdadeira e imortal.
  7. Por meio do evangelho. Essa realidade só é possível por através do anúncio do Evangelho, que se apresenta, como “meio de iluminação usado por Cristo” (Champlin) que é, ele mesmo, a luz do mundo. Deste Evangelho, “Paulo foi designado pregador, apóstolo e mestre”. Estas três designações aparecem em I Tm 2:7, e, segundo Hendriksen, “Como pregador, Paulo deve anunciar e proclamar em voz alta esse evangelho. Como apóstolo deve dizer e fazer somente o que lhe foi ordenado dizer e fazer. E como mestre deve compartilhar cuidadosas instruções sobre as coisas relativas à salvação e à glória de Deus”.
  8. Esta é a razão de seu sofrimento. A fidelidade de Paulo à seu chamado deve ser vista por Timóteo como a explicação para todo o sofrimento que ele passou e passa. É em razão do cumprimento da tarefa que lhe foi conferida por Cristo que ele sofre, em prisão, as agruras de um prisioneiro qualquer. Nenhum cristão deve esperar algo diferente de seu Senhor.
  9. mas nem por isso ele se envergonha ou perde a fé. Mas nem por isso ele se lamenta. Ele sabe em quem tem crido e conhece seu poder. Sabe que Ele guardará seu tesouro até aquele Dia. A confiança de Paulo está colocada somente no Senhor. E ao dizer “eu sei em quem tenho crido” ele está querendo dizer: “eu conheço pessoalmente a Deus que se revelou em seu precioso Filho para, no momento certo, me dar o tesouro guardado por tanto tempo”. Ou seja, o “meu depósito” (parathêkên mou) é a completa salvação que começa no passado quando somos eleitos, se realiza no presente, quando somos chamados, e se concretiza no futuro, quando seremos glorificados.

Aplicação: Lamentavelmente, em nossos tempos, temos visto pregadores e mestres que abandonaram o evangelho de nossa salvação e pregam que Deus nos dará sua bênção se fizermos algum tipo de sacrifício. Essas pessoas perderam a noção do que significa “graça” e apregoam um cristianismo “sem graça” ou “desgraçado” porque pregam uma religião de barganha e de troca. Sem que você traga seu dízimo ou oferta, sua contribuição, seu sacrifício, etc., Deus não o ouvirá. Eles dizem que a vontade de Deus é que você seja rico e cheio de bens. Mas o que lemos nas Escrituras é bem diferente. Paulo, consciente de que sua salvação não veio de suas obras diz claramente que está preso e sofre suas cadeias, por causa da pregação desse evangelho do qual não devemos nos envergonhar nunca e que nos garante que Deus, o justo juiz, tem guardado o nosso depósito até “aquele dia”. 

III. ELE PRECISA MANTER O PADRÃO DAS SÃS PALAVRAS (v. 13, 14)

  1. Que Ele ouvira de Paulo. Além de reavivar o dom dado por Deus e de relembrar sempre que foi salvo e chamado por Cristo, Timóteo precisa manter o padrão das sãs palavras. Isso significa manter o modelo (upotupôsin) ou exemplo das “sãs palavras”, em contraste com as palavras doentias dos gnósticos. Timóteo deveria manter a saudável mensagem que ouvira de Paulo, seu instrutor e exemplo.
  2. Com fé e com o amor que está em Cristo. A manutenção dessas sãs palavras que Timóteo ouvira de Paulo, deveriam ser feitas de uma forma especial. Considerando que a palavra “fé” está sem artigo, traduz-se “em fé”. A ligação “e” (kai) “amor”, nos autorizam a traduzir o texto como: “na fé e no amor que há em Cristo Jesus”. A fé e o amor possuem seu alicerce em um relacionamento pessoal com Cristo.
  3. Por isso ele deveria guardar o bom depósito. Em razão dessa relação privilegiada com Cristo, Timóteo deveria “guardar o bom depósito”. Antes de mais nada, chama a atenção o fato de que o verbo usado por Paulo: “guarda” (phulakson), está no aoristo do imperativo, o que exige uma tradução do tipo “guarda, preserve ou defende de uma vez para sempre”. Timóteo deveria guardar o bom depósito (parathêkên) – a mesma palavra usada no verso 12 e retirada da linguagem bancária. Segundo Champlin, nesse contexto, esta expressão pode significar tanto “o evangelho” ou o “ministério pelo qual o evangelho deve ser proclamado” quanto o “ofício de Bispo ou supervisor”. Isso, obviamente vai muito mais além do que as coisas boas que nos foram entregues por Deus.
  4. Mediante o Espírito Santo. O instrumento pelo qual Deus nos enriquece e nos fortalece em nosso ministério sacerdotal ou episcopal e o próprio guardião desse “depósito”, é o próprio Espírito Santo. Segundo Hendriksen, “posto que o inimigo é forte e Timóteo é fraco, de uma forma muito sábia Paulo faz atenta que essa que essa ação de guardar não pode ser feita” sem o Espírito Santo.
  5. Que habita em nós. Ou seja, o Espírito Santo que está dentro de Paulo, Timóteo e de todos os crentes (Hendriksen). A referência à Romanos 8: 11 é clara. Resumindo, o Espírito Santo ajudaria Tiago a guardar o puro evangelho ou a santa doutrina, assim como Paulo havia feito anteriormente.

Conclusão: O líder cristão, muitas vezes precisa, como fizeram os apóstolos, pedir a Deus que lhes aumente a fé. Todos os ministros as vezes se sentem como Timóteo, um tanto quanto tímido e envergonhado. No entanto, devemos lembrar que temos um ministério a cumprir e que Deus espera que seus despenseiros sejam encontrados fies. Isso significa que mesmo depois de termos feitos tudo o que deveríamos fazer, temos que reconhecer que nada fizemos além de nossa obrigação de servos. Não trabalhamos para obter, por nosso esforço, a salvação ou qualquer outra bênção divina. Tudo o que temos nos foi dado pela graça e somente pela graça. Que possamos seguir as instruções de Paulo e reavivar o dom que recebemos, relembrar nosso chamado e manter o padrão das sãs palavras.

 

 

Sermão do Domingo do Próprio 23

(Rute 1: 8-19; II Timóteo 2: 8-15; Lucas 17: 11-19)

TEMA: Três correspondências necessárias ao cristão (II Timóteo 2: 8-15).

Introdução: Quando estudamos a disciplina “epistemologia”, no curso de filosofia, descobrimos que essa palavra significa “estudo acerca do conhecimento”. Ela se preocupa em debater sobre de que forma somos capazes de conhecer a verdade. E uma das teorias epistemológicas mais famosas e duradouras na história é conhecida como a “teoria correspondencial” que foi defendida por Aristóteles e que continua em vigor para inúmeros pensadores. Essa teoria diz que a verdade é a “correspondência entre o que se afirma e os fatos”. Em outras palavras, se alguém disser: “há um coelho do lado de fora da casa”, basta abrir a porta e olhar se o que se afirma corresponde aos fatos.

Elucidação: Embora esta segunda carta trate dos mesmos temas expostos na primeira, ela vem revestida de muito mais sensibilidade e pessoalidade. Isso ocorre por causa da prisão de Paulo, e da certeza de que em breve ele receberia seu tesouro. Em razão disso, e da fragilidade e timidez de Timóteo, Paulo fala de seu desejo de vê-lo antes de sua morte e procura fortalecer esse jovem líder cristão a perseverar na fé, mesmo diante de tantos falsos pregadores que aparecerão nos últimos dias. Tendo essa realidade como pano de fundo, refletiremos hoje sobre o seguinte tema: Três correspondências necessárias ao cristão. Pensando nisso, apresentamos as seguintes afirmações:

I. NOSSO EXEMPLO DEVE CORRESPONDER AO DE JESUS (v. 8 – 10)

A primeira grande afirmação, é a de que nosso exemplo como cristão, deve corresponder ou se assemelhar ao do próprio Jesus Cristo.

  1. Há uma clara exortação: “Lembra-te de Jesus Cristo”. O texto de abre com a retumbante palavra “lembra-te” (mnêmonue), que significa “trazer à mente” e que aponta para a memória de Timóteo, fazendo-a voltar-se para o próprio centro da mensagem cristã: Jesus Cristo. Para J.N.D.Kelly Jesus é apresentado como “a inspiração suprema do serviço cristão”.
  2. Há uma clara definição sobre sua mensagem: “segundo o meu evangelho”: Para Paulo o “seu” evangelho – ou o coração da mensagem que lhe foi entregue – era bastante simples. Ele era composto de duas verdades: Jesus era descendente de Davi, uma citação de origem judaico-cristã, e Jesus havia ressuscitado. De fato, conforme explica J.N.D.Kelly, embora Jesus tenha de ter passado pelo caminho da cruz e provar a morte, ele agora reina em glória pois foi glorificado. Estas duas verdades se unem pelo fato de que Deus havia prometido dar a Davi e aos seus descendentes um reinado eterno (II Sm 7: 12-16; Mt 1:1; Rm 1: 3, 4).
  3. Há uma clara explicação: Logo após definir o evangelho que pregava, Paulo apresenta essa pregação como a razão “pelo qual eu estou sofrendo”. A palavra usada por Paulo é (kakopatô) que se traduz por “sofrer ou ter dificuldades” semelhantes aos “malfeitores” (kakourgos), palavra que foi usada para descrever “os criminosos que foram crucificados ao lado de Jesus (Lc 32.32s), e na terminologia legal era reservada para assassinos, traidores e gente semelhante” Rienecker & Rogers. Seu sofrimento incluía “até algemas”, uma indicação de que suas mãos estavam presas e que já não podia agir. No entanto, em que pese suas mãos estarem presas, a “palavra de Deus não está presa”, ou seja, a despeito das imposições impostas sobre seu pregador, ninguém pode aprisionar essa mensagem, ou seja, o evangelho que ele pregava e que foi apresentado acima
  4. Há uma clara razão para isso: Paulo, em razão de tudo o que foi exposto acima, “tudo suporto por causa dos eleitos”. Em razão de sua confiança no evangelho (dia touto) Paulo estava suportando tudo isso. E a razão é apresentada logo em seguida: “por causa dos eleitos” (dia tous eklektous). Com essa palavra Paulo não está se referindo apenas aos cristãos já convertidos, mas também faz referência aos pagãos que ainda iriam crer em Cristo, descritos aqui como “eleitos”. É importante ver as palavras de John Stott acerca dessa passagem: “O eleito obtém a salvação em Cristo não à parte da pregação de Cristo, mas por meio dela. E mais, não somente a pregação, mas também o sofrimento resultante dela são os caminhos usados por Deus para a salvação dos eleitos”.

