NASCIMENTO E MORTE DO SUJEITO

sujeito

Rev. Padre Jorge Aquino

Quando pensamos em sujeito, logo muitas ideias nos vêm à mente. Em seu Léxico de metafísica, MOLINARO (2000, p. 120, 121) descreve o sujeito como “a determinação do ente em si ou, em geral, como em si e por si – referência ao hypokeímenon, que em latim se torna subjectum, ‘sujeito’, e à substância -; ou mais particularmente como ente que sente, que é pensante e volante”. Em um primeiro momento da história da filosofia, o sujeito era apenas um dos modos da substância. Desta forma, para Aristóteles, em sua Metafísica VII,3,1028b 36, sujeito “é aquilo de que se pode dizer qualquer coisa, mas que por sua vez não pode ser dito de nada”. O que importa nessa definição de Aristóteles, diz Abbagnano, “é o sentido geral do termo: s. é o objeto real ao qual são inerentes ou ao qual se referem as determinações predicáveis (qualidade, quantidade, etc.)” (ABBAGNANO, 2000, p. 930). Assim sendo, o sujeito é o mesmo que a substância, ou seja, o ser real que pensa. Em resumo, seguindo a orientação grega, o pensamento filosófico está interessado em explicar os elementos da natureza ou da physis. Ademais, neste primeiro momento o tema da sujeito é abordado de uma perspectiva eminentemente metafísica.

Com o surgimento da modernidade, contudo, podemos ver florescer um outro olhar. Um olhar a partir da perspectiva da epistemologia ou da teoria do conhecimento. Nesta nova abordagem vemos que o sujeito é o “espírito cognoscente” que se opõe ao objeto conhecido. Neste momento o indivíduo “ganha consciência de sua subjetividade essencial. Entre a realidade e o conhecimento está o sujeito. Este passa a ser o motivo de suas preocupações” (SOUZA, acessado em 20 de maio de 2015). Russ chega a afirmar que em Descartes o cogito é “sinônimo da consciência de si mesmo do sujeito pensante” (RUSS, 1994, p. 40).

Quem primeiro popularizou esta concepção dualista da realidade foi o filósofo francês René Descartes (1596-1650) que, segundo Stephen Law, “A partir do fato de que tinha acesso direto à sua mente consciente, mesmo que pudesse duvidar de qualquer coisa física, Descartes foi levado a supor que sua essência consistia em ser uma coisa puramente pensante. Embora uma substância distinta, esse eu imaterial está para Descartes intimamente unido ao corpo físico, pelo menos enquanto este vive. E, enquanto o mundo físico, inclusive o corpo, é matematicamente descritível e segue leis físicas precisas, o mundo da mente é livre para seguir os próprios pensamentos” (LAW, 2008, p. 279). Ora, o que podemos inferir dessa perícope é que o ilustre pensador francês inicia seu dualismo pelo próprio ser, dividindo-o em corpo e alma.

Uma segunda modalidade de dualismo também pode ser vista nele. Enquanto os gregos viam o conhecimento como desvelamento ou contemplação da verdade, ou seja, deixar que a vida fale por si mesma, para os modernos, desde Descartes, o conhecimento se dá como representação. Em outras palavras, só se pode conhecer em uma relação entre o sujeito que conhece (ens cogitans – ser cognoscente) e o objeto (res estensa – coisa cogniscível). O conhecimento surge da relação na qual o sujeito projeta suas estruturas no objeto para capturar suas propriedades e características. É neste momento que a noção de sujeito se torna fundamental. O sujeito que pensa, logo existe, dá fundamento a uma crença de que a verdade existe, de que ela é possível de ser conhecida em sua totalidade de forma clara e distinta e de que existe um método para que isso ocorra. O sujeito, no mundo moderno, está de posse do puro intelecto.

Immanuel Kant (1724-1804) fortalece a ideia de conhecimento como representação à medida em que, cito mais uma vez Souza, o “real não é algo externo ao indivíduo, mas este o produz no interior de si mesmo. Somos nós que através de certas faculdades apriori (estabelecidos independentes da experiência) organizamos e damos sentido e coerência ao real. O conhecimento surge como representação. A razão seria essa capacidade que o ser humano tem, partindo de princípios apriori, representar e conhecer o mundo. Em consequência disso, na teoria kantiana a razão torna-se o núcleo do sujeito moderno” (SOUZA, acessado em 20 de maio de 2015) (sic). Embora essa representação ocorra dentro do sujeito, ela ainda é uma imagem do que está fora dele. Kant, portanto, começa a compreender que entre o puro sujeito que observa e o puro objeto que é observado, existe a mediação dos sentidos, por meio dos quais conhecemos a representação das coisas.

Quem primeiro ameaçou abertamente essa noção de sujeito foi Karl Max (1818-1883) ao afirmar em sua tese sobre o materialismo histórico que o sujeito é determinado por aquilo que ele faz, ou seja, ele é determinado pelo seu ser social. Desta forma, para Marx, quando examinamos a forma como os homens produzem os bens necessários à vida, compreendemos como eles pensam, como é sua moral, sua religião e sua filosofia. Em outras palavras, somente pela sua práxis teremos acesso ao sujeito.