Aplicação: A teologia cristã Ocidental é diferente da Oriental em muitos fatores interessantes. Um deles é o uso da palavra “santificação”. Os cristãos do Ocidente entendem que a santificação é um processo por meio do qual nos distanciamos das obras da carne e de todo o pecado. Ela é vista, portanto, de uma forma negativa. Já os cristãos Orientais não falam tanto em santificação, mas em cristificação, querendo dizer que, depois que encontramos à Cristo, devemos conviver com Ele e isso nos fará, necessariamente mais parecidos com Ele. Teremos, portanto, uma vida crística quando nossos gestos e atos, refletirem o nosso exemplo maior que é o próprio Cristo.

II. NOSSA PRÁTICA DEVE CORRESPONDER À NOSSA FÉ (v. 11 – 13)

Nesse momento Paulo passa a citar um fragmento do que os estudiosos têm identificado como um hino cristão primitivo. Para Jeremias, o estilo hebraico do hino o faz pensar que seria Paulo seu próprio autor. No entanto, a maioria dos estudiosos veem nele o “extrato de um hino litúrgico” (Kelly) ou um “hino batismal” comum naquele momento histórico. Nesse fragmento encontramos quatro estrofes bem definidas divididas em dois grupos de epigramas. É importante destacar que a citação do hino começa com a expressão: “Fiel é essa palavra” (pistos ó logos), afirmando que tudo o que será exposto agora, é digna da maior observação, crença e confiança.

  1. Se já morremos com ele, também viveremos. Esta frase está quase perfeitamente reproduzida em Rm 6:8 (explicada em 6: 3-5). É, portanto, natural associar essa frase ao rito do batismo, que fala de nossa morte para esse mundo e nossa ressurreição para a nova vida. Chaplin afirma que “O batismo em água é símbolo de como somos misticamente identificados com Cristo em sua morte” e, por via de consequência, instrumento de participação em sua vida e em sua vitória na ressurreição.
  2. Se perseveramos, também com ele reinaremos. Àquele que perseverar, ou seja, permanecer, continuar, persistir e resistir (esse é o sentido da palavra upomenomen), apesar de todos os fatores adversos, reinarão com ele. A palavra “reinarão” (sumbasileusomen) nos remete ao seu reino eterno. Segundo Kelly, “A linha cristaliza a esperança cristã primitiva de que, quando Cristo voltar em glória para reinar (I Co 15: 24-25), os santos que perseveraram se assentarão em tronos como reis lado a lado com Ele (Ap 1: 6; 6: 21; 5: 10; 20: 4)”. Nada se fala aqui sobre as pretensões milenaristas tão difundidas desde J.N. Darby. O Reino que será instituído por Cristo “não terá fim”.
  3. Se o negarmos, ele, por sua vez, nos negará. Esta primeira frase do último par de epigramas do poema parece ser, afirma John Stott “um eco da advertência do próprio Senhor: ‘mas aquele que me negar diante dos homens, também eu o negarei diante do meu Pai que está nos céus’ (Mt 10: 33)”. É claro que o que está atrás dessa declaração de Paulo é a crescente perseguição dos Imperadores romanos contra os cristãos. Muitos deles perderam sua vida porque não negaram publicamente sua fé. No entanto é possível estender essa interpretação e compreender que em nossos dias, é possível negar a Cristo e a fé de outras maneiras. Sempre que colocamos algo (poder, dinheiro, sexo) ou alguém, acima de Deus ou como prioridade em nossa vida, estamos negando a Cristo e à fé. Conforme afirma Champlin: “um homem pode negar a Cristo em suas palavras ou em suas ações, ou mediante o caráter geral de sua vida”. Tal pessoa também será rejeitada no Reino de Deus.
  4. Se somos infiéis, ele permanece fiel. Este texto é intrigante porque ele afirma que apesar de nossa infidelidade, Cristo permanece fiel. Em outras palavras, a fidelidade da parte de Cristo tanto implica que ele executará suas ameaças, quanto significa que ele cumprirá suas promessas. Lembremos das palavras de Stott quando afirma: “A única coisa que Deus não pode fazer, porque não quer, é negar-se a si mesmo. Por isso Deus permanece o mesmo eternamente, o mesmo Deus de misericórdia e justiça, cumpridor de suas promessas (sejam elas de bênçãos ou de julgamento)”.

Aplicação: Na leitura do livro de Rute, vemos uma mulher que sendo nora de Noemi, e tendo ambas perdido seus maridos, se viram em uma situação difícil. Rute era moabita e Noeme a envia de volta para sua terra e os seus. Mas Rute, em uma linda expressão, afirma que ficará com Noemi. E diz que “o teu povo é o meu povo e o teu Deus é o meu Deus”. Rute coloca-se inteiramente nas mãos de Deus ao dizer: “faça-me o Senhor o que bem lhe aprouver”. Ambas se foram e chegaram até Belém, comovendo toda a cidade. Lembremos que Rute não era israelita, mas estrangeira. Mesmo assim, submeteu-se ao Deus de Israel e foi abençoada por Ele. Que sejamos capazes de ver na vida de Rute a fidelidade de Deus para com aqueles que nEle confiam. 

III. NOSSA VIDA DEVE CORRESPONDER A UM MODELO (v. 14, 15)

  1. Recomenda essas coisas. É como se Paulo estivesse dizendo à Timóteo: “continue lembrando as pessoas dessas coisas”. Em seguida, Paulo enumera aquilo que Timóteo precisava pregar.
  2. Testemunhe solenemente. Essa pregação deveria ser dirigida à todos, perante Deus, e de forma solene.
  3. Evite contenda de palavras. Essas era uma das características dos falsos mestres que pregavam naquela comunidade. Eles gostavam muito de argumentar publicamente para expor sua capacidade argumentativa. Era mais preocupados em “aparecer” e “vencer a argumentação” do que em chegara à verdade. A palavra que Paulo usa é logomachein. Este verbo está na forma infinitiva, presente e ativa, falando de uma luta e guerra de palavra. Seja como for, Paulo está condenando o que Champlin chama de “Debates improfícuos” que acabavam ocupando um espaço mais importante do que uma vida piedosa. Afinal essa batalhas de palavras “para nada aproveita”.
  4. Procure ser sempre um obreiro aprovado. Quando Paulo dá essa ordem ele o faz dizendo que devemos procurar ser aprovados “por Deus”, ou “diante de Deus” (tô theô). Afinal foi Deus que o escolheu e é a Ele que prestaremos conta de nosso ministério. É importante que a palavra dokimon, traduzida aqui por “aprovado”, na realidade quer dizer “testado e aprovado” como o ouro é testado pelo fogo. Em outras palavras, o obreiro (ergatês) nos faz lembrar de um “trabalhador rural” que deve se colocar diante de Deus de tal forma que ele seja aprovado pelo seu Senhor, ou seja, levando a sério as instruções de Paulo.
  5. Que não tem de que se envergonhar. O adjetivo usado por Paulo para descrever esse trabalhador é anepaischunton, que se traduz por “que não tem vergonha da sua profissão”. A ideia é que o obreiro pode se apresentar diante de seu Senhor sem ter vergonha do que faz, uma vez que sua obra é a mais significativa que existe: levar pessoas à Cristo.
  6. Que maneja bem a Palavra da verdade. Em outras palavras, Paulo está se referindo ao evangelho (2: 8, 9; 4: 2). O bom obreiro, além de ser aprovado por Deus, e além de não ter razão para se envergonhar, também “maneja bem” a palavra da verdade. O verbo empregado por Paulo no verso 15, no lembra Stott, é orthotomounta, que é traduzido por “manejar bem”, mas que significa literalmente “endireitar ou cortar em linha reta”. Este texto é corretamente interpretado quando entendemos que Paulo está falando em “cortar um caminho em linha reta” ou “cortar uma estrada através de uma região (…) em linha reta, de forma tal que o viajante possa ir diretamente a seu destino” Stott. Esse é o trabalho do homem que trabalha na terra, ou seja, o obreiro. Nosso dever não é perder tempo com argumentações frívolas e sem sentido prático, mas apresentar o caminho reto que leva as pessoas até Deus.

Conclusão: No texto do Evangelho, Jesus está passando pela região de Samaria e Galileia quando se depara com dez homens leprosos clamando para serem curados. Diz as Escrituras que o Senhor, para cumprir a lei, os envia aos sacerdotes, que atestam que estão curados da lepra. No entanto, somente um deles volta para agradecer ao Senhor pela cura. Jesus então pergunta: “Não foram dez os curados? Onde estão os outros nove?”. E arremata dizendo: “Não houve quem voltasse para dar glória a Deus senão esse estrangeiro?”. O homem, além de sua cura, recebe de Jesus, sua salvação. Aquele homem é todo aquele que quer se manter no caminho correto e ser um “obreiro aprovado” que não tem de que se envergonhar. Os demais abandonaram o seguimento de Jesus porque encontraram outras coisas mais importantes para fazer. E você meu irmão, será que estás disposto a seguir ao Senhor em todos os momentos, tendo-o como exemplo, praticando o que você acredita e sendo um modelo para os cristãos?

 

 

Sermão do Domingo do Próprio 24

(Gênesis 32: 3-8; II Timóteo 3: 14 – 4: 5; Lucas 18: 1-8)

TEMA: A relação do cristão para com as Escrituras (II Timóteo 3: 14 – 4: 5).

Introdução: Quando lemos o Artigo VI dos Trinta e Nove Artigos de Religião da Igreja Anglicana, aprendemos uma verdade muito séria. Diz o texto: “A Escritura Sagrada contém todas as coisas necessárias para a salvação; de modo que tudo o que nela não se lê, nem por ela se pode provar, não deve ser exigido de pessoa alguma seja crido como artigo de fé ou julgado como requerido ou necessário para a salvação”. Este texto nos diz que não precisamos nos ater a nada que esteja fora das Escrituras quando se trata de nossa “salvação”. Tudo o que precisamos saber está lá. Esta é uma clara referência à tese Reformada da Sola Scriptura. Por mais veneranda que seja a tradição; por mais antiga que seja a prática; por mais bela que seja sua imagem, nada nos pode ser obrigado a fazer em relação à nossa salvação, se das Escrituras não vier essa ordem. Esta é a forma como os Anglicanos entendem as Escrituras.

Elucidação: No contexto desta perícope Paulo faz referência a seus sofrimentos e diz que, por ter participado com ele de sua dor, Timóteo já sabia qual era o preço a ser pago para ser um verdadeiro discípulo de Jesus. Os charlatães e falsos mestres gnósticos, irão de mal a pior, enganando e sendo enganados. A razão disso é que eles não baseavam suas doutrinas nas Escrituras, mas em suas próprias elucubrações advindas da filosofia e mitologia gregas, do misticismo e das religiões de mistério. Com Timóteo deveria ser diferente. Sua relação com as Escrituras deveria ser pautada em outros critérios. Com base no texto de hoje, refletiremos, portanto, sobre o seguinte tema: A relação do cristão para com as Escrituras. Pensando nisso, apresentamos as seguintes afirmações:

I. DEVEMOS TÊ-LA COMO FUNDAMENTO (v. 14, 15)

  1. Devemos permanecer no que aprendemos. Paulo inicia suas instruções dizendo que Timóteo deveria permanecer no que aprendeu. A palavra usada por Paulo e traduzida por “permanecer” é méne. Ela significa “ficar” e “persistir”. Quando atentamos para a palavra, nos damos conta que ela está no presente do imperativo ativo, que “pede uma ação contínua, um hábito na vida” (Rienecker & Rogers). Como cristãos somos exortados por Paulo para permanecer naquilo que aprendemos e a não darmos ouvidos aos mestres que se levantam pregando novidades sem fundamento nas Escrituras.
  2. Devemos permanecer no que fomos inteirados. As palavras usadas por Paulo para se referir ao que aprendemos e fomos inteirados, estão ambas no aoristo. Isso revela um ato que ocorreu no passado e que tem consequências no presente. Estar “inteirado”, no grego “epistôthês”, significa “estar seguro, estar convencido” (Rienecker & Rogers). Esta palavra, que tem como raiz o verbo “confiar”, nos lembra que os cristãos devem permanecer naquele que sempre foi digno de confiança e em sua Palavra, as Sagradas Escrituras.
  3. Devemos lembrar de quem aprendemos. Originalmente “de quem” está no plural, certamente fazendo referência não apenas à mãe e à avó de Timóteo, mas ao próprio Paulo e, “outras testemunhas de fidelidade comprovada” (Kelly) e que apresentaram as Escrituras e suas doutrinas à Timóteo. O início do verso 15 faz referência à infância de Timóteo e de ele, desde cedo, aprendeu os Escritos Santosgrámmata oidas”, uma clara referência às Escrituras judaicas.
  4. Devemos lembrar que elas nos fazem sábios para a salvação. Este ensinamento tem a capacidade ou o poder “dunámená” de nos tornarem “sábios para a salvação”, ou seja, “sofísai eis sôtêrían”. Esta “sabedoria” era distinta da dos gnósticos uma vez que não era uma mera especulação, mas composta das promessas presentes no Antigo Testamento e cumpridas em Cristo. Para Kelly as Escrituras não apresentam apenas simples fatos, mas “uma revelação do propósito salvífico de Deus”. Esta revelação nos torna mais sábios do que aqueles que estão presos em sua insensatez.

Aplicação: Na leitura do Evangelho de hoje encontramos nosso Senhor contando a parábola do juiz iníquo. Nessa parábola, havia uma pobre viúva que repetidas vezes insistia com um juiz para que esse lhe fizesse justiça em sua demanda. Cansado de ser importunado pela viúva, ele resolve a situação dando-lhe ganho de causa. Ora, eis a moral da parábola, se um juiz iníquo faz justiça quando importunado, quanto mais Deus o fará se lhe pedirmos algo. E encerra dizendo: “mas será que quando o Filho do homem quando vier encontrará fé na terra?”. Este texto fala de insistência. E só pode ser insistente aquele que se julga insatisfeito com a realidade na qual está vivendo. Por isso não desanima em sua cobrança. As Escrituras são o fundamento de nossa vida. Por isso devemos perseverar sempre em busca-la para aprender, para ser inteirado dos fatos e doutrinas, lembrando sempre das pessoas que nos ensinaram os primeiros passos bíblicos e entendermos que ela nos torna sábios para a salvação. Em resumo, nunca devemos nos satisfazer com a indigência bíblica. Devemos buscar sempre mais de Deus.

II. DEVEMOS LEMBRAS DE SUA UTILIDADE (v. 16, 17)

Paulo segue sua argumentação falando da utilidade de “toda Escritura”. No original temos a expressão “passa grafê” que pode ser traduzida por “cada Escritura” ou “a Escritura inteira”, e que se refere, obviamente, às Escrituras do Antigo Testamento. Somente no segundo século essa expressão será utilizada se referindo ao cânon do Novo Testamento. Para Paulo as Escrituras possuem alguns elementos que precisam ser lembrados:

  1. São divinamente inspiradas. A expressão “divinamente inspirada” (theópneustos) significa literalmente “soprada por Deus”. Esta é uma hapaxlegômena, ou seja, uma palavra que só aparece uma vez na Bíblia. Muito provavelmente, na mente de Paulo estava a cena em que Deus soprou seu Espírito sobre o homem e este se tornou “alma vivente”. Quando Deus sopra seu Espírito, a vida acontece. Por isso as Escrituras trazem vida.
  2. São proveitosas para ensinar. As Escrituras trazem vida porque elas são proveitosas, ou seja, “ôfélimos”, que pode ser traduzida por “benéfica” ou “vantajosa”. As Escrituras são proveitosa para ensinar, ou seja, para “didaskalían”. Esta palavra trata da “fonte positiva da doutrina cristã” (Kelly). Em outras palavras, aquele que se deixar guiar por ela receberá seus benefícios e suas vantagens.
  3. São proveitosas para repreender. Além de serem útil ao ensino da verdadeira doutrina cristã, as Escrituras também são úteis porque nos repreendem. A palavra usada por Paulo é “elegmós”, que se traduz por “repreensão, correção ou seja, para refutar o erro e repreender o pecado” (Rienecker & Rogers). Há um aspecto moral em jogo, aqui.
  4. São proveitosas para corrigir. Elas são também úteis para corrigir, ou seja, “epanórthôsin”, que significa “alinhar” ou “tornar reto”. Segundo Kelly as Escrituras servem para “convencer os mal orientados dos seus erros e coloca-los no caminho certo”. Quem se deixa corrigir pelas Escrituras sempre andará retamente, jamais em caminhos tortuosos.
  5. São proveitosas para instruir em justiça. As Escrituras também são úteis para nos instruir (paideían) em justiça (dikaiosúnê). Essa expressão implica em um “treinamento naquilo que é reto” (Champlin) ou educação “construtiva na vida cristã” (Kelly). Aquele que conhece as Escrituras não agem nem aceitam a prática da injustiça.
  6. São proveitosas para nos aperfeiçoar para as boas obras. Finalmente as Escrituras são úteis para que o homem de Deus seja perfeito, no grego “artios” que, segundo Champlin, pode ser traduzido por “capaz”, “eficiente” ou “completo”. Em outras palavras, ele é apto para cumprir todas as exigências de um cristão, quer seja na sua vida privada, quer seja na vida social. Isso ocorre porque ele está “perfeitamente habilitado” (eksêrtisménos), ou seja, completamente equipado ou suprido para exercer seu ministério. Com as Escrituras ao lado, temos tudo o que nos basta.

Aplicação: Diz a história que quando Lutero foi confrontado pelo teólogo que representava o Papa (Eck) na Dieta de Worms, para renunciar a todos os seus escritos, ele teria dito: “Se eu não for convencido pelas Escrituras e pela razão… não me retratarei. Porque o mais humilde dos camponeses, munido das Escrituras é mais poderoso que o maior dos papas sem ela”. Esta breve história nos mostra o valor que os Reformadores deram às Escrituras em suas ações e em seus escritos. Era preciso reformar a Igreja de seus erros e superstições, trazendo-a de volta ao ensino simples e claro das Escrituras. 

III. DEVEMOS LEMBRAR DE ANUNCIÁ-LA (v. 1 – 4)

Chegando ao “ápice dos seus conselhos à Timóteo” (E. Glenn Hinson), frente à sua morte iminente, Paulo ressalta a condição de Timóteo como seu aprendiz na fé e soldado fiel, dizendo que ele terá que assumir uma função estratégica em relação às Escrituras. E ao fazer isso ele, antes de mais nada conjura à Timóteo.

  1. Paulo Roga que assim o façamos. O texto em seu original diz: “diamartúromai”, que significa “eu te exorto” ou “te encargo”. Em seguida, Paulo invoca “três testemunhas” desse gesto (E. Glenn Hinson): o Deus, Cristo e a vinda de seu reino, “cumprindo o requisito judaico para um juramento válido”. A terceira testemunha é “sua vinda” (epifáneian) e “seu reino” (basileían).
  2. Devemos instá-la em cada momento. Segundo Calvino: “Paulo, depois de haver falado da utilidade das Escrituras, infere não unicamente que todos devem lê-la, mas que os mestres devem espalha-la como um dever que se lhes impõe”. O texto bíblico diz “a tempo e fora de tempo”, no original grego: “euchaírôs akaírôs”. Este “jogo de palavras” (E. Glenn Hinson) nos ordena a pregar a palavra (kêruzon ton lógon), ou seja, a proclamar publicamente ou ‘dar a conhecer oficial e publicamente um assunto de grande significado e importância” (Hendriksen), oportunamente ou não. Ou seja, nos bons ou nos maus momentos. É interessante ver a observação de John Stott dizendo que “C.H. Dodd tornou clara a distinção entre kerygma e didachê, sendo a primeira a proclamação de Cristo aos descrentes, com um apelo ao arrependimento; e a segunda, a instrução ética aos convertidos”. A distinção é claramente prática e, pelo menos no versículo que estamos tratando, é preciso que haja muito de didachê em nosso kerygma. Por isso Paulo continua com sua argumentação sobre o anúncio.
  3. Admoestando. O anúncio da palavra deve conter uma admoestação. Esta palavra (elegkson) “é um termo técnico usado na filosofia ou na lei, com referência ao processo de acareação ou de interrogação cruzada” (E. Glenn Hinson). Hendriksen prefere traduzir por “convencendo da culpa” e Champli por “corrigindo”. A pregação das Escrituras produzem também essa consequência.
  4. Repreendendo. A pregação da palavra também produz repreensão. No original grego a palavra é “epitímêson” que “frequentemente usada nos sinópticos, refere-se à censura moral”. Quem quiser apregoar as Escrituras, fatalmente terá que dizer coisas que a sociedade não gosta de ouvir.
  5. Exortando. Finalmente, a pregação da palavra produz ou nos leva à exortar os ouvintes. E. Glenn Hinson nos diz que esta palavra grega -“parakáleson” -, “tem dupla acepção: confortar ou consolar (cf. II Cor. 1: 4,6; 2:7; 7:6, 7, 13) e recomendar”.
  6. Com toda longanimidade e ensino. Paulo encerra sua argumentação dizendo que nosso ministério deve ser desempenhado “com toda paciência e ensino”. No original grego Paulo diz: “en pasê makrothumía kai didachê”. Conforme se pode entender pelo contexto, “longanimidade” e “ensino”, deveria ser aludidos a todos os cinco imperativos precedentes (1) pregar a palavra, (2) Insta a tempo e fora de tempo, (3) Admoesta, (4) repreende, e (5) exorta. No entanto E. Glenn Hinson acha que devem ser especialmente empregados aos últimos três.