O segundo pensador a contribuir para a destruição da noção metafísica de sujeito foi Nietzsche (1844-1900). Assim como Marx, ele também desconstrói a noção cartesiana de sujeito. Para ele o sujeito emerge de uma genealogia por meio de uma relações de poder, através de um turbilhão de forças que o atinge. O sujeito, desta forma, é o terreno dos acontecimentos históricos, das contradições, das relações de força e poder. Por meio do conceito de genealogia o sujeito é concebido enquanto ser no mundo, visível por meio de seu corpo e o resultado dos conflitos de forças. Nesta perspectiva a noção de um “eu” fixo e estável já não tem sentido, vez que as qualidades do homem não são fixas.

O próximo “filósofo da suspeita” é Freud (1856-1939) que deflagrou um golpe decisivo no narcisismo humano. Para ele, o homem é um ser dominado por impulsos irracionais inconscientes. Longe de sermos sujeitos autônomos e racionais, não somos sequer donos de nossa “própria casa”. Assim, o sujeito não é um ser da consciência ou da razão, mas da inconsciência e da desrazão e governado por uma vontade cega, irracional e destituída de sentido e finalidade.

Um outro filósofo de extrema importância na desconstrução do sujeito iluminista foi Michel Foucault (1926-1984). Para ele os seres humanos só se tornam sujeitos dentro da cultura e em uma história peculiar. Resgatando a genealogia nietzschiana, Foucault passa a estudar a história das instituições disciplinares modernas e elabora a constituição do sujeito a partir das formas de discursos e das relações de poder. Foucault entende que a partir do século XVII, por meio de análise de problemas jurídicos, judiciários e penais, surgem conhecimentos como a sociologia, a psicopatologia, a criminologia e a psicanálise. E é por meio dessas práticas de controle (pe. O modelo panóptico de prisão), modificadas no transcorrer da história, que “definiram-se tipos de subjetividade, individualidade e técnicas de esquadrinhamento disciplinar, que tornaram o corpo do indivíduo útil à produtividade. Isso significa que o sujeito moderno dócil, serviçal, trabalhador e responsável se constitui através de práticas disciplinares em instituições de controle como o hospital, a prisão, a fábrica e a escola” (SOUZA, acessado em 20 de maio de 2015).

Para os representantes da chamada Escola de Frankfurt o indivíduo autônomo do iluminismo se dissolveu desde a segunda metade do século XIX por meio do surgimento da técnica e da sociedade de massas. Adorno e Horkheimer, por exemplo, em “Dialética do Esclarecimento”, nos mostra as consequências do advento da técnica. Para eles, a razão do iluminismo nunca se concretizou efetivamente enquanto força histórica, mas se tornou um mito e uma abstração. A razão transformou-se apenas em um instrumento formal, técnico e operacional, que pode ser utilizada para todos os fins. Foi por meio dela que a humanidade ao invés de entrar em um estado verdadeiramente humano, sucumbiu a um estado de barbárie e regressão social. A razão formal se tornou, como afirmaria Habermas, em uma racionalidade instrumental, ou seja, tornou-se relação calculada entre meios e fins. E foi a emergência dessa racionalidade que os indivíduos se adaptaram à sociedade e ao domínio social. Esta racionalidade instrumental contaminou todos os aspectos da vida social, tornando os controles tecnológicos e midiáticos a própria personificação da razão. A produtividade, a propaganda e a mercadoria, desta forma, se impuseram ao sistema social como um todo. As pessoas tornaram-se consumidores e, portanto, prisioneiros do capital, prenderam-se aos produtos de consumo e às formas de bem estar social apresentadas pelos meios de comunicação de massa. Desta forma, o indivíduo autônomo, sonhado pelo Iluminismo, sucumbiu e desapareceu. A subjetividade foi tomada pelos controles tecnológicos e mercadológicos.

Como se pode ver, a ideia de um sujeito, pronto, imutável e ontologicamente estável, tão comum à metafísica, deixou de existir. Essa é a grande inovação dos filósofos desconstrutivistas da pós-modernidade. Desta forma, nos aproximamos das teses empiristas de John Locke (1632-1704), que entendia ser o homem uma “tabula rasa” ou uma “folha em branco”, cujas impressões empíricas do mundo vão formando o núcleo de sua subjetividade. Em função disso, só entendemos o sujeito em relação à história que o constituiu e ao mundo em que ele habita. O sujeito não está fora do mundo que observa; ele faz parte dele e recebe dele as informações e influências que o fazem ser quem ele é. Ele é portanto, constituído e construído dentro das práticas sociais. É justamente nesse sentido que o filósofo madrilenho José Ortega y Gasset (1883-1955) afirma em suas Meditações do quixote: “Eu sou eu e minhas circunstâncias, e se não salvo a ela não me salvo a mim”.

Referências Bibliográficas:

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2000

ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de janeiro: Jorge Zarhar, 1985.

FREUD, S. O mal-estar na civilização. Rio de Janeiro: Imago, 1969.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1989

MARX, K. e ENGELS, F. A ideologia Alemã. São Paulo: Hucitec,1984.

MOLINARO, Aniceto. Léxico de metafísica. São Paulo: Paulus, 2000.

NIETZSCHE, F. Genealogia da Moral. São Paulo: Brasiliense, 1988.

https://filosofonet.wordpress.com/2010/11/01/o-nascimento-e-a-morte-do-sujeito-moderno/ Michel Aires de Souza

RUSS, Jacqueline. Filosofia. São Paulo: Scipione, 1994

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