Conclusão: Na leitura de Gênesis vemos a viagem de Jacó de volta para sua casa, depois de passar muito anos fora. Com medo de que seu irmão Esaú ainda tenha ressentimento por ter perdido a primogenitura para Jacó, este envia mensageiros à seu irmão para que descrevam a situação benfazeja de Jacó e encontre favor em Esaú. Ao saber que Esaú estava vindo a seu encontro com quatrocentos homens, jacó ficou cheio de medo e angústia.

Os sentimentos que existiam no coração de Paulo, que enviava Timóteo como mensageiro, e no próprio coração de quem entrega a mensagem, não pode, jamais, ser o medo. Muito ao revés, devemos nos alegrar em anunciar essa Palavra, sabendo que as Escrituras são o fundamento do que cremos, possuem uma utilidade singular para todo homem e, até em função disso, deve ser propagada para todos em cada momento. Eis a nossa relação para com as Escrituras.

 

 

Sermão do Domingo do Próprio 25

(Joel 2: 22-27; II Timóteo 4: 6-8; Lucas 18: 9-14)

TEMA: O bom despenseiro de Deus (II Timóteo 4: 6-8).

Introdução: Segundo as Escrituras, quem cuidava de uma despensa no período Bíblico, ou seja, que administrava os bens e os alimentos de um senhor, na casa, era chamado de “despenseiro”. Uma vez que ele lidava com alimentos e com dinheiro, é claro que havia sempre a possibilidade de existirem despenseiros que fossem desonestos e desviassem alimento ou dinheiro para si mesmos. As Escrituras, no entanto são claras ao afirmar que “o que Deus requer dos despenseiros é que eles sejam encontrados fiéis” I Co 4:2.

Elucidação: Sabendo que se aproximava sua morte, e estando prestes a ir ao julgamento final, Paulo escreve à seu querido amigo e discípulo Timóteo para incentivá-lo a ser, como ele mesmo foi, um fiel despenseiro dos bens que Deus colocou em suas mãos. E é isso que Paulo espera que Timóteo seja. Com isso em mente, e com base no texto de hoje, refletiremos, portanto, sobre o seguinte tema: O bom despenseiro de Deus. Diante do texto da Epístola de hoje, acreditamos que o bom despenseiro precisa estar ciente de, pelo menos três realidades:

I. TEM CONSCIÊNCIA DE SUA VIDA (v. 6)

  1. Que já significava uma libação à Deus. Embora Paulo soubesse que enquanto a Timóteo ainda havia muito a realizar pela obra de Deus, “quanto a mim”, diz Paulo, “já estou sendo derramado como libação”. Esta expressão “spedomai” fazia referência à oferta véterotestamentária de libação à Deus, que consistia no “derramamento de um pouco de vinho sobre o holocausto ou sacrifício” (Champlin). Ele imagina que em breve seu sangue, tal qual o vinho, estaria sendo derramado por amor à Cristo. A palavra está na voz passiva, indicando que Paulo estava sofrendo a ação vinda de fora. Uma clara indicação de que tudo apontava para a chegada iminente de sua morte.
  2. Pois o tempo de sua partida estava próximo. A palavra “analuséôs”, que significa partida, é usada aqui por Paulo como um “eufemismo para a morte, e evoca o quadro de um navio levantando âncora” (Kelly). Não há, por parte de Paulo, qualquer espécie de lamento ou de autocomiseração. Ele é ciente de sua vida. Do que fez e da realidade na qual se encontra. E tudo o que fez, mesmo os seus erros estão diante de Deus e por Ele serão julgados. A morte não é vista por ele como algo necessariamente ruim. Mas mesmo dessa experiência ele ainda retira ensinamentos para Timóteo.

Aplicação: No texto do Evangelho de hoje encontramos dois tipos de pessoas. Uma delas, tipificada pela figura do fariseu, justifica-se a si mesmo, e elenca, diante de Deus, tudo o que ele foi capaz de fazer e realizar na sua vida religiosa. Ele era dizimista de toda a sua renda, jejuava duas vezes por semana, não era desonesto nem adúltero. O outro, um publicano – pessoa desprezível para os judeus – à distância, sem sequer levantar os olhos, apenas dizia: “Meu Deus, tem misericórdia de mim que sou pecador”. Segundo Jesus, este saio justificado, o outro não.

Nosso tempo pode estar próximo. Talvez antes do que imaginemos, nosso navio parta para a grande viagem. Resta-nos perguntar que tipo de despenseiro somos. Aquele que está ciente do que fez de sua vida e está ansioso por abraçar seu Senhor, ou aquele que teme o dia do juízo final?

II. TEM CONSCIÊNCIA DE SUA OBRA (v. 7)

  1. Que combateu o bom combate. A palavra usada para descrever seu ministério na terra foi “egônismai”, uma palavra cuja raiz “agôn”, significa “luta ou combate”. A voz média indica que ele lutou consigo mesmo para realizar a imensa obra que fez. Seu maravilhoso ministério foi o resultado de uma vida de luta interna contra toda espécie de sentimentos que poderia variar desde a preguiça até o medo. Mas ele lutou e venceu esse combate interno. Não importa a opinião que as pessoas tenham de seu combate, ele “se orgulhava de que ela havia sido excelente” (Calvino). Quem poderia dizer que Paulo combateu um “bom combate” se ele perdeu tudo o que tinha na vida (posição social, reconhecimento público, sua própria saúde, chegou a ser apedrejado e dado como morto)? Ele, no entanto, acreditava que perder a vida por amor a Cristo era ganhá-la. Eis porque esse combate, para ele foi bom.
  2. Que completou a carreira. Paulo, afirma E. Glenn Hinson, foi capaz de cumprir sua carreira “jamais fraquejando em seus esforços (cf. I Co 9:24; Fl 3:14; At 20: 24; II Tm 2:5)”. A palavra usada para carreira é “dromon”, e faz alusão a uma corrida pedestre, como uma maratona. Esta carreia foi completada ou realizada da melhor forma possível “tetéleka”. Ou seja, é como se ele estivesse dizendo “lutei bem até o fim”. Ainda que o verbo esteja na voz ativa, indicando que ele era o autor da ação, Kelly nos lembra que nesse texto não há “qualquer nota de arrogância, como se tivesse se distinguido pessoalmente”. Paulo jamais faria isso. Ele sabia que sua força e sua fortaleza vinha do Senhor, o “autor e consumador de sua fé”. Nada dependia dele.
  3. Que guardou a fé. A palavra mais significativa aqui é “tetêrêka” que significa “guardar”. A expressão indica que ele “permaneceu fiel”. Para Calvino esta expressão pode ter um duplo significado. Tanto “pode significar que até o fim ele tenha sido um soldado fiel a seu capitão, ou que continuava na sã doutrina”. Calvino reconhece que ambas as interpretações são apropriadas. Mas ele não tinha dúvidas que a interpretação mais correta era a de que “ele se referia ao solene juramento feito por um soldado”. John Stott, por outro lado, entende que “no contexto desta carta, contudo, que enfatizava tão fortemente a importância de guardar o depósito da verdade revelada, é mais provável que Paulo esteja afirmando sua fidelidade nesse sentido”. No entanto não seria um erro exegético fundir as duas propostas hermêuticas e dizer que Paulo, como bom soldado de Cristo, permaneceu fiel ao seu Senhor, guardando o tesouro do Evangelho que lhe fora confiado.

Aplicação: Diante da certeza de que será martirizado, Paulo se expressa como quem está em uma competição de atletismo e diz que, tal qual atleta que fez exatamente tudo o que se esperava dele, ele iria receber sua “coroa da justiça” que lhe seria entregue, não por um juiz terreno – como os que existiam em Roma e que faziam a vontade do Imperador -, pelo “justo juiz”, Jesus Cristo. Caro amigo, você também tem a certeza de receber essa coroa da justiça? Será que já não está na hora de começar a se transformar em um bom despenseiro dos bens que Deus lhe confiou?

III. TEM CONSCIÊNCIA DO QUE O ESPERA (v. 8)

  1. Uma coroa da justiça está guardada. Nesta conjuntura descrita acima (esse é o sentido da palavra “loipon”, traduzida por “agora”), ele tem consciência que lhe aguarda uma coroa da justiça. Ainda escrevendo tendo como pano de fundo o contexto as competições atléticas, Paulo se refere à coroa que os vencedores recebem. Não simplesmente os lauréis dos atletas, mas a “coroa da justiça”. Esta expressão “dícaios kritês” pode ser interpretada de diversas formas. Mas Kelly entende que a “alternativa, mais geralmente aceita, [é a] de que é a recompensa apropriada para uma vida de retidão”. Muito embora, a qualquer momento o imperador Nero pudesse declará-lo culpado e sentencia-lo à morte, o Senhor, o “reto juiz” lhe dará a coroa dos justos, declarando-o justificado perante a mais suprema corte, a celestial.

Muito embora coroas de ouro ou de metal precioso possam ser furtadas ou roubadas em nossa sociedade, Paulo vivia com a certeza de que a dele lhe seria entregue vez que estava guardada. No grego, o verbo “apokeimai”, significa “reservar ou guardar”. Segundo Champlin, “A coroa da justiça estava reservada e guardada para Paulo porque ele a havia conquistado e tinha permanecido fiel até o fim”.

  1. Lhe será dada pelo próprio Senhor. Esta coroa será entregue pelo próprio Senhor “Kyrios”. O mesmo Senhor que dá a vida a todos será aquele que julgará a todos no último dia, e dará a recompensa adequada a cada um. Paulo tem a certeza de que o Senhor lhe entregará a coroa da justiça. Certamente Paulo esperava com anseio o dia em que receberia das mãos de seu Senhor – o mesmo que encontrara tantos anos antes no caminho para Damasco – a coroa da justiça. Aquele “dia” é o dia do juízo final, em que todos estarão diante do “justo juiz”, tão diferente dos juízes dos tribunais humanos.
  2. E a todos quantos amam sua vinda. Não somente ele receberia a “coroa da justiça”, mas ela estaria preparada também para “todos aqueles que amam sua vinda”. Longe de querer parecer alguém privilegiado por Deus, Paulo pretende “encorajar Timóteo com a lembrança de que qualquer pessoa que sinceramente anseia por (amar tem esse significado aqui) a vinda de Cristo será elegível para o mesmo prêmio” Kelly. Esta é a mesma interpretação de E. Glenn Hinson, quando afirma que “Aqueles que amarem (agapêkosi) seriam, desta forma, os ‘que anseiam’ pela consumação”.

Conclusão: Na leitura de Joel vemos que o profeta encoraja seu povo a não temer, pois o tempo está chegando. As pastagens ficando verdes e os frutos aparecendo nas árvores, são sinais de que devemos nos alegrar no Senhor, pois ele age com justiça. Por isso as “eiras ficarão cheias de trigo e os tonéis transbordarão de vinho novo e azeite”. Deus vai recompensar seu povo por todos os anos em que a colheita foi consumida pelos gafanhotos e todos ficarão satisfeitos e louvarão o nome do Senhor, porque nunca mais seu povo será humilhado. Esta mesma consciência deve ter o cristão de que o Senhor, justo juiz, no tempo adequado, cumprirá sua palavra e fará justiça na terra. Neste dia, seus filhos serão coroados com a coroa da justiça, enquanto os demais, iníquos e injustos, receberão sua sentença final condenatória.

De que lado você está? Entre os que “amam” a sua vinda? Ou dentre os que temem o “Dia do Senhor”? Eis a diferença entre o bom e o mau despenseiro de Deus.

 

 

Sermão do Domingo do Próprio 26

(Isaías 1: 10-20; II Tessalonicenses 1: 1-5; Lucas 19: 1-10)

TEMA: As grandes marcas da Igreja cristã (II Tessalonicenses 1: 1-5).

Introdução: Todos os teólogos cristãos dos últimos dois mil anos discutiram sobre quais seriam as Marcas da Igreja. Tradicionalmente se entende que estas “marcas” são a unidade, santidade, catolicidade e apostolicidade. Durante a Reforma duas outras marcas foram ressaltadas: a pregação do verdadeiro Evangelho e a correta administração dos sacramentos. Neste texto, no entanto, Paulo revela as três grandes marcas espirituais da Igreja cristã.

Elucidação: Lendo esta segunda carta aos Tessalonicenses, logo descobrimos que a grande questão levantada por Paulo aqui, não é tanto quando ocorrerá a vinda de Cristo e o fim do mundo, mas o que devemos fazer com nossa vida antes que esse fato aconteça. Diante da inevitabilidade da vida frente à morte e ao fim de tudo, Paulo se alegra com aquela igreja em relação ao seu crescimento em três elementos – ou marcas – presentes naquela comunidade. Com isso em mente, e com base no texto de hoje, refletiremos, portanto, sobre o seguinte tema: As grandes marcas da Igreja cristã. Diante do texto da Epístola de hoje, acreditamos que a Igreja de Jesus deve manifestar as mesmas marcas da Igreja em Tessalônica:

I. CRESCIMENTO NA FÉ (v. 3)

  1. É uma igreja que tem fé. Quando Paulo fala em fé, neste texto, (originalmente ele usa a palavra pístis), ele não se refere à sã doutrina, como nas epístolas pastorais, mas está se referindo aqui a “vida cristã sadia” (Marshall) que é o objetivo de todo cristão. Para Chaplin, Paulo está falando da fé subjetiva ou da “fé evangélica” que se traduz na entrega total da alma à Cristo. Estando no tempo presente, este crescimento é visto por Paulo como algo constante.
  2. É uma igreja cuja fé cresce. Quando Paulo diz que a fé daqueles irmãos “cresce”, ele caracteriza essa fé como uma fé que cresce. A palavra que ele usa no original é “uperauksánei” que pode ser traduzida como “crescer abundantemente, crescer e multiplicar, abundar” (Rienecker & Rogers). Era dessa forma que Paulo media a estatura espiritual dos cristãos. Esta palavra descreve o crescimento de uma árvore acima da medida.

3.É uma igreja cuja fé é motivo de agradecer a Deus. Paulo inicia o versículo dizendo que sempre deveria dar graças à Deus por aquela igreja, especificamente, por sua fé. A vida cristã autêntica daqueles cristãos é motivo para agradecer a Deus (eucharistéin) em forma de oração. Mais ainda, para Paulo é justo e correto (kathôs) e apropriado (aksion) que se rendam graças a Deus por essa fé.

Aplicação: No texto do Evangelho de hoje, Jesus está passando na cidade de Jericó. Lá, havia um homem chamado Zaqueu, que era o chefe dos arrecadadores de impostos. Ele era um homem extremamente odiado e mal visto porque servia ao Império Romano, cobrando impostos dos judeus. Conforme a própria Escritura diz, ele era um homem rico. Mas mesmos os homens ricos precisam ver Jesus. Por isso ele subiu em uma árvore e, quando o Mestre passou por ele, parou, olhou para ele e disse: “Zaqueu, desce depressa; hoje me convém ficar em sua casa” (Lc 19:5). Imediatamente Zaqueu desceu da árvore e disse que daria aos pobres metade de seus bens e que restituiria quatro vezes a todos os que ele houvesse defraudado. Diante dessas palavras Jesus diz: “Hoje houve salvação nessa casa” (19: 9). Não existe verdadeira fé que não implique em verdadeira mudança de comportamento. Por isso de nada adianta alardear aos quatro cantos nossa fé em Deus. Devemos, ao revés, mostrar nossa fé por meio de nossas obras.

II. CRESCIMENTO NO AMOR MÚTUO (v. 3)

Aquela igreja, que crescia grandemente na fé, manifestava essa fé de uma forma toda especial, qual seja, em sua prática. E essa prática se revelava primariamente, no amor.

  1. Em amor mútuo. Paulo está se referindo nesse texto ao amor que devemos ter para com os nossos semelhantes. A expressão que Paulo usa originalmente “agapê enós”. Aquela era uma igreja em que as pessoas, indiscutivelmente, se amavam.
  2. De uns para com os outros. A igreja é o espaço mais adequado para que o amor de Deus possa se manifestar e se concretizar de uma forma clara e transparente. Aprendemos no cristianismo que devemos amar a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos. Isso significa que todos, até mesmo nossos inimigos, devem estar dentro do alcance de nosso amor. E não apenas esses, mas até mesmos os desconhecidos e o que sofrem por qualquer forma de ignomínia.
  3. Que aumenta. O amor exposto por aquela comunidade pelos seus membros era do tipo que crescia abundantemente. A palavra usada por Paulo nesse momento é “pleonazei” e, o fato de estar no presente do indicativo ativo, indica que esse crescimento era contínuo. Segundo ensina Chaplin, a raiz dessa palavra “quer dizer ‘tornar-se maior’, tornar-se grande’, ‘apresentar em abundância’”. Aquela era uma igreja que vivia e realizava o verdadeiro amor fraternal.

Aplicação: O texto do profeta Isaías é extremamente revelador. Deus não está interessado em uma liturgia que siga os preceitos da ortodoxia da forma mais precisa nem em um discurso que apresente a crença histórica da Igreja se isto não vier acompanhado com o “aprender a fazer o bem” ou com “cessar de fazer o mal”. Todas essas celebrações, por mais ortodoxas e requintadas – de uma perspectiva litúrgica – que sejam, não passam de “aborrecimento” e de “sofrimento” ao coração de Deus. Precisamos, antes de mais nada, aprender a fazer o bem, atender à justiça, repreender o opressor e defender o direito dos que pleiteiam causas justas.

III. CRESCIMENTO NA PACIÊNCIA (v. 4)

A terceira marca da igreja cristã e que é citada por Paulo como motivo para o digno louvor prestado por ele àquela comunidade tinha a ver com a capacidade que eles tinham em suportar as tribulações. Essa capacidade é chamada por Paulo de “paciência” ou “constância”.

  1. Uma razão para que Paulo se gloriasse. Paulo usa a palavra “egkauchasthai”, que se traduz por “jactar-se”, “orgulhar-se”, “ufanar-se” ou “gloriar-se”. Paulo estava cheio de razão para se gloriar por aquela igreja. Não era pouco o que o apóstolo pensava daquela comunidade em relação às demais igrejas. Ele realmente tinha orgulho de cada um daqueles cristãos.
  2. Em razão da constância mantida por aquela igreja. A “constância na fé” daquela igreja era memorável. A primeira palavra usada por Paulo, “upomonês”. Os comentadores Rienecker & Rogers dizem que essa palavra indica “‘permanecer sob’; isto é, ‘suportar’ circunstâncias difíceis. É o espírito que pode suportar as coisas, não só com resignação, mas com esperança alegre. Não é a paciência que espera tristemente pelo fim, mas aquela que espera radiantemente pela aurora”.
  3. Por causa das perseguições e tribulações que suportaram. Paulo nos informa que aquela igreja, marcada pela fé e pelo amor mútuo, também sabia o que significava ser perseguida, acuada, injuriada e sofrer toda espécie de dor, desde as morais (como a calúnia), como as físicas. Paulo usa duas palavras para descrever as dores que aquela comunidade passava: “diôgmois” e “thlifesin”. A primeira palavra fala de “perseguições” e a segunda de “tribulações”. Segundo Lighfoot, enquanto a primeira trata especificamente de perseguições exteriores caudadas pelos inimigos do evangelho, a segunda é mais genérica e se refere a qualquer forma de perseguição. Quando, ao final desse verso o escritor diz “que suportaias” (ais anechesthe) ele usa o verbo no presente do indicativo querendo dizer “que ainda estais suportando constantemente”. Não há descanso para um verdadeiro cristão. Ele sempre será objeto de perseguição porque seus valores diferem dos valores e crenças da sociedade que o cerca.

Conclusão: A história do cristianismo está repleta de pessoas que levaram até as últimas consequências sua fé em Jesus. Desde os Apóstolos – quase todos martirizados pela mensagem que apregoavam -, até as gerações posteriores que incluíram Policarpo, bispo de Esmirna, tantos cristãos que morreram sob o poder de Nero e tantos outros Imperadores que perseguiram a igreja e que, da Idade Média, com Huss, Wycliff, Cranmer e Látimer, chegaram até o presente em homens do quilate de um Dietrich Bonhoeffer.

Ser cristão é trazer, inexoravelmente, em si, essas três marcas: a da fé operante, a do amor mútuo e a da perseguição e tribulação. Em outras palavras, ser cristão significa “tomar sua cruz” e seguir a Jesus. Você está disposto a assumir essa condição?

 

 

Sermão do Domingo do Próprio 27

(Jó 19: 23-27; II Tessalonicenses 2: 13-3:5; Lucas 20: 27, 34-38)

TEMA: A igreja que nos motiva a dar graças à Deus (II Tessalonicenses 2: 13-3:5).

Introdução: Uma das músicas mais conhecidas e cantadas em nossas igrejas desde o século XIX é a linda melodia Johannes Hutman com a letra de August Storm, chamda “Graças dou por essa vida”. Escrita em 1891, esta letra traz um refrigério ao coração porque nos convida sempre a dar graças à Deus. A primeira estrofe diz: “Graças dou por esta vida, pelo bem que revelou./ Graças dou pelo futuro e por tudo que passou./ Pelas bênçãos derramadas, pela dor, pela aflição,/ pelas graças reveladas, graças dou pelo perdão”.

Elucidação: Neste texto da segunda Carta de Paulo aos Tessalonicenses, Paulo inicia sua exposição dizendo que é dever de todos os cristãos dar sempre graças à Deus por aquela igreja. A palavra usada por Paulo, no texto original em grego é “eucharistein”, e estando no presente ativo, implica que essa obrigação é contínua e deve partir de cada um de nós. Com isso em mente, e com base no texto de hoje, refletiremos, portanto, sobre o seguinte tema: A igreja que nos motiva a dar graças à Deus. Diante do texto da Epístola de hoje, acreditamos que a Igreja pela qual devemos sempre dar graças possui pelo menos três características:

I. É A IGREJA QUE FOI ESCOLHIDA POR DEUS (v. 13)

A primeira característica da igreja pela qual devemos sempre dar graças à Deus é o reconhecimento de que aqueles irmãos foram escolhidos pelo próprio Deus. A palavra que é usada por Paulo aqui é “eilato”, que é traduzido por “eleger” ou “escolher para si mesmo”. É importante destacar que antes de falar da eleição, Paulo destaca que aqueles irmão são “amados do Senhor”.

  1. Desde o princípio. Essa escolha que Deus fez, foi realizada desde o princípio. Paulo usa a palavra “aparchên” para traduzir “o princípio”. Esta é uma referência ao momento eterno e não temporal, no qual Deus, por seu decreto, elege os seus. Esta referência deve ser lida à luz de Ef 3:9; II Tm 1:9 e I Pd 1:20. Conforme assevera Marshall, “desde o princípio deve referir-se ao passado distante (cf. Mt 19.4; Jo 1.1) e tem o efeito de colocar a eleição em associação com o propósito de Deus para o mundo antes da criação (Ef 1.4)”.
  2. Para a salvação. Na teologia paulina a escolha de Deus tem um propósito: a salvação. Por isso ele escreve: “eis sôtêrían”. Segundo Champlin, “A salvação é um empreendimento elevado demais para ser realizada pela mera vontade humana”. Não há em nós nem a capacidade nem os méritos necessários para que conquistemos a salvação. Ela nos é dada gratuitamente por Deus, sem nossos méritos ou participação. Estes, contrastam com aqueles que estão perdidos, descritos no verso 10.
  3. Pela santificação do Espírito. Na teologia paulina, grosso modo, a salvação ocorre em três estágios: no passado, a eleição; no presente, a santificação; e no futuro, a glorificação. Neste texto Paulo se refere à salvação no seu estágio atual ou presente. Cada cristão, eleito por Deus desde a eternidade, deve manifestar – no presente – os elementos que caracterizam essa eleição. Isso é a santificação; nossa transformação sistemática e constante em direção à pessoa de Jesus.
  4. E fé na verdade. Mais uma vez Paulo contrasta a igreja de Deus com os filhos do engano. Aqueles que foram eleitos e que estão no processo de santificação operado pelo Espírito Santo, devem, também, viver na busca da verdade. Esta verdade “alêtheías”, contrasta com as mentiras propagadas por falsos-cristãos motivados por toda sorte de elementos ideológicos ou pragmáticos que justificam sua crença e pregação. Esta verdade, diz Marshall, é “a revelação divina contida no evangelho”.

Aplicação: No texto do Evangelho de hoje Jesus é arguido pelos saduceus acerca da ressurreição dos mortos. Como sabemos, eles não acreditavam na ressurreição. Mas Jesus, respondendo à argumentação falaciosa deles, afirma peremptoriamente que Deus não é Deus de mortos, mas de vivos.

Na visão de Cristo, se Deus é o Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó, Deus é o Deus daqueles que, primeiramente, foram eleitos desde o princípio para a realização de uma obra na história da salvação. Em segundo lugar, Deus é Deus de “vivos” porque, embora mortos, a morte não tem poder ou domínio sobre eles. De fato, em Deus, eles estão vivos e glorificados. Assim é que Paulo encara o plano de salvação. Eleitos nos passado, somos santificados – a duras penas – no presente, para sermos glorificados no futuro. Mas Deus nos vê sempre como “vivos”, jamais como mortos. Você que lê estas palavras se considera vivo ou morto para com Deus?

II. É A IGREJA QUE FOI CHAMADA PELO SENHOR (v. 14-17)

A segunda característica da igreja pela qual devemos sempre dar graças à Deus é o reconhecimento de que aqueles irmãos foram chamados – ekálesen – pelo Senhor. Paulo segue neste texto o mesmo raciocínio exposto em Rm 8: 29, 30, segundo o qual, aqueles que foram eleitos, serão chamados e, depois glorificados. Mas esse chamado é:

  1. Mediante o Evangelho de Paulo. Paulo escrevendo no original diz: “dià tou euaggelíou êmôn”, que, ao pé da letra se traduz: “por meio do evangelho nosso”. Quando ele diz que o evangelho é “nosso” ele se refere a ele e seus associados (Timóteo e Silas). Este evangelho de Paulo (que é o mesmo pregado por Timóteo e Silas) se contrasta e difere daquele pregado por tantas seitas judaizantes e heréticas que seguem o mistério da iniquidade (v. 7).
  2. Para alcançarmos a glória de Jesus Cristo. É interessante ver que, conforme ressalta Herschel Hobbs, “Em I Tessalonicenses 5:9, era para obter a salvação, mas aqui a glória”. É claro que no verso 13 a referência é, também à salvação, o que nos faz entender que “salvação” e “glória” são usadas, aqui, como a mesma realidade celestial. Ocorre que, conforme já falamos, enquanto no passado Deus nos elege e no presente somos santificados pelo Espírito, no futuro seremos glorificados à semelhança de Cristo Jesus.
  3. Permanecendo firmes. É importante que aqueles que foram eleitos e estão no processo de santificação, “permaneçam firmes”. A palavra usada por Paulo é “stêkete”, um verbo, traduzido por “ficar firme” e que está no presente do imperativo ativo. Esta realidade verbal indica primeiro que o ato de permanecer firme deve ser constante, por isso o tempo presente. Segundo, estando o verbo no imperativo, temos uma ordem que não pode ser questionada. Finalmente, a voz ativa, coloca sobre cada cristão o dever e a responsabilidade de permanecer firme.
  4. Guardando as tradições. O mesmo pode ser dito do verbo “guardar”, no grego “krateite”. Como ambos os verbos estão no mesmo tempo o que vemos aqui são “ordens para que se tenha o hábito de fazê-lo” (Herschel Hobbs). Cada cristão deve permanecer e guardar as tradições, ou seja, as “paradóseis”. Esta palavra se refere claramente ao que ele e seus colaboradores ensinavam às igrejas. Marschall é um pouco mais específico e incisivo com o termo, ao dizer que, embora Paulo “tivesse consciência de pregar o que chamava de ‘meu evangelho’ e insistisse que não o tinha recebido originalmente da parte dos homens, não deixava também de insistir que aquilo que ensinava estava em harmonia com o ensinamento dos outros apóstolos conforme tinha sido transmitido a ele, e considerava que estava passando uma tradição aos seus convertidos”. Essas tradições, tanto foram passadas àquela igreja de forma oral, pelas pregações e ensino, como também por meio da primeira epístola que ele havia enviado.
  5. Sendo consolados e confirmados. Ao dizer “console”, no grego “parakalêsai”, Paulo usa o optativo singular para enfatizar a relação íntima entre o Pai e o Filho (v. 16). O mesmo ocorre com a palavra “confirme” – no grego “steriksai”, também um singular optativo com força de imperativo frisando a relação íntima do Pai com o Filho. Herschel Hobbs observa que ambas as palavras, estando no aoristo, “expressam um desejo para todo o futuro (cf. I Tess 3:2). Como Timóteo havia feito estas coisas por ocasião de sua visita, Paulo desejava que Deus fizesse o mesmo no futuro em toda (ou cada) boa obra e palavra”. Obra, porque aquela era uma igreja operosa, e palavra, porque não cessavam de anunciar o evangelho que abraçaram.

Aplicação: Embora estejamos cercados de tantos “amigos de Jó”, o texto do Antigo Testamento de hoje revela a imensa confiança que Jó tinha, a ponto de dizer que sabia que seu Redentor estava vivo e que, finalmente, se levantaria sobre a terra. Ele confiava que mesmo depois que seu corpo se corrompesse com sua morte, seriam com seus próprios olhos que ele veria a Deus.

Jó, que sempre foi um exemplo de paciência, também manifestou alguns momentos de temor e até de descrença. Mas ele nunca deixou de acreditar que, mesmo depois de seu último ato – na morte -, Deus poderia fazê-lo voltar à vida. Esse tipo de confiança só tem quem permanece firme na fé que lhe foi entregue. Que aprendamos com Jó a guardar cuidadosamente nossa fé e nossa tradição.

III. É A IGREJA QUE INTERCEDE PELOS ENVIADOS (3: 1-5)

A última característica da igreja pela qual devemos sempre dar graças à Deus é o reconhecimento de que aqueles irmãos intercedem pelos enviados. E deveriam interceder por Paulo:

  1. Para que a palavra se propague e seja glorificada (v. 1). A “palavra” – no grego “o logos” – se refere, no sentido mais frequente, ao evangelho de Cristo. Não as idiossincrasias existentes em Tessalônica, mas o evangelho, ou a boa notícia que nos foi trazida por Cristo. Ela, sim, deve ser propagada – no grego “tréchê” -, que pode ser traduzida por “correr”, “progredir livremente”. Paulo, portanto está pedindo que aqueles irmãos orem para que o evangelho que está sendo pregado em Corinto e nas cidades circunvizinhas – onde Paulo estava -, pudesse se alastrar com facilidade e rapidamente pelos lugares em que estava sendo anunciado. Já ao pedir oração para que a palavra do Senhor “seja glorificada” – no grego “doksazêtai” pode ser traduzido por “pensar bem, ter boa opinião acerca de (…). O curso triunfante do evangelho traz glória à Deus, e em seu sucesso Sua glória é vista porque é Deus quem espalha o evangelho e lhe dá sucesso e glória” (Rienecker & Rogers).
  2. Para que sejam livres dos perversos (v. 2,3). Paulo pede que a igreja ore para que eles – Paulo e seus colaboradores – possam ser livres e salvos dos desejos e ambições das pessoas malignas e perversas que os perseguiam. E cremos que, pela intercessão da igreja, assim como, pela fidelidade de Deus, eles seriam guardados do maligno.
  3. Praticando sempre o que foi ordenado (v.4). Confiado que eles estão em Cristo, Paulo pode acreditar que eles sempre farão aquilo que lhes foi ordenado. Segundo Champlin: “Paulo indica aqui as várias ‘tradições’ (ver II Tes. 2: 15), os princípios éticos do cristianismo, mas, por igual modo, a crença certa (…) sobre a ‘parousia’ ou segundo advento de Cristo, e agora Paulo começa a adicionar mais alguns mandamentos para serem praticados com relação àqueles que andavam ociosos ou desordenados”.
  4. Tendo o coração conduzido pelo Senhor (v. 5). O agente que opera esse ato é o Senhor, o que nos dá a confiança de que Ele será bem sucedido no que faz. O ato, em si, é “conduzir” ou “encaminhar” os nossos corações. Esta palavra originalmente – “kateuthunai” – pode ser traduzida por “endireitar, guiar, encaminhar” (Rienecker & Rogers), e a forma de realizar esse “encaminhamento” é no amor de Deus e na constância de Cristo”, ou seja, demonstrando o mesmo tipo de amor que Deus demonstrou pela igreja e demonstrando a mesma constância – em grego “upomonên” -, ou “paciência” e “perseverança” que Jesus demonstrou ao realizar seu ministério.

Conclusão: Paulo principia o texto da Epístola de hoje ressaltando o fato que a igreja em Tessalônica era motivo para se dar “graças à Deus”. Para justificar sua argumentação, Paulo nos diz que aquela igreja foi escolhida desde a eternidade por Deus, chamada pelo evangelho de Cristo e conclamada à orar sempre. E Paulo sabia que isso era verdade. As mesmas três marcas precisam acompanhar nossas comunidades ainda hoje. Precisamos sempre ressaltar a tradição dos apóstolos que nos fortalece na fé e que traz a paz ao nosso coração. Mas temos que entender que, somente os que foram escolhidos e chamados podem terminar a obra que Deus confiou à Igreja. Você se vê como alguém que foi escolhido e chamado por Deus? Acha que que Ele o está chamando nesse momento? Junte-se à igreja de Tessalônica e aos demais cristãos nessa condição e seja, também, parte de uma Igreja que motiva as pessoas à darem glória à Deus.

 

 

Sermão do Domingo do Próprio 28

(Malaquias 3:13-4:2, 5, 6; II Tessalonicenses 3: 6-13; Lucas 21: 5-19)

TEMA: Vivendo entre o “já” e o “ainda não”. (II Tessalonicenses 3: 6-13).

Introdução: Desde o início da Igreja Cristã, várias comunidades têm surgido em inúmeros lugares, pregando a iminência da vinda de Cristo e, por via de consequência, o completo abandono da vida civil comum para dedicar-se completamente à preparação para aquele grande dia. Em meus cinquenta anos de vida, já ouvi uma dezena de vezes pregadores marcando a vinda de Jesus e exortando à Igreja a se preparar para ela.

Elucidação: Depois de escrever, em sua primeira carta aos Tessalonicenses, sobre a segundo advento de Cristo – a parousia -, muitos membros daquela comunidade, entendendo que a vinda de Jesus era iminente, e simplesmente pararam de trabalhar e passavam a viver à espera do Senhor. Nesta segunda carta, Paulo repreende esse comportamento, estabelecendo um padrão de vida para toda a Igreja que vive nesse contexto entre o Reino de Deus que “já” está no meio de nós, mas que “ainda não” se revelou plenamente. Com isso em mente, e com base no texto de hoje, refletiremos, portanto, sobre o seguinte tema: Vivendo entre o “já” e o “ainda não”. Diante do exposto, entendemos que Paulo estabelece três princípios que devem nortear nosso comportamento:

I. DEVEMOS IMITAR O EXEMPLO DE PAULO

  1. Que poderia exigir ser sustentado pela comunidade (v. 9)
  2. Mas escolheu trabalhar dia e noite (v. 8) em labor e fadiga
  3. E se colocou como modelo para toda a Igreja (v 7, 9)

Aplicação:

II. DEVEMOS NOS AFASTAR DOS QUE VIVEM DESORDENADAMENTE

  1. Que deixaram a tradição que receberam (v. 6)
  2. Que vivem desordenadamente (v. 6)
  3. Que não trabalham (v. 11)
  4. Que se envolvem na vida alheia (v. 11)

Aplicação:

III. DEVEMOS ACEITAR SUAS EXORTAÇÕES APOSTÓLICAS

  1. Trabalhar tranquilamente (v. 12)
  2. Comer do próprio pão (v. 12)
  3. Não se cansar de fazer o bem (v. 13)

Conclusão:

 

 

Sermão do Domingo do Próprio 29

(Jeremias 23:1-6; Colossenses 1: 11-20; Lucas 23: 35-43)

TEMA: A obra de Cristo por nós. (Colossenses 1: 11-20).

Introdução: Sempre olhei para a teologia como uma hierarquia de temas. E, segundo meu pensamento, a Cristologia está acima de todos os demais temas. Não existe assunto na soteriologia, na eclesiologia, na escatologia ou na pneumatologia que seja mais importante do que uma Cristologia que seja minimamente ortodoxa. E, preciso afirmar, em segundo lugar, que poucos textos da Bíblia apresentam uma Cristologia tão elaborada quanto este. Aqui encontramos a grande obra de Cristo por nós.

Elucidação: Com esta carta Paulo está procurando rebater as teses de uma filosofia judaizante de influência gnóstica que afirmavam que os cristãos eram vulneráveis às suas forças espirituais. Estes “espíritos” deveriam ser honrados por meio de sacrifícios ascéticos, abrindo mão de comida e bebida e cumprindo alguns elementos da lei de Moisés. Paulo escreve para demonstrar que nossa aceitação perante Deus é feita apenas por meio da obra de Cristo. De fato, Deus já nos aceitou nEle ainda que precisemos nos aperfeiçoar durante nossa vida. Diante desse texto, refletiremos, hoje, sobre o seguinte tema: A obra de Cristo por nós. Com este tema em mente, podemos encontrar no texto lido três áreas nas quais a obra de Cristo por nós se manifesta:

I. ELE NOS FORTALECE COM TODO O PODER (11, 12)

Paulo, dentro do contexto, está orando à Deus pela igreja em Colossos e pedindo que ela seja plena do conhecimento de sua vontade, com toda a sabedoria e entendimento espiritual. Desta forma Deus nos fortalece com todo o poder, ou seja, “pasê dunámei”, com toda força necessária para que vivamos uma vida cristã vitoriosa.

  1. Segundo a força da sua glória. O uso da expressão “força da sua glória”, em grego: “krátos tês dóksês”, nos faz pensar no poder de operar milagres e maravilhas (Mc 6: 14). Esse poder, descrito aqui, se refere ao que caracteriza sua glória.
  2. Em toda a perseverança e longanimidade. Ainda revelando seu desejo em que a igreja cresça espiritualmente, ela, que é fortalecida em todo poder, também é fortalecida em toda perseverança e longanimidade. Essas duas palavras (upomonên kai makrothumían) apontam para o caráter mudado de um cristão que tem a perseverança, ou seja, que traz consigo a constância e a fortaleza frente à perseguição e à oposição, mas também possui longaminidade que, “Refere-se a auto contenção que não retalia iradamente um erro” (Rienecker & Rogers).
  3. Com alegria. Quem vive em alegria vive imunizado contra toda espécie de tribulação. Lembremos que a alegria é um fruto do Espírito e que, por isso, caracteriza a vida normal de um cristão. A “alegria”, portanto, “ilustra a atitude do cristão diante das provações da vida” (Ralph P. Martin).
  4. Dando graças ao Pai que nos fez idôneo. É graças a força que Deus nos dá, que podemos, em meio à tribulações, agradecer com alegria e nos alegrar com ações de graças. Segundo Hendriksen “Essa ação de graças se dirige ao Pai, já que Ele é que nos dá livremente todas as coisas (Rm 8: 32) através do ‘Filho de seu amor’”. Quando pensamos que Deus nos fez aptos, lembramos do texto de II Co 3: 5 que diz: “nossa suficiência vem de Deus”, ou seja, é Ele que nos faz aptos e dignos de participar de sua herança.
  5. À parte que nos cabe na herança doa santos na luz. Assim como na Antiga Aliança o Pai proveu à Israel uma herança terrena, assim também, providenciou à sua igreja, ou seja, a esse povo gentílico, a capacidade ou a tornou idônea e apta para receber uma “herança dos santos” na luz, ou seja, a herança dos que foram redimidos e retirados das trevas.

Aplicação: No texto de Jeremias, Deus fala contra todos aqueles que se comportam como maus pastores de seu povo. Segundo o texto de Jeremias, Deus mesmo recolherá suas ovelhas dispersas e as acolherá em seu aprisco. Ademais, seu cuidado fará com que Ele levante verdadeiros pastores que cuidem de seu povo, os alimente e os conforte, evitando todo sofrimento e medo. Que essa profecia se cumpra em nossos dias, em que os “pastores” se revelam tão inclinados ao dinheiro e ao sucesso.

II. ELE MUDOU NOSSA REALIDADE PESSOAL (13, 14)

  1. Ele nos libertou do império das trevas. Comentando este texto, Ralph P. Martin nos diz que “Deus nos libertou (…) do império das trevas onde dominam os poderes malignos (Lc 22: 53) e onde a autoridade de Satanás é exercida (At 26: 18)”. Sendo o diabo o princípio de toda a separação, Deus, que nos quer juntos a Ele, nos retirou desse domínio de trevas onde imperava o princípio diabólico da luta, do domínio e da discórdia. Paulo usa a palavra eksousía para se referir ao “princípio característico e dominante da região na qual eles habitavam antes da conversão a Cristo” (Rienecker & Rogers).
  2. Nos transportou para o reino do Filho do seu amor. O mesmo Ralph Martin nos diz que ao nos transportar para o reino do Filho do seu amor, Paulo usa o verbo “metestêsen”, que “refere-se a uma remoção ou migração de um povo, como quando Antioco III transportou vários milhares de judeus para a Ásia Menor na primeira parte do século II a.C. (Josefo, Ant. xii.149). Essa migração, no entanto, é um movimento espiritual enquanto os cristãos obtêm a admissão para o reino de Cristo, i.é, a comunhão do povo de Cristo na Igreja”. Se antes estávamos em uma eksousía, Paulo, agora nos diz que estamos no “Reino do Filho” (basileían tou uiou). Segundo Rienecker & Rogers, “O reino de Cristo é o domínio cósmico de Cristo, adquirido por Ele mediante Sua morte na Cruz e ressurreição pelo poder de Deus”.
  3. No qual temos a redenção, ou seja, a remissão dos pecados. É interessante notar que R.E.O White, comentando esse texto, diz que, “Como Israel, também os colossenses têm a redenção, palavra essa usada para o êxodo do Egito e, mais tarde, para a volta do exílio na Babilônia”. Uma vez transportados para esse reino de luz, encontramos a redenção. E é interessante perceber que Paulo identifica a redenção com a remissão dos pecados. Rienecker & Rogers afirmam que a palavra usada por Paulo para “remissão” é “apolútrôsin”, que significa “libertação completa baseada no pagamento de um preço”. Essa “é a libertação mais necessária para os homens pecadores” (R.E.O White).

Aplicação: Quando lemos as Escrituras do Novo Testamento, descobrimos que no fim dos tempos, Cristo entregará seu Reino ao Pai. Mas, enquanto isso não acontece, ou seja, nesse ínterim escatológico no qual vivemos, o senhorio de Cristo se manifesta primeiramente e, acima de tudo, na Igreja, muito embora não se esgote nela. A Igreja, enquanto agência do Reino de Deus, tem como objetivo, reconciliar toda as coisas com Deus.

III. ELE É O SENHOR DE TODAS AS COISAS (15-20)

Para muitos comentadores, o que Paulo faz nesses versículos é apresentar uma doxologia à grandeza de Cristo que, provavelmente, era parte de um hino cristão primitivo. Nesse hino a Igreja primitiva declara sua crença na proeminência de Cristo e em seu Senhorio.

  1. Sendo a imagem do Deus invisível. Esta afirmação concorda com todo o ensino bíblico de que Deus é espiritual, invisível e desconhecido até que se auto-revelou em Cristo. Segundo Ralph Martin “Esse desvendamento da Sua Pessoa é visto supremamente no Seu Filho, Jesus Cristo (2 Co 4.4-6) que ‘encorpora’ o caráter de Deus”. A palavra imagem, do grego “eikôn” pode apontar para duas ideias diferentes. A primeira é a representação, e a segunda a manifestação. Os principais comentadores concordam que, na antiguidade, eikôn “não era apenas uma representação plástica dos objetos assim retratados, como também pensava-se que a participava dalguma maneira da substância do objeto que simbolizava”. Segundo Kleinknecht, “A imagem não deve ser entendida como sendo uma magnitude que é estranha à realidade e presente somente na consciência. Tem participação na realidade. É, de fato, a própria realidade”. Isso significa que chamar Cristo de a “imagem” do Deus invisível e o mesmo que dizer que Cristo objetiva Deus como ele é, na vida das pessoas, ou seja, encarna Deus em nossa humanidade e o projeta em nossa realidade existencial. E descrição é mais revelatória que ontológica e aponta muito mais para a obra de Cristo do que, propriamente, para seu Ser-em-Si.
  2. Sendo o primogênito de toda a criação. Para os gnósticos, os arianos e as Testemunhas de Jeová, ser o “primogênito da criação” significa que Cristo foi a primeira coisa criada por Deus. Que esta frase não significa que o Filho é parte da criação, se pode deduzir pelo verso 16. Em outras palavras, conforme afirma Hendriksen, Ele é “aquele a quem pertence o direito e a dignidade de primogênito em relação a toda criatura” (…). Ele é anterior e distinto de, e exaltado muito acima de toda criatura. Como o primogênito, ele é herdeiro e governante de tudo”. Temos que levar em conta o contexto hebraico do autor onde se entende que o primogênito é o herdeiro de tudo (Sl 89: 27; Ex 4: 22; Jr 31: 9).
  3. Nele tudo o que existe foi criado. Dizer que “nele tudo foi criado” significa o mesmo que dizer que “a criação reside e se ergue dentre a esfera dessa vontade e energia criadora; pelo que todos os atos e realizações da criação dependem de Cristo” (Champlin). Paulo está assumindo uma ideia platônica e colocando Cristo como o “arquétipo” da criação, ou seja, a “ideia” platônica que serve de modelo e de padrão para tudo o que é criado na terra. Ao dizer que tudo foi criado nele e ao enumerar “tronos, dominações, principados e potestades”, Paulo não está “ordenando os anjos em quatro grupos distintos, seja em escala ascendente ou descendente quanto a eminência, como se existisse essas quatro classes rigorosamente diferenciadas” (Hendriksen).
  4. Nele tudo subsiste. Dizer que nEle tudo subsiste é mais do que afirmar que ele é o criador de tudo, é afirmar que sem sua presença o que existe deixaria de existir, ou seja, nada tem existência anterior, autônoma ou independente de Cristo. A palavra sunéstêken – de onde deriva a palavra “sistema” -, significa “reunir”, “compor” e “constituir”. A ideia aqui é que “o sistema e mantido como um ‘sistema ordeiro’, por seu poder” (Champlin).
  5. Nele a Igreja tem um cabeça e um primogênito que tem a primazia. Sendo o cabeça da Igreja, Cristo é muito mais do que apenas aquele que lhe dá vida e crescimento. Ele é sua cabeça orgânica, ou seja, “Como sua cabeça também exerce autoridade sobre a igreja; por certo, sobre a totalidade da criação, para o benefício da igreja (Ef 1: 20-23)” (Hendriksen).
  6. Nele reside a plenitude da divindade. Conforme afirma R.E.O. White, “A concepção exaltada de Paulo a respeito da pessoa de Cristo dificilmente pode encontrar expressão mais adequada do que nessa sentença”. O termo grego usado nesse texto para traduzir “residir toda a plenitude” (plêrôma katoikêsai) é significativo porque existem dois termos que são contrastes: katoikeo e seu oposto paroikeo. O primeiro, e o que nos interessa, significa “tomar residência permanente” ou “firmar-se com a intensão de ficar”. Esta é a mesma palavra “usada acerca da habitação de Cristo nos remidos, por meio do seu Espírito” (Champlin).
  7. Nele céus e terra são reconciliados. Cristo foi o responsável por tornar possível se fazer a paz “eirênopoiêsas” e reconciliar “apokatallaksai” todas as coisas que estão na terra com as que estão nos céus, em razão de seu sacrifício na cruz. Para Champlin, “a expiação produz paz e reconciliação”. Em Cristo todas as coisas não foram apenas criadas, mas reconciliadas com Deus. Segundo ensina Hendriksen, “O verdadeiro significado de Col. 1:20 é provavelmente o seguinte: o pecado arruinou o universo. Destruiu a harmonia que havia entre uma criatura e outra, e também a que havia entre todas as criaturas e Deus. Contudo, pelo sangue da cruz (cf. Ef 2: 11-18) o pecado, em princípio, foi vencido”.

Conclusão: No texto do Evangelho de Lucas, encontramos nosso Senhor crucificado diante da multidão e os questionamentos acerca de seu senhorio. Aqui encontramos o povo e as autoridades discutindo se, de fato, ele era o Rei dos judeus – já que não conseguia salvar-se nem a si mesmo; os soldados também escarneciam e, trazendo vinagre, diziam: “se és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo”; por fim, um malfeitor que estava crucificado a seu lado também blasfemava: “se és o Cristo, salva-te a ti mesmo e a nós, também”. A única pessoa sensata naquela cena sinistra era o outro ladrão crucificado. Esse, depois de repreender o malfeitor clamou ao Mestre: “lembra-te de mim, quando entrares no teu Reino”.

De fato, o verdadeiro Senhorio de Jesus está oculto para a maioria das pessoas, e apenas visível aos humildes de coração. Somente esses conseguem olhar para o crucificado e ver nEle, aquele que, com sua obra, traz a reconciliação entre Deus e os homens. O que você vê quando olha para a cruz? Quem você enxerga dependurado nela? O que ela significa para você?

 

 

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